Fabrizio Almeida Prado e do Leandro Diehl, docentes do curso de medicina
Fabrizio Almeida Prado e do Leandro Diehl, docentes do curso de medicina | Foto: Gina Mardones



Erros no diagnóstico médico acontecem, mas a probabilidade de engano pode diminuir se o paciente tiver uma atuação mais efetiva durante a consulta. Um paciente engajado, que participa ativamente no manejo de sua própria saúde, tem mais condições de chegar a bons resultados no tratamento, garantem médicos. Para melhorar a interação entre o profissional de saúde e o doente, três médicos londrinenses criaram uma cartilha com dicas para garantir uma boa consulta e estabelecer uma relação de parceria. O objetivo é estimular o paciente a colaborar na elaboração de um diagnóstico correto.

A iniciativa foi inspirada em um movimento norte-americano chamado Sociedade para Melhorar o Diagnóstico em Medicina e a ideia de criar no Brasil um projeto semelhante partiu dos nefrologistas Pedro Gordan e Fabrizio Almeida Prado e do endocrinologista Leandro Diehl, autores do blog Raciocínio Clínico (raciocionioclinoco.com.br). Gordan é professor aposentado da UEL (Universidade Estadual de Londrina) e Prado e Diehl são docentes do curso de medicina da instituição. "Quando a gente fala em erro de diagnóstico, muita gente pensa que é só o papel do médico, do hospital, do exame de laboratório, mas não é. Na verdade, o maior interessado em ter um diagnóstico correto é o próprio paciente, que pode colaborar", destacou Diehl. "Sem o diagnóstico correto, o tratamento vai ser inadequado."

Imagem ilustrativa da imagem Londrinenses criam cartilha para pacientes
| Foto: Folha Arte



Os especialistas passaram um ano pesquisando materiais, reunindo informações e estudando o formato ideal de cartilha para melhorar a participação do paciente no processo de diagnóstico. Segundo Diehl, é comum pessoas sem nenhuma informação em saúde criarem expectativas que não contribuem para uma consulta mais efetiva. "A gente vive em um mundo em que a consulta médica está cada vez mais curta, o médico tem cada vez menos tempo para conversar. Lógico que o ideal seria ter mais tempo, atender com mais calma, mas nem sempre isso é possível. Então, o tempo da consulta tem que ser otimizado para haver melhor troca de informações e se chegar ao melhor resultado possível", afirma o endocrinologista.

A cartilha pode ser baixada gratuitamente no blog Raciocínio Clínico e é útil para pacientes de qualquer sistema de saúde e também para médicos de todas as especialidades. A sugestão dos autores é que os profissionais de saúde passem a disponibilizar o material em suas salas de espera. Além das dicas, a cartilha reserva espaço para que o paciente faça anotações sobre o histórico da sua doença e seus sintomas, quais exames físicos e complementares gostaria que o médico fizesse, diagnóstico e dados que devem ser preenchidos após a consulta, como tipo de tratamento e retorno.

Se o paciente apresentar ao médico um relato detalhado de seu histórico clínico, uma lista dos medicamentos que usa e os principais exames que fez, afirmam os médicos, o profissional vai precisar de menos tempo para organizar as informações e terá mais tempo para refletir sobre o diagnóstico. "Quanto mais informação, mais fácil para o médico", disse Prado. "De certo modo, é uma mudança de cultura dos dois lados. O sistema de saúde não tem essa cultura de perguntar. O paciente vai até o consultório e espera que o sistema funcione. Há médicos que também não veem com bons olhos os questionamentos. Mas ele tem que mostrar abertura para isso", defendeu Prado.

O resultado de uma troca maior de informações entre o médico e o paciente e a postura mais colaborativa do doente, afirma Diehl, é o maior engajamento no tratamento, elevando as chances de cura. "O paciente que se envolve mais ativamente no processo de diagnóstico, no processo de tratamento, entende o que está fazendo, por que está tomando aquele remédio, se envolve nas decisões sobre sua saúde e tem melhor resultado", disse o médico. "E as doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, ficam melhor controladas", acrescentou Prado.

Para Pedro Gordan, somente uma relação de parceria construída entre médico e paciente será capaz de conduzir a um tratamento adequado, resultado de um diagnóstico preciso. "O paciente precisa ser parceiro. Não precisa haver incompatibilidade com o médico. Não pode haver", destacou. "O diagnóstico não é uma fotografia, é um filme. Muitos diagnósticos só aparecem com o tempo de conhecer bem o paciente, a sua família e a sua vida. Só conhecendo bem todas as particularidades dos pacientes", ensina Gordan, que atualmente é professor titular de Nefrologia no Centro Universitário São Lucas, em Porto Velho (RO), onde começa a implementar um novo currículo para a faculdade de medicina, no qual a construção de um diagnóstico é praticada desde os anos iniciais da graduação.

ROTATIVIDADE
O nefrologista reconhece que a alta rotatividade de profissionais no sistema público de saúde e a escassez de tempo para as consultas dificultam a construção de um vínculo entre médico e paciente, mas que o médico tem que lutar por um tempo maior de consulta e ser parcimonioso nos exames, que devem servir apenas como confirmações do diagnóstico. Ao paciente, cabe questionar o profissional, instigando-o a pensar sobre outras possibilidades na elaboração do diagnóstico. "Sei das dificuldades do sistema público de saúde, mas as soluções só virão quando o sistema público for adequadamente avaliado e financiado, quando a saúde for prioridade de fato. A desorganização do sistema mata a relação entre médico e paciente, que deve ser de parceria e não uma relação comercial", defende Gordan.

O que os médicos propõem é um novo olhar sobre a medicina, no qual o diagnóstico é fruto de um trabalho em equipe. A proposta incentiva o médico a abandonar a postura autoritária e o paciente a perder o medo de questionar o profissional de saúde. "Tem que mudar essa relação (médico-paciente). Tem que ter mais parceria", defende Diehl.

'Ela sempre sai do consultório com dúvida'
A atendente de farmácia Rute Silva Souza conhece os perigos da automedicação, mas o tempo de profissão e a rapidez das consultas nos postos de saúde fizeram com que ela optasse por assumir alguns riscos. "A gente espera duas horas para ser atendida e a consulta dura dois minutos. A gente não tem chance de perguntar muito para o médico e depois de esperar tanto pela consulta, com fome, sono e cansaço, às vezes até esquece de falar alguns sintomas. Então, eu imagino mais ou menos o que eu tenho e peço para o médico me dar uma determinada receita para eu poder comprar na farmácia porque sem a receita eles não vendem."

Souza só age diferente quando a paciente é a filha. "Ela é muito pequenininha, então eu deixo o médico examinar e dar o diagnóstico. Mas a minha mãe, que tem 60 anos e não tem o costume de perguntar nada para o médico, sempre sai do consultório com dúvida. Eu mesma, quando a acompanhando às consultas, já saí com dúvida", comenta a atendente.

O pintor Aureliano Itamar dos Santos diz que sempre confia no diagnóstico médico, mas aproveita bem o tempo das consultas para tirar todas as dúvidas sobre a doença e o tratamento proposto. "O paciente tem que ajudar, falar tudo porque é ele quem sente as dores. Mas o médico tem que explicar tudo direitinho também. Eu sempre pergunto até não ter mais dúvidas e sempre deram certo os tratamentos."