Marina faz aulas de Funcional Kids na FEL
Marina faz aulas de Funcional Kids na FEL | Foto: Gina Mardones - Grupo Folha

Não tem nada de “fofinho”. As crianças com sobrepeso merecem um olhar cuidadoso por parte de toda a sociedade. Os números da obesidade infantil não param de crescer e, por consequência, as estatísticas sobre o aparecimento de doenças em indivíduos cada vez mais jovens só aumentam. Uma criança que é obesa aos sete anos tem 50% de risco de se tornar um adulto obeso. E a obesidade pode antecipar em 10 a 20 anos a manifestação de diabetes e doenças cardiovasculares na idade adulta.

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E o Brasil é um dos países mais “pesados” no mundo. Uma em cada três crianças no País apresenta excesso de peso. No Paraná, uma pesquisa realizada em 2014 com 16.500 mil estudantes e seus familiares revelou que 22,8% dos escolares estavam acima do peso. O levantamento foi coordenado pelo profissional de Educação Física em Londrina, Dartagnan Pinto Guedes. “Uma criança na idade escolar, dos três aos nove, dez anos, é uma fotografia do adulto. Ou seja, ela depende muito dos adultos com os quais convive, como pais e professores, para ter condições de uma vida mais saudável”, diz.

A questão, segundo ele, é que muitas famílias não “percebem” essa realidade e também não sabem como lidar. Uma pesquisa liderada pela nutricionista Sarah Warkentin, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), revelou que 48% dos pais de 976 crianças, entre dois e oito anos, que estudavam em colégios particulares de São Paulo e Campinas, classificaram erroneamente o peso da criança.

Nas crianças classificadas como extremamente obesas pelo estudo, 36% dos pais apontaram como “ligeiramente gordas” e a maioria (60%) disse que tinha peso normal. Em crianças com sobrepeso, os pais as perceberam como com peso normal (84,9%). O estudo foi publicado em 2018.

FALTA DE PERCEPÇÃO

Para Guedes, a falta de percepção reflete muito no comportamento familiar. “A prevalência de crianças e jovens envolvidos com a prática de atividade física tem diminuído. Um dos motivos é porque hoje existe uma concorrência muito grande na questão do lazer e diversão, que são os eletrônicos. Esse recurso tem sido cada vez mais utilizado pelos pais com o objetivo de acalmarem os filhos e a consequência é o sedentarismo”, aponta.

Estudos apontam que jovens que permanecem mais de duas horas por dia em frente à tela (TV, computador e vídeo game) têm três vezes mais chance de apresentar excesso de peso corporal. E isso pode ser justificado pela perda de noção de quantidade do que se está consumindo.

“A prática de se alimentar diante de uma tela leva as pessoas a comerem muito mais. A refeição deixa de ser um momento de prazer e vira algo mecânico, pois se está prestando atenção no vídeo e não no que se está comendo”, afirma a nutricionista Carolina Bulgacov Dratch, de Curitiba.

icon-aspas “Uma criança na idade escolar, dos três aos nove, dez anos, é uma fotografia do adulto"
Dartagnan Pinto Guedes, profissional de Educação Física -

FALTA DE TEMPO

Mas, para ela, o grande obstáculo para uma alimentação saudável entre as crianças tem sido a falta de tempo das famílias para preparar o próprio alimento. “Vale destacar que a família não é a culpada. Trata-se de uma questão mais ampla, que envolve políticas públicas. Um bom exemplo é a licença maternidade. Tem mães que só podem ficar quatro meses com os filhos e, portanto, a introdução alimentar de muitos bebês acaba sendo na escola”, cita.

Os primeiros alimentos que a criança vai conhecendo na chamada introdução alimentar são fundamentais na construção do paladar, explica Dratch. “É nessa fase (a partir dos seis meses) que começamos a fazer a memória alimentar. Estudos dizem que até 2 anos, a criança não deve experimentar o açúcar, o excesso de sal, pois as chances dela ter um gosto por alimentos mais saudáveis é maior”, completa.

Imagem ilustrativa da imagem Infância sem 'quilinhos a mais'
| Foto: Folha Arte

'ELES TÊM MAIS DISPOSIÇÃO'

Investir tempo e incentivar brincadeiras ao ar livre é uma garantia para um futuro mais saudável. De acordo com o profissional de Educação Física Dartagnan Pinto Guedes, o organismo jovem que se desenvolve com a prática esportiva terá um estado biológico que vai proporcionar com o tempo, prazer no esforço físico.

Para os primeiros anos de vida, ele afirma que o brincar livre - ir a um parquinho, fazer passeios ao ar livre ou explorar o quintal de casa - é o melhor exercício. “Uma criança deve fazer algo que a force a movimentar seu corpo, a sua massa corporal. Uma bola, por exemplo, é extremamente interessante porque força a criança a ir atrás”, cita.

Guedes ressalta que na fase pré-escolar (3 a 8 anos), as crianças precisam de espaço e liberdade para se movimentar e isso exige uma dedicação de tempo dos adultos para que elas tenham acesso a esses ambientes. “Se a gente conseguir movimentar essas crianças, tirá-las do sedentarismo, fazer com que envolvam no cotidiano atividades que são típicas da infância, a resposta em termos de sobrepeso é melhor. O organismo das crianças responde melhor”, salienta.

Guedes pontua que nem todas as modalidades têm a capacidade de prevenir ou controlar o excesso de peso. “Nesse aspecto, os hábitos alimentares são fundamentais e devem estar associados à atividades físicas com esforço”.

De acordo com ele, a natação é excepcional do ponto de vista de esforço físico, mas exige um ritual que pode levar a criança a abandonar. Considerando também outra atividade bastante procurada entre os pais, Guedes cita o balé. “Também é muito interessante, mas requer um ingrediente a mais no processo que é perceber se a criança tem uma tendência para esta arte e com isso, você já fecha um funil”, avalia.

DISCIPLINA

A psicóloga Flora Ebenau de Liz optou por matricular as filhas Marina, 7, e Maitê, 5, nas aulas de Funcional Kids da FEL (Fundação de Esportes de Londrina) há cerca de dois meses. Elas são estimuladas com exercícios de esforço, equilíbrio, força e coordenação motora, além disso fazem aulas de natação e dança.

“Tive problemas com peso na infância e na adolescência e essa é uma das razões de eu dar muita importância para que elas se movimentem. Mas penso também que as aulas podem ajudá-las no respeito às regras, na questão da disciplina, a terem conhecimento corporal e espacial, e a perseverarem no que fazem”, diz.

O profissional de educação física Nelson Hildo de Santana chegou a mudar os horários dos compromissos para levar os filhos Gabriel, 10, e Gustavo, 8, nas aulas de funcional para crianças. “Encaro esse tempo como um incentivo”, conta. Além de fazer com que os filhos movimentem o corpo e gastem energia, Santana também considera a ocupação do tempo. “Em casa não tem jeito, eles querem jogar videogame, assistir TV. Fazendo exercícios, eles vão ter prazer nisso e os ganhos são muitos. Eles têm mais disposição e melhoraram até no convívio social”, relata.

ESCOLHA ADEQUADA

O excesso de peso na infância foi o foco da dissertação de mestrado da nutricionista Carolina Bulgacov Dratch e, por aprofundar no tema, ela sustenta que o incentivo à autonomia a partir da primeira infância é fundamental. “Devemos ensinar a criança a cuidar do próprio corpo. A partir do momento que ela se sente capaz disso irá perceber a escolha alimentar adequada, assim como perceberá que a educação física é importante”, diz.

A mesma visão é compartilhada pelo professor e pesquisador na área de Educação Física, Dartagnan Pinto Guedes. “Temos que lembrar que a obesidade infantil é um conglomerado de comportamentos. Temos outros fatores, como a ansiedade, que antecedem o envolvimento de atividade física e alimentação. Portanto, temos que falar em educação da saúde global desde os primeiros anos de vida”.

A psiquiatra Lívia Beraldo de Lima Basseres lembra que a alimentação está relacionada com todos os quadros emocionais, acarretando, muitas vezes, o comer compulsivo. “Não seria 'descontar' na comida, mas o comer sem estar com fome de verdade. Ficamos beliscando até ver o final do alimento. É um comportamento alimentar que está ligado à saciedade”, comenta.

icon-aspas . “Devemos ensinar a criança a cuidar do próprio corpo. A partir do momento que ela se sente capaz disso irá perceber a escolha alimentar adequada, assim como perceberá que a educação física é importante”
Carolina Bulgacov Dratch, nutricionista -

Basseres atua na enfermaria de controle de impulsos do IPQ (Instituto de Psiquiatria)do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo) e reforça que não adianta propor algo para a criança se os adultos não derem o exemplo. “Ela pensa: tenho que comer verdura e ele pode comer pizza. As crianças se espelham muito nos exemplos dos pais”.

Sobre a forma com que as crianças com sobrepeso lidam com a imagem, a psiquiatra diz que no dia a dia do consultório elas levam questões de bullying e exclusão, mas não a queixa do corpo. “Isto é, sem relacionar a parte alimentar. Nem as famílias trazem isso. Elas não prestam atenção no comportamento alimentar”, destaca.

Como a infância é cercada de tentações, a nutricionista diz que é importante ensinar à criança que ela pode sim comer, mas de maneira moderada. “É uma articulação. Se proibir, a criança vai querer mesmo. Lembre-se que quando a criança já tem uma alimentação mais saudável, ela não vai exagerar”, completa.

Em relação à seletividade alimentar infantil, Dratch avalia que em alguns casos é importante envolver outros profissionais, como um psicólogo, e cita algumas atitudes que ajudam nesse processo, como tornar a refeição um momento prazeroso; envolver as crianças (a partir dos 3 anos) no preparo de alguns alimentos; apresentar cores e aromas; fazer um passeio em hortas e oferecer o mesmo alimento de formas diferentes. “A criança vai despertando para conhecer melhor os alimentos”, comenta.

Imagem ilustrativa da imagem Infância sem 'quilinhos a mais'
| Foto: Folha Arte