“O melhor jeito de encarar a doença não é ignorando-a, mas vivendo-a", afirma  Priscila Dias Rabelo de Lima, ao lado da filha Sarah
“O melhor jeito de encarar a doença não é ignorando-a, mas vivendo-a", afirma Priscila Dias Rabelo de Lima, ao lado da filha Sarah | Foto: Gina Mardones - Grupo Folha

A administradora Priscila Dias Rabelo de Lima, 27, foi diagnosticada aos nove meses com fibrose cística, também conhecida como mucoviscidose. A doença tem origem genética e pode causar problemas tanto no sistema respiratório quanto digestivo, exigindo um tratamento multidisciplinar.

Desde que foi diagnosticada ela tem uma rotina diária de remédios, inalações, além de consultas e exames frequentes. Apesar de tudo, como gosta de ressaltar, nunca deixou de buscar seus sonhos, apenas teve de adaptá-los de acordo com o tratamento. Lima se casou, é mãe de Sarah, nove meses, fez graduação e pós-graduação e hoje busca, junto com outros pacientes e familiares de fibrocísticos, trazer um centro de tratamento multidisciplinar em Londrina. Há apenas três no Paraná: um em Cascavel e dois em Curitiba.

“O melhor jeito de encarar a doença não é ignorando-a, mas vivendo-a, e um jeito que encontrei de vivê-la é me perguntando o que precisamos fazer para facilitar o tratamento de muitos, afinal a rotina de cuidados é bastante cansativa. A necessidade de um Centro Multidisciplinar aqui deve-se ao fato das muitas idas a médicos, em especial pneumologista, e realizações de exames sendo essas atividades possíveis apenas em Curitiba”, ressalta.

Justamente devido a ser um tratamento cansativo, muitos pacientes acabam abandonando os cuidados, o que pode significar risco de vida. "Há dias que dá vontade de desistir, ou fazer de qualquer jeito, mas sabemos que um dia a menos de tratamento pode significar um dia a menos de vida, então precisamos nos recompor e seguir em frente. Por dia tomo no total 15 enzimas e faço seis inalações, três de manhã e três à noite, essa quantidade pode aumentar se precisar fazer inalação com antibiótico. E tomo azitromicina três vezes na semana que funciona como imunodepressor, a maioria dos pacientes fazem uso disso”, explica Lima.

CASCAVEL

Segundo Mafalda Lúcia Kuhn, pneumopediatra e coordenadora de Fibrose Cística de Cascavel, a doença é uma combinação de genes defeituosos e também é conhecida como a doença do beijo salgado. O primeiro exame para a doença é feito no recém-nascido, no teste do pezinho, que, segundo ela, passou a ser oferecido pelo SUS em 2002. Ainda hoje não são todos os estados que disponibilizam o exame na rede pública. O centro de tratamento de Cascavel funciona junto ao Hospital Universitário do Oeste do Parana.

Caso o teste do pezinho dê negativo, mas a criança apresente sintomas, é feito então o segundo teste, chamado de exame do suor. Já se o teste do pezinho der alterado, deve ser repetido. “O diagnóstico só é considerado positivo se o teste do suor for positivo. Então é feito o teste genético para sabermos a progressão da doença e como será feito o tratamento”, explica a médica.

SINTOMAS

Nem todos os pacientes apresentam sintomas desde a infância, motivo pelo qual muitos ficavam sabendo somente mais velhos que tinham a doença, antes da disponibilização do exame para os recém-nascidos. “A fibrose cística pode afetar múltiplos órgãos. No caso do aparelho respiratório o paciente poderá apresentar tosse, chiado, falta de ar, sinusite, politose nasal e infecções de repetição, como pneumonias. “As pneumonias podem causar dano pulmonar grave, com destruição irreversível e declínio da capacidade pulmonar, o que pode levar à insuficiência cardíaca”, explica ela.

Já para quem tem o sistema digestivo afetado os sintomas podem ser diarreia, fezes gordurosas, má absorção intestinal e insuficiência pancreática, causando diabetes e outros problemas no fígado e no pâncreas. As mulheres podem ter a fertilidade diminuída e o homem, infertilidade. Segundo a médica, cada paciente terá um sintoma diferente, por isso o tratamento é individualizado.

DESCENDÊNCIA EUROPEIA

A fibrose cística não é contagiosa e não tem cura, acomete principalmente a população com descendência europeia e o indivíduo precisa de tratamento diário. “Nos centros de tratamento há equipes multidisciplinares com pediatras, pneumologista, nutricionista, fisioterapeuta, psicólogo, educador físico e assistente social. Eles fazem com que haja maior aderência ao tratamento, graças ao vínculo médico-paciente. O tratamento visa sobretudo a qualidade de vida, já que a expectativa é de 35 a 45 anos”, explica.

Alguns pacientes podem ter indicação de transplante, mas a médica diz que esse é um último recurso, indicado para pacientes que dependem de oxigênio, já que além da doença ainda é preciso lidar com o risco de rejeição.

Chamado de Setembro Roxo, o mês foi escolhido para campanhas de conscientização sobre a doença em todo o país. "A divulgação ajuda que os pacientes tenham acesso ao diagnóstico, ao tratamento e maior qualidade de vida”, explica Kuhn.

Associação paranaense

tem 420 pacientes cadastrados

Pacientes com fibrose cística e seus familiares contam com o apoio da Abram (Associação Brasileira de Assistência a Mucoviscidose) para conseguirem os medicamentos e enzimas necessários para o tratamento, de forma gratuita. Sérgio Sampaio, presidente da entidade nacional e também responsável pela regional do Paraná, explica que assim que o diagnóstico é confirmado há o encaminhamento para a associação, que irá providenciar toda a assistência.

Hoje são 420 pacientes cadastrados na Associação Paranaense, sendo que 17 estão em Londrina. Para o tratamento eles precisam se deslocar até Curitiba para atendimento no Hospital Pequeno Príncipe ou no Hospital Universitário de Curitiba.

“O Paraná também é um dos primeiros estados a oferecer gratuitamente todos os medicamentos e enzimas necessárias para o tratamento. A associação é a responsável pela guarda, controle e dispensação dos medicamentos, além de alertar o paciente sobre como usar”, explica ele.

Pai de dois jovens, sendo o mais novo com fibrose cística, ele conhece bem a rotina de cuidados necessários e também viveu as dificuldades de um diagnóstico tardio. “Com 31 anos meu filho tem uma vida normal, fala dois idiomas, trabalha, é casado, mas não foi sempre assim. O diagnóstico demorou, os médicos confundiam com outras doenças e só soubemos da fibrose cística quando ele estava com oito meses. O médico disse para cuidarmos bem do nosso filho mais velho, que o caçula não passaria de um ano”, conta.

Naquela época a doença era bem menos conhecida e confundida com asma, bronquite e intolerância ao leite, por exemplo. O teste do pezinho só foi implementado em 2001, a partir de pesquisas do geneticista paranaense Salmo Raskin. Para o sucesso do tratamento, é fundamental que o tratamento seja feito de forma precoce. Sampaio conta que seu filho, quando diagnosticado, pesava apenas quatro quilos, já que sofria com diarreias e por isso não ganhava peso.

“O tratamento é caro, ficando entre R$ 25 mil e R$ 35 mil por mês, incluindo remédios e suplementos. O objetivo da Abram é pressionar os políticos para fornecer o tratamento”, aponta.

Imagem ilustrativa da imagem Fibrose cística exige rotina de cuidados e tratamento multidisciplinar
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