A canção “Pontes Indestrutíveis”, do grupo Charlie Brown Jr., tem um trecho que diz: “Procurando novo rumo que faça sentido nesse mundo louco com o coração partido.” Embora a música tenha sido composta muitos anos atrás, o “mundo louco” da vez é este, da pandemia provocada pela Covid-19, que tem provocado muitos “corações partidos”. O panorama imprevisível da doença faz com que várias pessoas sofram descarga de substâncias ligadas ao estresse e liberadas no coração. Elas causam agressão das células cardíacas e consequentemente ocorre a dilatação do coração. O perfil da doença no país ainda é permeado pelo desconhecido. Em face do cenário atual, a SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia) está realizando um estudo inédito sobre a síndrome do coração partido, como é chamada a síndrome de Takotsubo.

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O presidente do Departamento de Insuficiência Cardíaca e coordenador da Universidade do Coração da SBC, Evandro Tinoco Mesquita, explica que o levantamento vai criar um registro nacional sobre a doença e visa conhecer o perfil epidemiológico da síndrome no país para melhorar o diagnóstico, bem como proporcionar tratamentos mais eficazes e políticas públicas de prevenção. De acordo com ele, existem 32 centros que atendem a pacientes com problemas cardíacos em todo o Brasil cadastrados na plataforma de banco de dados organizado pela SBC. A estimativa é que, ao fim do registro, os dados representem um dos maiores arquivos mundiais sobre a síndrome feito por um único país.

Os resultados preliminares desse registro nacional serão apresentados durante o Congresso Brasileiro de Cardiologia, em novembro, em Brasília. A radiografia completa da síndrome tem previsão de conclusão em 2021. Serão levantados dados dos pacientes não só na fase aguda, mas como eles se comportam depois, para ver se há recorrência.

UM ANO

“Iremos acompanhar os pacientes por um ano. Mas para o congresso o esforço é para que tenhamos cinco ou seis meses de dados para comparar com os do ano anterior e avaliar quanto a pandemia impactou na saúde cardiovascular. A ideia é ter minimamente mais de 400 casos, mas a gente não sabe se alcançará esses números nesse ambiente pandêmico. Ao mesmo tempo a gente pode se surpreender com um bom número de casos”, observa o coordenador.

Mesquita reforça que esse estudo pode ajudar muito a enxergar o quanto a síndrome é fatal em diferentes lugares no Brasil. “Servirá também para ter a troca de boas práticas no tratamento e para ver a qualidade do cuidado nesses diferentes lugares. O segundo aspecto é conhecer as características dos gatilhos psicossociais e econômicos; aspectos culturais; e características regionais de sexo e idade desses casos”, detalha. “É uma oportunidade de conhecermos o regionalismo do Brasil que ficou escancarado na pandemia. Conhecer essas características das pessoas nessas condições é importante para avaliar os fatores de risco.”

Tinoco destaca a importância de a pesquisa abranger esse período de pandemia, já que serão acompanhados pacientes que tiveram a síndrome antes, durante e depois da pandemia, e que foram ou não acometidos de Covid-19.

RIO

Segundo o especialista, o único levantamento disponível no Brasil sobre a doença é um estudo regional com 169 pacientes internados ou que desenvolveram essa condição durante a internação, entre outubro de 2010 e o mesmo período de 2017, em 12 hospitais do estado do Rio de Janeiro, que será publicado no próximo mês nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia da SBC. A análise trouxe que a média dos pacientes acometidos pela síndrome tinha 71 anos, era em sua maioria mulheres (90,5%), com prevalência de dor torácica (63,3%) e histórico de estresse emocional considerável, registrado aproximadamente em 40% dos casos.

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ESTUDO NORTE-AMERICANO

Médicos da Cleveland Clinic, em Ohio (EUA), descobriram um aumento da incidência de Takotsubo durante a pandemia de Covid-19. Em dois hospitais do sistema de saúde americano, os diagnósticos de cardiomiopatia por estresse aumentaram durante março e abril e a doença foi diagnosticada em 7,8% dos pacientes que chegaram ao pronto-socorro com dor no peito e outros possíveis sintomas cardíacos. Isso foi quatro a cinco vezes maior do que as taxas observadas nos períodos pré-pandêmicos, que oscilavam entre 1,5% e 1,8%, segundo o estudo publicado em julho na revista médica JAMA Network Open.

Foram analisados 1.914 pacientes por cinco períodos distintos ao longo dos dois meses, incluindo uma amostra de mais de 250 pacientes hospitalizados durante o pico inicial da pandemia. A média de idade da incidência da síndrome foi de 67 anos, majoritariamente em homens, contrariando os dados estatísticos que dizem que o maior acometimento da doença é em mulheres no período pós-menopausa. O curioso é que, embora a Covid-19 possa levar a complicações cardíacas, nenhum dos pacientes diagnosticados com Takotsubo descrita no artigo americano apresentou resultado positivo para a infecção.

“A pandemia por Covid-19 por si só gera grande estresse emocional, como acontece também em situação de guerra. A emergência em saúde devido ao novo coronavírus pode estar aumentando o número de infartos, de crises hipertensivas, de pessoas obesas, com ansiedade e depressão, em função de todo o contexto da pandemia, que causa falta de perspectivas e mudança de hábitos. Tudo isso leva a uma condição final de extremo estresse, que é gatilho para o desenvolvimento da síndrome de Takotsubo em indivíduos que têm predisposição genética”, explica o cardiologista Marcelo Westerlund Montera, coordenador do registro nacional da doença da SBC.

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"É possível que os dados no Brasil sejam semelhantes, mas a questão mais importante é que o nosso papel na sociedade é gerar conhecimento e obviamente chamar a atenção dessa condição da população para não ter medo de ir aos hospitais, principalmente durante a pandemia", aponta Evandro Tinoco Mesquita, da SBC. "Muitas vezes a mulher pode ter dor no peito e falta de ar e com medo de pegar coronavirus deixa de ir ao hospital. Esse estresse emocional, não só o físico, pode causar agressão ao coração e pode gerar risco de morrer", alertou.