Na última terça-feira (1º) a estudante de enfermagem, Giovanna Martins, 20, de Londrina, tuitou para seus amigos que havia quebrado um dente. “Foi um dente superior que, em decorrência do estresse, eu ficava apertando”, explicou. Ela revelou que tem se sentido assim por insegurança e preocupação em relação ao emprego. “Perdi o meu e até agora não consegui outra oportunidade”, lamentou, dizendo que também sente falta de sair e tirar um tempo para o lazer.

PS da Clínica Odontológica da UEL
PS da Clínica Odontológica da UEL | Foto: Roberto Custódio

Embora não exista um levantamento consolidado, durante a quarentena ou isolamento provocada pela Covid-19 tem se observado um aumento evidente de casos de dentes quebrados. A principal hipótese é a de que o estresse e as diferentes emoções que vêm a tona neste momento de crise social, econômica e psicológica provoquem problemas bucais.

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O diretor geral da COU (Clínica Odontológica da Universidade Estadual de Londrina), Helion Lino Júnior, confirma que durante este período de pandemia o pronto-socorro da clínica tem atendido muitos casos de fraturas de dente, hemorragia e trauma. “E eles não ocorrem somente pelas cáries, mas quebram naturalmente por diversos problemas.” Um deles é por bruxismo (ranger ou apertar dos dentes), já que a pessoa fica tensa e decorrência dos problemas da pandemia, como a situação financeira. “As emergências acontecem todos os dias. Aqui funciona como um hospital odontológico e os casos aqui vão além do bruxismo”, observou.

Outro motivo é o estresse porque a pessoa começa a conviver mais com os familiares, o que não estava acostumado. Ele apontou também que todos ficam mais expostos a um nível de expectativa maior. “As pessoas querem voltar a produzir, querem ficar na rua e respirar, mas estão limitadas. Todas estão habituadas a se expressar, a se abraçar, a darem beijos e não podem fazer isso. Elas estão automaticamente mais reprimidas e a cada pessoa se expressa de uma forma. Há aquelas pessoas mais intimistas e há as mais expansivas, que demonstram tudo com risadas e choros”, detalhou.

APERTAMENTO

Giuseppe Romito, professor titular de periodontia na Faculdade de Odontologia da USP, explica que uma das formas de questões psicológicas se manifestarem em nosso corpo é com o apertamento dos dentes. "Se o dente está fraco, a sobrecarga o quebra. Se o dente estiver forte, ele pode não quebrar, nem desgastar, mas vai mudar de posição, começar a ter movimentação dentária. O terceiro [caso mais comum], quando o dente é forte e a raiz aguenta [a movimentação], vai estourar na articulação", explica.

Sob condições normais, a musculatura da mandíbula é ativada apenas para falar e se alimentar, permanecendo em repouso nos outros momentos, com os dentes desencostados. O estresse pode fazer com que, inconscientemente, apertemos os dentes durante o dia e a noite -ou provocar o ranger de dentes durante o sono, conhecido como bruxismo.

"Em momentos como este, a pessoa nem se dá conta que está realizando esse estresse no dente e acaba levando à fratura, pelo limite de resistência mecânica", explica a doutora em materiais dentários pela USP e especialista em próteses e disfunções têmporo-mandibulares Ana Romito.

Em geral, o dente quebrado é o primeiro efeito dessa tensão muscular. Se o osso resistir ao estresse, explicam os especialistas, sua raiz pode ficar sobrecarregada, e o dente ficar mole ou se movimentar.

ANSIEDADE E SOLIDÃO

Para a professora Marinella Holzhausen Caldeira, da Disciplina de Periodontia do Departamento de Estomatologia Faculdade de Odontologia da USP (Universidade de São Paulo), a pandemia de Covid-19 pode ser estressante para a maioria das pessoas, causando fortes emoções como medo, ansiedade e solidão. “Sabe-se que o estresse pode contribuir de diversas maneiras no desenvolvimento de doenças bucais. O estresse pode motivar os indivíduos a negligenciar adequados padrões de alimentação e higiene oral. Ainda, pode aumentar a produção e liberação do hormônio cortisol, o qual pode levar à diminuição da produção de saliva e da capacidade de proteção contra infecções. Portanto, o estresse pode contribuir com a incidência de disfunções nas articulações temporomandibulares, bruxismo, cáries, doenças periodontais, perdas dentárias e de lesões por herpes simples.

O diretor geral da clínica da UEL observa ainda que os casos cronificados se agudizaram. "Por vezes a pessoa que está em tratamento na clínica odontológica pode ter complicações em alguns dentes no meio do caminho. Por uma impossibilidade de fazer atendimento eletivo, o caso dele começa a agudizar e ele vai buscar o pronto-socorro para resolver o problema de dor dele", exemplificou. "Ele pode estar com uma dor de canal, uma dentadura que está pegando na gengiva, ou está com uma restauração que quebrou. Muitos casos crônicos no pronto socorro culminam com o dente sendo extraído", observou.

UM POR VEZ

Lino Júnior explica que PS da COU tem atendido 40 pessoas ao dia e esse número só não é maior, porque é preciso obedecer os protocolos de biossegurança para evitar a introdução e a disseminação do novo coronavírus naquele ambiente. “Nós temos capacidade para atender seis pacientes ao mesmo tempo, mas por questão da disseminação do vírus no ambiente do dentista, só atendemos um por vez. Isso por causa do aerossol gerado pela caneta de alta rotação. Quando a água sai, gera um spray de água e ar, e fica uma nebulosidade terrível. Por isso a norma é atender individualmente os pacientes com alta paramentação de equipamentos de proteção”, apontou. (Com Folhapress)