Aposto que você já assoprou um dente-de-leão ou viu em algum quintal ou calçada um pé de taioba ou ora-pro-nóbis, mas você sabia que essas plantas são comestíveis e podem substituir carnes e legumes em diversas preparações? São as chamadas pancs (plantas alimentícias não convencionais), que podem fazer parte das refeições do dia a dia.

Fugindo dos legumes e verduras tradicionais, como batata, cenoura e alface, as pancs são plantas que podem ser consumidas, mas que passam despercebidas para a maioria das pessoas. Tatiana Bittencourt Moraes ressalta que as pancs são acessíveis em quantidade e qualidade e têm muitos nutrientes, além de serem produzidas de forma local.

Moraes, proprietária do Café com Propósito, em Londrina, reforça que ter uma alimentação saudável é mais simples do que todo mundo imagina e começa com “desembalar menos e descascar mais”. Destacando a variedade enorme das plantas alimentícias não convencionais, ela cita como exemplo o dente-de-leão, cujas flores e folhas são comestíveis, e a ora-pro-nóbis, que muitas pessoas utilizam como cerca viva em muros de casas, mas que pode ser utilizada em sucos, bolos, refogados e até como corante.

Moraes ressalta que, apesar de as plantas serem comestíveis, algumas não podem ser consumidas cruas, por isso é essencial se informar antes de colocar na boca. Além disso, também é importante tomar cuidado com as plantas da rua, já que animais podem fazer xixi ou cocô, então o ideal é fazer o cultivo em casa.

Imagem ilustrativa da imagem Do quintal para a mesa: panc é opção saudável e barata
| Foto: Jéssica Sabbadini

CORAÇÃO DE BANANEIRA

Moraes e sua equipe conduziram uma oficina recentemente, durante a 21ª Semana Nacional de Museus, justamente sobre o uso das pancs. Larissa Oliveira, cozinheira do Café, deu algumas sugestões de como utilizar as plantas em receitas que podem ser feitas no dia a dia.

Como prato salgado, o escolhido foi um curry de coração de bananeira. Aquela parte roxa que fica no cacho, junto com as bananas, é comestível e tem textura semelhante ao palmito. Mas atenção: é necessário seguir alguns passos para garantir sabor ao alimento. Oliveira explica que o coração da bananeira tem um gosto mais amargo, então quanto mais jovem for o pé, menos amargo ele vai ser.

Partindo para a prática, primeiro é necessário descascar o coração até que comece a aparecer o miolo (parte branca e mais mole), que é o que vai ser utilizado no curry. Depois de picar em rodelas, o ideal é deixar de molho por uns 30 minutos com uma colher de bicarbonato de sódio ou um limão espremido, que também ajudam a tirar o amargor. Para os mais apressados, o processo pode ser feito no fogo, mas quando começar a ferver já é hora de desligar.

Na sequência, é só refogar com cebola, pasta de curry e leite de coco e finalizar com azeite e amendoim. Além do curry, o coração da bananeira também pode ser utilizado como ingrediente principal do strogonoff ou em recheios de tortas e salgados.

GELEIA DE PÉTALAS DE ROSA

Como sobremesa, a cozinheira trouxe uma geleia de pétalas de rosa com framboesa, que foi utilizada para finalizar uma cheesecake vegana. Larissa Oliveira ressalta que, como as pancs não têm frutos, para não causar estranheza no paladar, a dica é misturar as folhas ou flores junto com uma outra fruta, como morango, abacaxi, manga e o que mais a criatividade permitir. Essa geleia, por exemplo, pode ser usada em bolos, mousses e sorvetes.

Imagem ilustrativa da imagem Do quintal para a mesa: panc é opção saudável e barata
| Foto: Jéssica Sabbadini

OUTRAS POSSIBILIDADES

Oliveira também deu algumas dicas de como utilizar algumas plantas alimentícias não convencionais mais comuns. A primeira é a taioba, que não pode ser consumida crua. Segundo a cozinha, é necessário escaldar em água quente as folhas para tirar as toxinas. Depois, por ter aparência e gosto parecido com o espinafre e a couve, pode substituir essas hortaliças em preparos.

A flor, folhas e sementes da capuchinha podem ser consumidas cruas, tanto como decoração quanto em saladas, patês e maioneses. As folhas do peixinho, que leva esse nome por conta do gosto que lembra peixe, podem ser empanadas e fritas como uma sardinha.

Uma das mais versáteis, a ora-pro-nobis é muito proteica e pode ser utilizada em hambúrgueres, sucos, recheios de esfihas e tortas ou, após um processo de secagem, vira uma farinha para receitas doces.

VALORIZAÇÃO CULTURAL E HISTÓRICA

“As Plantas Alimentícias Não Convencionais são aquelas que não são corriqueiras, não têm cadeia produtiva estabelecida, não estão no supermercado de primeiro de janeiro a 31 de dezembro como as convencionais”, explica Nuno Madeira, pesquisador da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).

Também são consideradas não convencionais algumas partes de plantas tradicionais, como o umbigo da banana, a medula do mamão, a semente da abóbora, a folha de batata doce e a folha e a flor da abóbora.

O especialista acrescenta que o resgate do uso desse tipo de planta é importante devido ao grande valor nutricional e para a valorização cultural e histórica do país. A Embrapa estima que o Brasil tenha pelo menos 50 espécies de pancs, entre nativas, exóticas ou naturalizadas.

“As naturalizadas foram trazidas ou pelos escravizados ou pelos colonos europeus e asiáticos e se inseriram no nosso bioma. A gente até acha que a vinagreira é maranhense, mas é africana, que o inhame do Espírito Santo é capixaba, mas ele é asiático”.

CARNE VEGETAL

Talvez a mais famosa entre as pancs seja a ora-pro-nóbis. Por ter folhas ricas em proteínas e sais minerais, a ora-pro-nóbis ficou conhecida como “carne vegetal”, sendo uma opção para a dieta vegetariana e vegana.

“Ora-pro-nóbis é uma planta arbustiva e nativa da América tropical. É uma cactácea vigorosa que possui folhas verdadeiras e com isso ela consegue fornecer essa folha agradável e nutritiva para o nosso consumo. A folha tem 30% de proteínas e lembra um pouco o quiabo”, disse Geovani Bernardo Amaro, pesquisador da Embrapa.

Já da flor da vinagreira é feito o famoso chá de hibisco, recomendado para problemas digestivos e para combater a obesidade. E as folhas amargas da vinagreira são usadas na receita do típico arroz de cuxá maranhense.

Outra panc histórica é a araruta, um tipo de raiz que não contém glúten na composição química. Antigamente, ela era desidratada e de sua farinha podia se fazer papinhas ou mingaus.

E tem outras espécies, como a folha da taioba, que é parecida com a couve e pode ser refogada. No entanto, como ela contém um alto teor de ácido oxálico, o que pode causar sensação de aperto na boca dependendo da forma como for colhida e preparada. (Com Ministério da Agricultura e Abastecimento)