Como funciona o medicamento para Alzheimer aprovado pela Anvisa
O donanemabe retarda a progressão da doença; geriatra de Londrina explica sobre o público-alvo do remédio, que deve chegar ao Brasil neste ano
PUBLICAÇÃO
segunda-feira, 28 de abril de 2025
O donanemabe retarda a progressão da doença; geriatra de Londrina explica sobre o público-alvo do remédio, que deve chegar ao Brasil neste ano
Heloísa Gonçalves

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou, na terça-feira (22), o remédio Kisunla, o primeiro indicado para tratar comprometimento cognitivo leve e demência leve associados ao Alzheimer na fase inicial.
Desenvolvido pela farmacêutica Eli Lilly, o princípio ativo donanemabe retarda a progressão da doença, atuando sobre uma das prováveis causas da perda cognitiva. “Ele é um anticorpo monoclonal que se liga à proteína beta-amiloide que está acumulada no cérebro dos pacientes com Alzheimer, fazendo com que seja eliminada”, explicou Lindsey Nakakogue, médica geriatra em Londrina e diretora científica da Febraz (Federação Brasileira das Associações de Alzheimer).
A regularização garantida pela Anvisa, publicada no Diário Oficial da União, se baseou no estudo clínico internacional TRAILBLAZER-ALZ 2, que contou com 1.736 participantes de oito países diferentes. Os pacientes estavam todos no primeiro estágio da doença, permeado por alterações na memória, personalidade e nas habilidades espaciais e visuais.
O ensaio mostrou que os 860 participantes tratados com donanemabe apresentaram menor declínio cognitivo e funcional em comparação aos 876 do grupo placebo, que receberam infusões intravenosas simuladas. A medicação já é utilizada nos Estados Unidos, e sabe-se que “atrasa a progressão da doença para o estágio moderado, mantendo a autonomia do paciente por mais tempo, e os efeitos colaterais geralmente são reversíveis e podem ser prevenidos”, pontuou Nakakogue.
As reações mencionadas pela geriatra são relacionadas à infusão, como alergias locais ou sistêmicas e dor de cabeça. “Por isso a importância do acompanhamento médico especializado, estamos aguardando dados de estudos a longo prazo”.

TRATAMENTO
A aplicação do remédio é feita diretamente na veia, em doses mensais por até 18 meses. O tratamento pode ser suspenso antes do prazo, caso o cérebro do paciente atinja níveis mínimos da proteína beta-amiloide.
A CMED (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos) deve ter 90 dias para precificar o Kisunla, informou a médica. Disse ainda que a disponibilidade no Brasil ocorrerá ainda este ano. “Após a precificação, vai ficar a cargo do Ministério da Saúde e da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde) decidir pela inclusão ou não no SUS”.
Junto do recorrente avanço em pesquisas, o remédio representa uma “esperança de que novos medicamentos surjam para fases mais avançadas do Alzheimer, e quem sabe, a estabilização completa da doença”, espera Nakakogue.
Elaine Mateus, presidente da Febraz, tem a expectativa de que “muitas oportunidades novas se abram na área das demências com a aprovação dessa medicação. Tem um caminho ainda para ser percorrido, mas estamos celebrando muito essa conquista.”
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CONTRAINDICAÇÕES
O remédio tem indicação restrita a pacientes na fase inicial do Alzheimer que não utilizem anticoagulantes (como varfarina) ou tenham diagnóstico de AAC (angiopatia amiloide cerebral).
Também não pode ser utilizado por quem possui duas cópias do gene da Apolipoproteína E4, associado ao risco de desenvolver a doença, por apresentarem maior incidência de efeitos adversos. É possível não ter cópia alguma (não portadores), ter uma (heterozigotos) ou duas (homozigotos), com melhores resultados e menor possibilidade de reação para os dois primeiros grupos.
A triagem médica reduz o risco de ARIA (anormalidades de imagem relacionadas ao amiloide), que se manifesta como edema ou sangramento cerebral e supera os possíveis benefícios do medicamento. Por isso, a realização de exames e avaliação especializada é essencial antes do início da intervenção.
A Anvisa publicou que irá monitorar a segurança e efetividade do donanemabe sob rigorosa análise, implementando atividades conforme o Plano de Minimização de Riscos aprovado.

BUSCA DO DIAGNÓSTICO PRECOCE
Diogo Haddad, neurologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e professor da Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo, destaca que o medicamento também pode ter um impacto positivo na busca por diagnósticos cada vez mais precoces. Drogas antiamilóides, como o Kisunla, são indicadas para pacientes com comprometimento cognitivo leve ou Alzheimer em estágios iniciais.
Por isso, o especialista prevê que médicos e pacientes devem se interessar, a partir de agora e cada vez mais, pela busca do diagnóstico precoce. Assim, a população pode passar a prestar mais atenção aos sinais iniciais da doença.
"O medicamento joga uma nova luz sobre o que especialistas já afirmam há muito tempo: é preciso se importar com queixas cognitivas de pacientes idosos. É hora de deixar de lado aquela história de que esquecimento é normal", declara o especialista.
ACESSIBILIDADE
A acessibilidade deve ser uma barreira para a difusão do medicamento entre a população brasileira. Não só os exames necessários para traçar o quadro clínico do paciente com precisão são caros, como o próprio remédio também deverá ser. Atualmente, nos Estados Unidos, o custo anual do tratamento é de quase 32 mil dólares, mais de R$ 150 mil.
Eduardo Zimmer, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e apoiado pelo Instituto Serrapilheira, lembra da experiência nacional com a memantina, último fármaco aprovado pela Anvisa para o tratamento do Alzheimer, em 2011.
Mesmo com custo significativamente mais baixo e menor demanda por exames de monitoramento, foram necessários seis anos até sua incorporação ao SUS. "Os próximos anos serão decisivos para compreendermos o real impacto do donanemabe no Brasil", afirma o professor.
A DOENÇA
O Ministério da Saúde define a doença de Alzheimer como um transtorno neurodegenerativo progressivo e fatal que se manifesta pela deterioração cognitiva e da memória, comprometimento progressivo das atividades de vida diária e uma variedade de sintomas neuropsiquiátricos e de alterações comportamentais.
A doença se instala quando o processamento de certas proteínas do sistema nervoso central começa a dar errado. Surgem, então, fragmentos de proteínas mal cortadas, tóxicas, dentro dos neurônios e nos espaços que existem entre eles.
Como consequência dessa toxicidade, ocorre perda progressiva de neurônios em regiões do cérebro como o hipocampo, que controla a memória, e o córtex cerebral, essencial para a linguagem e o raciocínio, memória, reconhecimento de estímulos sensoriais e pensamento abstrato.
“A causa ainda é desconhecida, mas acredita-se que seja geneticamente determinada. A doença de Alzheimer é a forma mais comum de demência neurodegenerativa em pessoas de idade, sendo responsável por mais da metade dos casos de demência nessa população”, detalha o ministério.
(Com Acácio Moraes/Folhapress e Paula Laboissière/Agência Brasil)