Problemas no desenvolvimento global, mas principalmente na fala e na comunicação de crianças, têm sido notados com mais frequência por pais e especialistas desde o início da pandemia de coronavírus. Isso porque o isolamento social fez com que crianças não tivessem a oportunidade de interagir com coleguinhas na escola e estão fora do convívio com alguns familiares e amigos.

A professora Keila Alves observou que o filho Tiago, de um ano e meio, estava com atraso no desenvolvimento da fala. Segundo ela, no durante vários meses da pandemia, ele não pôde ir à escola e socializava somente com seu irmão mais velho, de dez anos, e com alguns adultos. Ela relatou que gerou uma grande angústia não ter como ajudar o filho da melhor maneira, já que no início não conseguia levar às consultas de fonoaudiologia.

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| Foto: Arquivo Pessoal - Keila Alves

Há cerca de quatro meses, o pequeno voltou para as aulas presenciais. Além disso, a professora reajustou a rotina para que ela e o marido pudessem estimular o filho e diminuir o tempo dele na frente das telas - o que era prejudicial também ao desenvolvimento da fala. Alves relatou que a interação com o filho mais velho também é fundamental para desenvolvimento do mais novo.

A fonoaudióloga Pedra Aparecida Soares, que trabalha com crianças há mais de 20 anos, confirma que o transtorno do desenvolvimento da fala foi intensificado durante esse período. O Transtorno do Desenvolvimento da Linguagem é a dificuldade que uma criança manifesta, de forma persistente, para adquirir e/ou desenvolver sua fala e a linguagem e que não seja causada por lesões cerebrais, síndromes ou perdas auditivas.

As causas do transtorno do desenvolvimento da linguagem são diversas. Especialistas de Londrina ouvidos pela reportagem destacaram pontos importantes para a formação dos pequenos, não somente na questão da comunicação.

CRIANÇA PRECISA ESTAR COM CRIANÇA

Segundo a psicóloga Raila Sabrina dos Santos, especialista em psicologia escolar, “criança precisa estar com criança”. Ela detalha que as crianças não têm a capacidade de entender o mundo como um adulto, por isso a troca de informações e ludicidade com outros meninos e meninas é importante para sua formação.

“Crianças imitam outras crianças e vão aprendendo com esse convívio e com essa interação”, destaca a pedagoga especialista em psicopedagogia e neurociência pela, Fernanda Passarelli.

O contato somente com adultos, reforça Santos, pode levar uma “adultificação”, quando a criança age como se fosse muito mais velha do que realmente é, ou seu oposto, a infantilização da criança. A psicóloga alerta que essas crianças podem ter dificuldades de socialização quando voltarem para a escola.

ENSINO REMOTO

De acordo com Passarelli, a escola é um lugar onde crianças podem interagir com seus pares e serem mais estimuladas do que em casa, com o ensino remoto. A pedagoga ainda explica que nosso cérebro tem dificuldade de se manter conectado durante muito tempo, especialmente com a quantidade de distrações que estão na internet. “Além de ser comprovado pela neurociência que crianças até os 10 anos precisam do outro para manter o foco”, afirma.

Passarelli reforça que as crianças precisam do ensino presencial, por isso a melhor solução é o retorno das aulas presenciais, respeitando as regras sanitárias e não colocando as vidas em risco, mas que também não defase ainda mais a aprendizagem.

PRESENÇA FAMILIAR

Muitos pais e/ou tutores não têm o hábito ou o tempo de estimular a leitura, a fala e o desenvolvimento cognitivo de seus filhos e a pandemia agravou isso. A rotina dos adultos mudou, a saúde psicológica/mental foi afetada com a chegada da Covid-19 e isso foi passado as crianças, que começaram a ficar mais tempo na frente de telas e menos com livros e brinquedos educativos. “Estimular dando proteção, conversando, oferecendo momento prazerosos em família, a criança precisa de presença” reforça Passarelli.

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| Foto: iStock

ESTÍMULO VISUAL

A fonoaudióloga Petra Soares explica que o uso de máscara pode ser um problema na hora do desenvolvimento da fala, já que crianças precisam ver os lábios, as articulações e expressões faciais para aprender como fazer, imitar é uma das formas que elas aprendem.

ATENÇÃO EM CADA FASE

Em cada idade da criança é preciso prestar atenção em determinados pontos. A fonoaudióloga Pedra Soares esclarece que com um ano e meio a criança já precisar falar "palavras frase", que é uma palavra que equivale a uma frase, por exemplo pedir água ou mama.

Com dois anos a criança já deve estar interagindo com o adulto e manifestando suas vontades. E aos quatro anos ela tem que estar com uma fala próxima a do adulto.

A psicóloga Raila do Santos alerta que se a criança com dois anos acena ou aponta e não tenta se esforçar para falar o que quer os pais devem se preocupar.

Para a pedagoga Fernanda Passarelli deve-se ficar atento à dificuldade de expressar o que está sentindo ou compreender comandos e quando a criança fala coisas que não estão de acordo com o contexto. “Atenção quando falam: cada criança tem seu tempo. Mesmo que cada uma tenha seu tempo para algumas coisas, a fala e o andar são coisas que a gente deve ficar em alerta”, reforça.

DESDE A AMAMENTAÇÃO

O cuidado deve ser tomado desde a amamentação. A mãe deve conversar com o bebê e gesticular bem com a boca e variar os lados da amamentação, pois assim cada vez que troca a posição estimula um lado do cérebro, instrui a fonoaudióloga Pedra Soares Soares.

Ela também recomenda que o adulto fale com a criança olhando no olho, na altura dela e realmente dando atenção. Explicar os nomes e para que servem os objetos que a criança está tocando para que ela crie um vocabulário maior e fazer mimica facial na hora de pronunciar são formas de ajudar a criança.

Importante não falar errado e de maneira infantilizada com a criança, mas com um vocabulário que ela entenda. Contudo, mesmo que a criança esteja falando de modo errado é preciso prestar atenção nela e não tentar completar a frase ou fazer o que ela pediu antes dela terminar a frase. Deixe tentá-la se expressar sozinha.

Passarelli recomenda conversa entre os familiares para reorganizar suas rotinas, assim todos podem executar seus afazeres e têm tempo de qualidade com os pequenos. Desta maneira não precisarão ofertar tecnologia a todo momento, e poderão trocá-la por atividades mais estimulantes.

A psicóloga Raila Sabrina dos Santos adverte: “criança é esponja e é espelho. Então ela absorve tudo que está em volta e reflete tudo que ela está vivendo”. Ou seja, os cuidadores precisam estar dispostos a mudar para que a criança melhore.

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| Foto: iStock

AJUDA PROFISSIONAL

Quando os pais ou responsáveis percebem sinais de qua há algo errado no desenvolvimento da criança, a pedagoga Fernanda Passarelli diz que o primeiro passo é conversar com a escola e ver se eles identificam o problema também.

As três especialistas ressaltam ainda que é preciso procurar o mais rápido possível o profissional que esteja apto a avaliar e explicar aos pais sobre o tratamento. “O que não dá para fazer de jeito nenhum é ignorar”, afirma Santos.

SUPERVISÃO - Patrícia Maria Alves - editora

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