O município de Londrina registrou, ao longo de todo o ano passado, apenas 12 casos de hanseníase, doença de caráter infeccioso-crônico cujos sintomas clássicos são o aparecimento de manchas na pele e a alteração da sensibilidade no local. A detecção de um número tão pequeno, no entanto, evidencia a falta de atenção com a doença, que ainda é estigmatizada e pode causar lesões neurais e danos irreversíveis quando identificada tardiamente. É o que avalia a docente do Departamento de Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UEL (Universidade Estadual de Londrina), Flávia Meneguetti Pieri.

Coordenadora do Gapi (Grupo de Atuação e Pesquisa em Infectologia) da UEL, a pesquisadora e enfermeira lembra que Londrina registrou média anual de 200 casos da doença até 2012. No entanto, o número caiu com o passar da década, chegando a 28 (2020), 26 (2021) e 12 no ano passado. Dentre os fatores que explicam o fenômeno, aponta a professora, estão o processo de reorganização do sistema de saúde e, mais recentemente, as novas demandas trazidas com a pandemia da Covid-19, além de doenças como a tuberculose e a dengue.

“Todos os profissionais da saúde das UBS (unidades básicas de saúde) são capacitados para identificar um caso minimamente suspeito e fazer a notificação. Mas, observamos que a partir da descentralização do sistema de saúde e, mesmo havendo todo o conhecimento, não há mais um olhar para essa doença. Talvez a falta de planejamento, de acompanhamento de entrada e saída de servidores que se aposentam. Acreditamos que também possa ser um viés que colabora para a redução das notificações”, explica a professora.

Para aumentar as chances de identificação da hanseníase em moradores da Região Metropolitana de Londrina (RML), o Gapi vem realizando capacitações com equipes da atenção básica em Saúde. No ano passado, 206 dos 270 Agentes Comunitários de Saúde da secretaria municipal de Saúde de Londrina participaram desta atividade. Para este ano, o objetivo é levar os conhecimentos para os profissionais que atuam nos municípios da 17ª Regional de Saúde, atualmente focados no combate à epidemia de dengue. “Queremos levar para os 21 municípios da 17ª Regional com outros 470 agentes, sendo 70 de Londrina, totalizando 676”, conta.

NO BRASIL

Em 2019, o Brasil registrou 28,8 mil casos de hanseníase, número que representou uma estabilidade em comparação com 2018 e 2017. No entanto, com as atenções voltadas à pandemia da Covid-19 e às medidas restritivas em 2020, o total de diagnósticos de hanseníase foi bem menor, 18 mil, acendendo um alerta dos especialistas para o fenômeno da subnotificação da doença.

Mesmo assim, os números colocam o Brasil em primeiro lugar no ranking de países com maior incidência de hanseníase e em segundo quando considerado o total de casos, atrás apenas da Índia.

Professora Flávia Meneguetti Pieri
Professora Flávia Meneguetti Pieri | Foto: Divulgação - Agência UEL

PRECONCEITO E AFASTAMENTO SOCIAL

Considerada na antiguidade como uma maldição ou castigo divino, a doença era chamada de “lepra”. Ganhou uma nova denominação em função das descobertas feitas pelo médico norueguês Gerhard Armauer Hansen (1841-1912). Como não havia cura, aqueles que apresentavam as manchas acabavam sendo isolados do convívio social e, com o passar dos anos, os chamados leprosários foram sendo institucionalizados. No Paraná, o Leprosário São Roque foi o primeiro deles, instituído em 1926, em Piraquara, Região Metropolitana de Curitiba.

Em 29 de março de 1995, por meio da Lei nº 9.010, o termo “Lepra” e seus derivados foram extintos, devendo ser descrita a partir de então como hanseníase. Apesar dos avanços científicos e da divulgação das informações corretas, o preconceito e o afastamento social ainda são aspectos relatados por pacientes, lamenta a pesquisadora. A última sexta-feira (26) foi marcada pelo Dia Estadual de Conscientização sobre a Hanseníase.

Dedicada ao estudo da hanseníase há dez anos, Pieri explica que apenas duas das quatro formas clínicas conhecidas – dimorfa e virchowiana – são transmissíveis. Após ter feito a coleta de dados com pacientes em seu doutorado, no pós-doutorado e, na atualidade, ter feito pesquisas com seus pós-graduandos (nível mestrado/doutorado), ela constata que o Paraná registra a maior incidência destes tipos da doença quando comparados com as não-transmissíveis, indeterminada e tuberculoide.

TRANSMISSÃO E TRATAMENTO

Causada pela bactéria Mycobacterium leprae, a principal via de transmissão é a via aérea superior, por meio de gotículas pesadas (espirros, tosse, fala e o beijo) em contato íntimo e prolongado com pacientes multibacilares sem tratamento (forma dimorfa ou virchowiana). É a única bactéria que invade o nervo, podendo levar a incapacidades físicas irreversíveis. “É importante frisar que a transmissibilidade não é tão alta. É preciso conviver muito e ter relacionados fatores genéticos, ambientais e imunológicos”, explica.

O tratamento é 100% gratuito e disponibilizado pelo SUS, podendo ser concluído entre seis e nove meses (forma não-transmissora) e entre 12 e 18 meses (forma transmissora). “Se o paciente concluir o tratamento, acreditamos na cura. Mas, é preciso realizar um acompanhamento ao longo de cinco anos no SUS”, assegura.

O diagnóstico da hanseníase é baseado principalmente em manifestações clínicas e a escassez de sintomas no início da doença pode contribuir para erros no diagnóstico ou para o subdiagnóstico. O diagnóstico precoce e a introdução do tratamento específico são importantes para reduzir fontes de transmissão e prevenir doenças graves com incapacidade física. “Merece atenção dos gestores públicos para a elaboração e continuidade de programas direcionados à eliminação da doença.” (Com informações da Agência UEL)