"Os prejuízos na fertilidade dos indivíduos podem ocorrer em qualquer fase, inclusive na vida intrauterina", diz a bióloga Glaura Scantamburlo Fernandes, que coordena pesquisas na UEL
"Os prejuízos na fertilidade dos indivíduos podem ocorrer em qualquer fase, inclusive na vida intrauterina", diz a bióloga Glaura Scantamburlo Fernandes, que coordena pesquisas na UEL | Foto: Gina Mardones



busca de respostas sobre as possíveis causas dos distúrbios reprodutivos no sexo masculino, a bióloga Glaura Scantamburlo Alves Fernandes coordena há sete anos uma série de pesquisas no Laboratório de Toxicologia e Distúrbios Metabólicos da Reprodução, da UEL (Universidade Estadual de Londrina).

Os estudos avaliam diversos elementos que podem, em um médio ou longo prazo, gerar danos à fertilidade masculina. As linhas de pesquisa envolvem desde a toxicologia, como o consumo de agrotóxicos por alimentos até comportamental, como a privação do sono, consumo de álcool, entre outros.

Para isso, o grupo de pesquisa do (CCB) Centro de Ciências Biológicas da universidade utiliza roedores machos de 40 dias de idade, que mimetiza a fase da adolescência (período peripuberal) dos seres humanos. A análise de roedores nesta faixa etária torna a pesquisa inédita.

"Com essas análises, consigo traçar um perfil de tratamento e provar que realmente há uma alteração devido a tal evento. O organismo do roedor é mais resistente que o do humano e, em relação à reprodução, a gente já constatou alterações, o que significa que a chance disso acontecer nos homens é maior", afirma.

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HORMÔNIOS SEXUAIS

Entre os resultados, um ponto de atenção é com relação aos distúrbios do sono. O estudo conduzido pela doutoranda Gláucia Eloisa Munhoz de Lion Siervo mostrou que a privação do sono reduz a motilidade (capacidade móvel) dos espermatozoides em até 50%, mata as células dos testículos, o que reflete na produção dos espermatozoides, e provoca alterações na produção de hormônios sexuais, como testosterona, LH (hormônio luteinizante) e corticosterona.

"A gente sabe que os adolescentes têm um padrão de sono diferente. Eles chegam a dormir cinco, seis horas, enquanto a necessidade de sono deles é entre 10 e 11 horas por dia. Esse comportamento, lá na frente, pode afetar a fertilidade", aponta Siervo.

Para chegar a essa resposta, o estudo intitulado "Efeitos de restrição de sono durante a peripuberdade sobre o desenvolvimento testicular e epididimário", usou métodos para reduzir o tempo de sono dos roedores pela metade. A pesquisadora explica que eles precisam dormir 12 horas por dia.

"Para privá-los de sono, nós os colocamos em um tanque com blocos de concreto e um pouco de água no fundo. Eles ficavam sobre essas plataformas, mas quando dormiam e entravam na etapa mais profunda do sono (REM), chamada REM, quando ocorre a atonia muscular, eles encostavam o focinho na água e acordavam", detalha.

O trabalho de Siervo já foi publicado em revistas internacionais e, futuramente, ela espera se dedicar ao desenvolvimento de uma droga contraceptiva masculina.

AGENTES TÓXICOS

Além do sono, Glaura Fernandes, que é responsável pelo laboratório, destaca também a investigação sobre o consumo de agrotóxicos através da alimentação e o insucesso reprodutivo.

Desde 2008, o Brasil ocupa o lugar de maior consumidor de agrotóxicos do mundo, conforme o dossiê da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva). Para se ter uma ideia, a estimativa, segundo a campanha "Viva sem veneno", é de que cada brasileiro consome, em média, 7,3 litros de veneno por ano.

"Estamos injetando uma dose mínima diária, na boca do animal, por um processo chamado gavagem. Utilizamos a via gástrica para mimetizar mais ainda a exposição do indivíduo a esses agentes tóxicos. São dois trabalhos. Um analisa um inseticida usado no combate do mosquito Aedes aegypti e outro é um herbicida utilizado nas lavouras", explica.

De acordo com a bióloga, quanto menos dose é absorvida, mais efeito tem. "Quando um elemento vai chegando em menor dose e mais lentamente no organismo, a capacidade de defesa do organismo vai sendo driblada por aquele agente. E com isso, vai lesando um pouquinho de cada vez. E o interessante do nosso trabalho é que os animais não têm efeitos de intoxicação", diz.

É o caso também dos humanos. Fernandes comenta que em doses pequenas os homens não sentem nenhuma alteração, mas quando se investiga, no caso, a questão reprodutiva, os pesquisadores estão constatando uma diminuição da qualidade espermática, com alterações no tecido epididimário e testicular.

Além da alimentação e do sono, há ainda o uso de fármacos, o consumo de álcool, açúcar e gordura, sedentarismo, obesidade, disfunção tireoidiana, estresse e ansiedade, que podem interferir na saúde reprodutiva masculina. Vale lembrar que tudo isso está associado ainda ao processo de envelhecimento.

"Estamos trabalhando com vários elementos que podem desbalancear a morfofisiologia desse sistema reprodutor. Os prejuízos na fertilidade dos indivíduos podem ocorrer em qualquer fase, inclusive na vida intrauterina porque a mãe está sendo exposta à essas condições externas", completa.