Enquanto a Gleba Palhano se expande para cima e para os lados, a região entre o Catuaí Shopping e o campus da Universidade Estadual de Londrina se consolida com seu protagonismo imobiliário, comercial e na prestação de serviços, o centro de Londrina perde moradores - a queda entre os dois últimos censos foi de 10%, com ruas desertas à noite, população em situação de rua espalhada sob as marquises e imóveis desocupados evocando abandono.

O Plano de Mobilidade Urbana elaborado pelo Ippul (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Londrina), documento que faz parte do Plano Diretor e ainda em discussão na Câmara de Vereadores, sugere mudanças significativas para interromper o viés de decadência da região original da cidade, desenhada pela Companhia de Terras Norte do Paraná nos anos 1930 e que foi a locomotiva do desenvolvimento da cidade por mais de seis décadas.

O projeto de revitalização do centro do Ippul foi consolidado pelo corpo técnico da casa, com base no estudo de deslocamentos elaborado pela paulistana Logit Engenharia Consultiva e entregue em 2022. A Logit foi selecionada através de uma licitação. Tem mais de 30 anos de atuação em projetos de desenvolvimento urbano no Brasil e em outros países.

Além das intervenções que estão na lista destacada nesta reportagem, o Ippul defende como diretriz fundamental o pleno funcionamento de todos os equipamentos culturais da região, inclusive a retomada das obras do Teatro Municipal, além do incentivo de feiras e eventos na Concha Acústica, no Bosque e nas áreas mais amplas do Calçadão.

“O Ippul vai continuar investindo em pesquisa e monitorando os resultados destes esforços de adensar a população da área central e torná-la uma área atrativa para comércio e negócios, o que é fundamental para a revitalização”, afirma o diretor presidente do instituto, Gilmar Domingues Pereira, arquiteto, urbanismo e engenheiro civil.

Abaixo, a lista de 20 inovações que podem nortear os esforços do poder público e do empresariado nos próximos anos e que estão contidas no plano.

Incentivos para atrair moradores

O plano flexibiliza na área central o coeficiente de aproveitamento máximo, um cálculo que limita a área construída de um terreno e desobriga a criação de vagas de estacionamento. Outro incentivo é o desconto de até 50% na Outorga Onerosa do Direito de Construir, que é uma taxa paga à Prefeitura para edificações que extrapolam os limites estabelecidos pelo plano diretor.

Horários escalonados por setor para regular o tráfego

O plano recomenda um pacto com amparo legal para a flexibilização dos horários de abertura e fechamento de lojas, escritórios, escolas, hospitais, com pequenas variações de 15 minutos para amenizar a concentração de veículos em horários de pico e tornar as viagens de ônibus mais confortáveis.

Comércio aberto nos fins de semana e nos horários dos shoppings

As lojas do centro ganham competitividade se não estiverem sob regras rígidas de horário estabelecidas no Código de Postura. Caso o horário seja flexibilizado parte da clientela dos shoppings pode migrar para o comércio de rua e movimentar a região à noite e nos fins de semana.

Ruas sem tráfego para recreação

Trechos apontados como de baixa movimentação de veículos aos domingos podem eventualmente se tornarem área de lazer para as famílias, assim como ocorrem no entorno do Lago Igapó.

Implantação das vias calmas

Já bastante conhecidas pelos curitibanos, as vias calmas devem marcar a transformação da área central de Londrina. O formato pode ser adotado em trechos das avenidas São Paulo e Rio de Janeiro e das ruas Alagoas, Espírito Santo, Belo Horizonte e Santos. Os pedestres ganham preferência, com faixas elevadas, nivelamento da pista e da calçada nas esquinas, estreitamento da pista, alargamento da calçada e limite de velocidade de 30 quilômetros por hora.

Programa de Vitrines Atraentes

O estudo do Ippul recomenda uma articulação dos comerciantes para tornar as vitrines de lojas mais atraentes, principalmente no Calçadão, nas transversais e nas ruas com velocidade reduzida. O objetivo é que a simples circulação seja atraente no período noturno e aos domingos.

Fechamento de cruzamentos

Alguns pontos onde ruas de baixo tráfego com as avenidas mais movimentadas se encontram podem ser modificados para canalizar o movimento para um sentido obrigatório, ampliando a segurança e a fluidez. Exemplos mencionados estão em esquinas das ruas Belo Horizonte, Santos e Paranaguá, além da Avenida Higienópolis.

O redesenho das alamedas e do entorno da Catedral

O estudo propõe a reconstrução das alamedas Miguel Blasi e Manoel Ribas, além das duas vias que circundam a Catedral. O objetivo é tornar a vista do prédio mais presente na paisagem e a circulação de pedestres prioritárias, com a elevação de faixas de passagem em vários pontos. Assim, o canteiro central da Manoel Ribas desaparece e as calçadas laterais são alargadas, com espaço suficiente para a instalação de obras de artes ou mesas nos pontos gastronômicos. Do lado do bosque, a travessa ganharia mais espaço para estacionamento e ficaria com apenas uma faixa de tráfego. Na Miguel Blasi, a pista que sobe ficaria com uma faixa a menos, com o estacionamento “espinha de peixe” migrando para o lado da calçada, que também seria alargada.

Instalação de fontes icônicas

O Plano de Mobilidade defende que as fontes são muito bem-vindas à urbanização do centro. Elas umidificam o ambiente e tornam a circulação de pedestres mais agradáveis, além de tornarem-se pontos de encontros e incentivarem a vivência do espaço público. Estes equipamentos deverão ser instalados na Praça Floriano Peixoto com a Avenida São Paulo e no fim do Calçadão no início da Rua Quintino Bocaiúva, onde hoje já existe um chafariz. O Ippul adverte que as fontes devem ser necessariamente mais impactantes e imponentes que um simples chafariz, com força para tornar-se atrações turísticas regionais.

Linhas de ônibus circulares

Com o pequeno número de linhas diametrais e perimetrais no sistema de transporte coletivo, os estudos sobre mobilidade constatam um excesso de exigência de transbordo nas viagens. A solução recomendada é o reforço em linhas circulares de curta duração pela área central.

Restauração de fachadas históricas

Um modelo de parceria entre a prefeitura e proprietários é a proposta para alavancar as obras de recuperação de fachadas históricas de prédios particulares, com as empresas abatendo os investimentos a partir de um percentual da receita. O conceito é denominado shopping center a céu aberto.

Enterramento de fios

O plano menciona a retirada de postes para facilitar a circulação de pedestres no Calçadão e nas quadras próximas das vias transversais, com a adoção de fiação subterrânea.

Alargamento de calçadas

Ao modo da Rua Sergipe, o plano estabelece alargamento de calçadas nas avenidas São Paulo, Rio de Janeiro e nas alamedas separadas pela Catedral, além de outros trechos onde o tráfego é menos intenso. O alargamento também pode permitir a extensão da área com mesas de bares e restaurantes.

Carga e descarga com carrinhos especiais

A área central se tornará uma zona de restrição de carga e descarga, com três modalidades de vias com horários específicos. Nas mais movimentadas, os pontos poderiam ser usados apenas a partir das 20h e antes das 6h. No modelo, a prefeitura garante a infraestrutura para a circulação de carrinhos especiais nas calçadas.

Novos quiosques e faixa central com mesas no Calçadão

Os técnicos do Ippul acreditam que os quiosques não devem interferir na circulação dos pedestres e devem funcionar como ponto de apoio dos estabelecimentos instalados nos dois lados do corredor. Desta maneira, não precisariam de áreas para estoque nem serem fechados no fim do expediente. A modelagem também prevê um corredor central com mesas e cadeiras, uma espécie de praça de alimentação linear em algumas quadras.

Trechos cobertos no Calçadão

O estudo do Ippul cogita a possibilidade de instalar cobertura em uma ou duas quadras do Calçadão para áreas de descanso e facilitar apresentações artísticas.

Pisos e mobiliários coloridos

O Ippul menciona o colorido do Paseo Bandera, uma dos locais mais instagramáveis do subcontinente, como exemplo e inspiração. A ideia é pintar o piso com figuras geométricas coloridas compondo a paisagem com mobiliário urbano diferenciado em trechos do Calçadão e nas ruas adjacentes.

Hidrantes no Calçadão

A instalação de um corredor central com mesas e cadeiras, além da possibilidade da construção de coberturas, exigem a instalação de uma rede de hidrantes para o combate aos incêndios no Calçadão.

Retirada de semáforos

A área estudada pelo Ippul tem cerca de 50 esquinas com sinaleiros e a transformação viária prevê a retirada de uma parte desta rede para melhorar a fluidez do tráfego.

Calçadão mais bucólico

No estudo do Ippul, as lâmpadas vão subir e deixar o ambiente noturno mais convidativo no Calçadão. Em volta destes postes altos, bancos semicirculares e anatômicos. Há também a previsão da colocação de árvores com jardinetes para tornar a paisagem mais bucólica.

Imagem ilustrativa da imagem Vinte ações para modernizar o Centro de Londrina
| Foto: Anderson Coelho/iStock

Especialista destaca importância de tombamentos e da gestão de resíduos

Na academia, a revitalização das áreas centrais das cidades médias e grandes é tema recorrente. A chefe do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Londrina, Teba Silva Yllana, não há “receita pronta” para o desafio. “É uma tarefa bastante complexa sobre a qual se debruçam administrações municipais em vários países ao redor do globo”.

Ela classifica em três partes o plano da prefeitura. Para ela, os incentivos para atrair moradores e negócios, com flexibilidade e autonomia nos horários de funcionamento do comércio, o programa de vitrines atraentes, a colocação de hidrantes, o alargamento de calçadas e a criação de trechos cobertos no Calçadão são intervenções necessárias.

“A reformulação viária que prioriza pedestres, ciclistas e transportes públicos, as ruas sem tráfego para recreação, a implantação das vias calmas e o fechamento de cruzamento são boas alternativas”, argumenta. “A substituição da fiação aérea por redes subterrâneas é mais do que necessária, não apenas no centro, mas em toda a cidade”, defende. “Há infinitas vantagens, desde economia com a manutenção, o crescimento mais saudável das árvores e o ganho de visibilidade das edificações”.

DUVIDOSAS

A professora Teba coloca na prateleira de “duvidosas” as propostas de instalação de fontes luminosas e de totens de orientação turística. “São ideias bem-intencionadas, mas dependem da quantidade e do local onde serão implantadas para não atrapalhar a circulação ou poluir a paisagem. O histórico mostra que não somos capazes de manter estruturas públicas com água, que em geral ficam sem manutenção, desligadas ou quebradas”.

O redesenho das alamedas que desembocam na Catedral, a reforma de fachadas, os pisos coloridos, os quiosques e a faixa de mesas e cadeiras no Calçadão, são “inadequadas” na visão de Teba. Para ela, são mudanças que comprometem “a identidade urbana e enfraquecem o aspecto de maior poder de atração do indivíduo em relação à área central que é a memória”.

A especialista prevê que os quiosques produzirão “enorme poluição visual”, provocarão congestionamento espacial e acúmulo de resíduos, além de criar a necessidade da instalação de banheiros, “equipamentos de difícil manutenção”. Teba argumenta: “Já tivemos esta experiência, sem bons resultados. Os quiosques criam uma concorrência desnecessária e contribuem para a desocupação dos imóveis. O plantio de árvores nestes trechos, com espaços agradáveis para o convívio de moradores e como apoio ao comércio, seria muito mais atrativo”.

Teba finaliza sua análise ressaltando dois aspectos importantes para o futuro da região. O tombamento do Centro Comercial, da Concha Acústica, da Caixa d´Água da Higienópolis, de todo o Calçadão e do Bosque, segundo ela, seria uma garantia contra possíveis intervenções que afetariam suas identidades arquitetônicas. A professora da UEL também defende um sistema eficiente de coleta seletiva de resíduos nos edifícios, trabalho educativo com comerciantes e moradores, uma rede de pontos de entrega voluntária, além de um conjunto de ações que provoquem a redução da quantidade de lixo.

Proposta da sociedade civil se sustenta em cinco pilares

A Acil (Associação Comercial e Industrial de Londrina) lidera uma instância permanente de debate sobre a crise na região - o Núcleo Novo Centro - que congrega líderes do setor público e privado. Há aproximadamente um ano, o grupo entregou um documento à Prefeitura com um conjunto de propostas fundamentadas em cinco pilares: habitação, patrimônio histórico, cultura, gastronomia e comércio.

“É um trabalho de formiga que iniciamos há um ano e meio. Primeiro, buscamos mobilizar as pessoas para o debate, depois examinamos experiências consolidadas ou em andamento que lidam com este mesmo problema e formamos uma rede de relacionamentos com outras cidades”, explica Gerson Guariente, diretor institucional da Acil e coordenador do núcleo.

Algumas diretrizes são consensos no grupo, explica Guariente, como a necessidade da região central ganhar mais moradores; ações para a melhora do ambiente comercial (com a solução de problemas antigos como a proliferação de camelôs, a concentração de pessoas em situação de rua e a sujeira dos pombos); a consolidação de um polo gastronômico diversificado (o sucesso recente de um novo restaurante na Alameda Miguel Blasi demonstraria que existe uma demanda reprimida na região) com uso de espaços públicos no período noturno; o rigor com a manutenção dos prédios históricos e das praças e o funcionamento dos museus em horários que atendam os turistas; e o incentivo ao pedestrianismo e ao uso de veículos não-motorizados como bicicletas e patinetes nos roteiros turísticos.

“Não é um trabalho tão simples, o que estamos fazendo é ouvir a opinião de todos. Este ano trabalhamos na preparação da legislação junto ao poder público para que as áreas e os prédios possam ser reaproveitados com novos investimentos”, explica o engenheiro civil.

A restauração dos aspectos originais do projeto de Jaime Lerner para o chamado trecho 5 do Calçadão, onde fica o Teatro Ouro Verde, é uma ação considerada pelo núcleo como uma experiência piloto que deve influenciar o ritmo e a extensão da mudança nos próximos anos. A expectativa é que a obra seja iniciada em 2025.