Em dezembro de 1986, ocorreu no Paraná um caso de justiça com as próprias mãos que teve repercussão nacional. Moradores de Umuarama lincharam três rapazes, com idades entre 18 e 20 anos, que haviam confessado ter matado a tiros um fotógrafo da cidade e estuprado a noiva dele.

Segundo reportagens da época, 2 mil pessoas cercaram a cadeia de Umuarama, invadiram o prédio e mataram os três homens a pauladas. Depois, os corpos foram arrastados pelas ruas da cidade e queimados em uma praça. Mais de cinco mil pessoas teriam acompanhado o cortejo macabro.

O delegado aposentado Luiz Norberto Canhoto ajudou nas investigações na época. "Eu era delegado em Paranavaí. Estava deitado, vendo um filme, quando me ligaram lá pelas 23 horas dizendo para ir para Umuarama. Cheguei por volta das duas horas da manhã. A cadeia estava destruída e os rapazes já haviam sido mortos. Não havia mais fogo, apenas cinzas (dos corpos)", lembra Canhoto.

O policial aposentado relata que ficou dois dias em Umuarama e depois retornou. Ele afirma que em toda a sua carreira na Polícia Civil nunca viu "nada parecido com aquilo". "Eu já era um delegado relativamente experiente, tinha entrado na polícia em 1976. Fiquei chocado com os relatos. As pessoas falavam como se fosse algo natural, normal. Depois, foram dizendo, ‘Meu Deus! Meu Deus!’. Acho que foi ‘caindo a ficha’. Pelo clima de insegurança e impunidade, algumas pessoas acabam perdendo a razão", lamenta.
Canhoto diz que o inquérito para apurar os responsáveis pelo linchamento "se arrastou por envolver muita gente, pela dificuldade de identificar quem participou". Anos depois, o processo foi arquivado pela Justiça.

Imagem ilustrativa da imagem ‘Vi o corpo e pensei que era um ursinho de pelúcia’



O fisioterapeuta Clériston Machado, que hoje mora em Maringá, é de Umuarama e residiu na cidade até 2007. Na época do linchamento, tinha cinco anos.
"Eu e minha família não vimos o linchamento, porque morávamos um pouco afastados da cidade. No dia seguinte, saímos bem cedo para viajar para a casa da minha avó. Passamos pela praça e havia uma fogueira ali. Meu pai perguntou o que era. Um senhor estava levantando um dos corpos. Havia uma equipe de TV filmando. Na minha visão de criança, vi o corpo chamuscado, atrofiado, e pensei que era um ursinho de pelúcia", lembra. "Só tomei consciência do que tinha acontecido depois, quando vimos as reportagens na televisão, em Jacarezinho, onde minha avó morava, e pelos comentários que fizeram."

Machado critica qualquer atitude de justiçamento. "Quem faz justiça no País é o Estado. Não tem como manter uma democracia sem haver leis. Quem mata um bandido não é melhor do que ele", argumenta.

A repercussão do linchamento em Umuarama mostrou como parte da sociedade considerava aceitável o justiçamento. Em uma enquete publicada pela FOLHA dois dias após o episódio, três pessoas concordaram com a atitude da população umuaramense e três criticaram.

"Eu participaria de um movimento de linchamento se tivesse algum familiar envolvido no crime como vítima. Se deixarmos nas mãos da Justiça, ela logo solta os bandidos. Nestes casos, eu sou favorável à pena de morte. Mas não acredito que a Justiça brasileira venha a adotá-la. Então, sobra para o povo penalizar os criminosos", comentou um garçom de 23 anos.

Uma digitadora deu opinião diferente. "Não devemos nos calar diante de crime tão horrível e sim demonstrar nossa revolta, mas sem novas violências. Toda manifestação popular é válida, mas sem violência. Jamais participaria de um linchamento", argumentou.

Se as redes sociais servem de parâmetro, quase 30 anos depois, é possível constatar que ainda há muitos brasileiros que apoiam a justiça com as próprias mãos. Em 2010, um usuário do YouTube colocou no site um vídeo de uma reportagem de TV de 1986 sobre o episódio de Umuarama. A maioria dos comentários parabeniza quem colaborou no linchamento. "Muito bom! Bandido não pensa quando vai matar o pai de família, ele não hesita, a missão dele é essa. Minha família é de Umuarama, parabéns à população", escreveu um comentarista. (Fábio Galão/Reportagem Local)