No ano passado, a empresária Bruna Shizue acordou pensando que não tinha comprado um presente para o pai, João Carlos. Nada grave, a lembrança seria comprada no dia seguinte. No domingo do Dia dos Pais, bastaria um telefonema, um beijo e o abraço que sempre a acompanhou durante seus 34 anos de vida. Neste 8 de agosto, com 53 anos, João Carlos do Amaral Silva – que foi pai aos 18 anos de idade – festeja a data depois de superar a Covid-19. Ele se recupera lentamente para, em dezembro, segurar a neta Lívia que está a caminho, filha da Bruna que já tem o Miguel, de quatro anos. Vários nomes dessa história com final feliz. “Nesse domingo, quero apenas agradecer e estar junto dele. Só de pensar que o desfecho do meu Dia dos Pais poderia ser outro, ou que muitas famílias irão passar um dia sem muito sentido, me dou conta que ter o meu pai conosco hoje é um milagre”, diz.

Bruna Shizue com o pai João Carlos do Amaral Silva
Bruna Shizue com o pai João Carlos do Amaral Silva | Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

A notícia da contaminação veio no começo de junho, depois de um teste positivo. Os sintomas foram dores de cabeça, um mal-estar generalizado e tosse. No dia seguinte, o ar já faltava nos pulmões e Silva precisou ir para uma UPA, já respirando com a ajuda de oxigênio. Foram quase 50 dias entre a UPA e a internação hospitalar, onde ele chegou a ser intubado. Além disso, a mãe, o irmão e a cunhada da empresária, todos na mesma casa, também testaram positivo.

“Por algumas vezes, durante esse período, pensei que perderia o meu pai. Nossa fé e confiança em Deus nos fazia acreditar que ficaria tudo bem”, revela. Hoje, a família encara a recuperação. “Meu pai ainda não está conseguindo andar sozinho, está saindo do respirador de ar, fazendo fisioterapia respiratória e motora. Serão mais alguns meses cuidando.”

Ela diz que a experiência serviu para unir ainda mais a família. “Nos faz agradecer as pequenas vitórias do dia a dia, o acordar bem e ir dormir com saúde. Aprendemos também que a vida ao nosso redor não para e que, mesmo nos momentos mais difíceis, devemos agradecer pelas outras coisas que estão acontecendo. Aprendemos também que os amigos e a família são a base para enfrentarmos as batalhas mais difíceis”, analisa a empresária, que tem a presença paterna em todos os momentos da vida.

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‘FIGURA PATERNA NOS APRESENTA O MUNDO'

A festa em torno da figura paterna no segundo domingo de agosto, como manda a tradição, traz reflexões interessantes em mais essa encruzilhada marcada pelo drama das famílias que viveram uma experiência com a Covid-19. Enquanto a função materna é de cuidado, de amparo, apoio e união, aquela exercida pelo pai nos fornece os instrumentos necessários para enfrentar o mundo.

“A figura paterna é aquela que dá a lei, que introduz o mundo à criança e a incentiva a conhecê-lo, a explorá-lo. É extremamente importante porque é ela que nos apresenta o mundo e como vamos nos relacionar e nos comportar com ele. Quem não tem pai fica sem lei. Fica sem algumas referências para se guiar no mundo. Sem limites, ficamos vulneráveis, não sabemos conter os próprios impulsos”, afirma o psicanalista londrinense Sylvio do Amaral Schreiner.

“No Brasil, existe uma ideia de que o pai não é responsável pelo filho, que isso é um trabalho para quem exerce a função materna, mas para uma pessoa ser integral precisa ter dentro de si tanto a mãe quanto o pai. Isso é ser humano, é viver dignamente, completo, em equilíbrio. Quando existe a função paterna e materna internalizada, a pessoa se torna verdadeiramente humana”, acrescenta Schreiner.

CURA SIGNIFICA CUIDADO

Assim como a família Shizue Silva, muitas outras comemoram a vida e a cura neste fim de semana do Dia dos Pais. Para o psicanalista Sylvio do Amaral Schreiner, a experiência da quase perda de uma figura tão importante também pode agir de uma maneira reparadora dos laços afetivos. “É deixar de lado tudo o que não é importante e focar no viver aqui, não perder mais tempo com as bobagens. Cura significa cuidado. A família passa a curar si própria e a relação”, comenta.

Se isso não acontece, sobra espaço para mais dor com reações como o medo da perda constante, como se a qualquer momento algo de terrível pudesse acontecer, a raiva do mundo e o trauma. “A pessoa pode passar a agir como se o pior já tivesse acontecido.”

A figura paterna é uma constante até quando conversamos com quem hoje celebra a vida ou encontra consolo para enfrentar a saudade. Ela aparece também na nossa fé, entendida pelo psicanalista como um processo interno de cada um. “Quando temos uma figura paterna forte na nossa vida, um Deus por exemplo, nos apegamos a essa figura dentro de nós. É ela quem vai oferecer alguma referência, uma segurança, possibilidade de pensar a vida. Uma figura a qual recorremos para não enlouquecermos. Ter fé não significa ser imune – ao vírus ou a outras coisas ruins da vida”.

Ter fé, continua Schreiner, significa que essa pessoa vai conseguir contar com ela mesma para superar aquele momento de dificuldade, para vencer o obstáculo. “E será da maneira que ela puder, dando sempre o melhor de si.”

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