Teatro amador constrói salas de espetáculos
PUBLICAÇÃO
sábado, 01 de abril de 2000
EDUCAÇÃO E CULTURA
Teatro amador
constrói salas
de espetáculos
Teatro do CAT, grupo fundado há 40 anos, tem duas salas (270 e 390 lugares); Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras foi a primeira do interior do Estado
A centenária Jacarezinho já era cidade madura quando um grupo de jovens sonhadores transformou o gosto pelo teatro em elemento de mobilização comunitária.
O Clube de Amadores de Teatro (CAT), formado nos anos 40 por estudantes secundaristas, atravessou décadas encenando peças e promovendo a cultura country para erguer um moderno teatro com duas salas, praticamente sem contar com verbas oficiais.
Concluído há pouco mais de dois anos, o Teatro do CAT é quase um monumento à tenacidade, à perseverança e à ousadia de provincianos e cosmopolistas que viveram as glórias da cidade-pólo mais antiga do Norte do Paraná.
A riqueza de um ambiente intelectualizado e financeiramente pujante criou em Jacarezinho uma classe média de perfil diferenciado das que seriam formadas na corrida do café em outras partes do norte paranaense, onde os ávidos forasteiros encontraram comunidades recém-formadas, ainda sem raízes e movimento cultural.
Em Jacarezinho, as divisas injetadas com a cafeicultura deram vazão a expressões culturais herdadas dos migrantes fluminenses, paulistas e mineiros. A história conta que o gosto pelas artes era uma das características de uma caravana de mais de 200 pessoas algumas delas da alta sociedade que desbravaram a região no final do século 19 e entraram para a pré-história do município.
Entre o lendário e o histórico, está o episódio do piano de cauda que passou seis semanas abandonado na margem paulista do Paranapanema, deixado a contragosto pela esposa de um dos patriarcas.
Só depois de esvaziar a acanhada embarcação e estabelecida nas novas terras, é que a família pôde retornar ao local exclusivamente para recolher o instrumento, que seria usado para animar as desenxavidas noites sertanejas.
É movido a nostalgia e a uma memória precisa, que o tipógrafo mineiro Geraldo da Silva, 72 anos, relata e explica com leigas compilações sociológicas porque Jacarezinho foi a única cidade do Estado a erguer com esforço comunitário um templo para o teatro amador, com um palco de arena, com 270 lugares, e outro recinto, com palco italiano, para 390 pessoas.
Boa parte destas recordações estão sendo escritas em dois livros de memórias que Silva ainda não concluiu, apesar de dedicar todas as manhãs de domingo dos últimos quatro anos ao projeto. Tudo começou aos 19 anos. Secundarista do Colégio Rui Barbosa, Silva foi o escolhido do professor de filosofia e incentivador do teatro estudantil, Arnaldo Setti, para escrever e atuar na primeira de uma série ainda inacabada de peças com o espírito do CAT.
Não tive contato com os primeiros grupos de amadores da década de 30, porque ainda não vivia na cidade. Me inspirei em espetáculos circenses, que naquela época sempre incluíam Jacarezinho nas turnês. Também tinha grupos mambembes e os teatros de revista que a gente ouvia pelo rádio, conta o tipógrafo.
Deste mix de influências, surgiu Maravilhas de um sonho, uma revista musical que percorria no palco céu, terra e inferno, sob a visão cristã de uma sociedade que carregava uma acentuada presença católica. Com sucesso, a peça percorreu cidades da região. Já consolidado, o sonho do jovem Silva, que tinha montado sua pequena gráfica, foi ganhando possibilidades reais de se concretizar.
Foi criada então uma companhia, com ambições de ter um espaço próprio. Na época, as peças do teatro amador de Jacarezinho eram encenadas no Cine Éden e no palco do Colégio Cristo Rei.
Foi neste momento que descobrimos a importância da tradição cultural da cidade, que tinha muita gente de cabeça aberta, o que na época não era muito comum. Eles gostaram da idéia de ter alguém fazendo teatro na cidade, destaca o tipógrafo.
O CAT foi criado oficialmente em 1º de julho de 1955. A partir da formalização da entidade, os jovens passaram a levantar fundos para a compra de um terreno. Para começar a campanha, venderam mil tijolinhos com o logotipo do grupo.
Todo mundo ajudou, desde empresários até vendedores ambulantes, lembra. A procura de um local apropriado foi longa. O terreno escolhido foi próximo da prefeitura, onde hoje está erguido o prédio. Como todos os lotes disponíveis na cidade, o local pertencia à diocese, mas já havia sido aforado para os maçons.
Em 1960, em um grande evento religioso, o bispo Geraldo da Proença Sigaud, um dos entusiastas com a crescente atividade teatral, encomendou aos jovens do CAT uma encenação de um épico sacro. O espetáculo era grandioso. Entre atores e figurantes, trabalhavam 90 pessoas. Foi montada na frente da catedral e assistida por 4 mil pessoas, recorda Silva.
O evento fez tanto sucesso que o bispo, agradecido, doou o terreno, desde que no local realmente fosse erguido um teatro. Os maçons foram ressarcidos com o dinheiro da campanha do CAT, que incluía, além do lucro do Baile do Texas, a receita de um livro-ouro.
A partir daí foram analisadas várias plantas arquitetônicas, cada vez mais ousadas, já que ano a ano, o montante de dinheiro reservado à obra crescia. Quando o teatro foi finalmente concluído, a cidade vivia uma era de estagnação econômica e sem ter a mesma importância estadual. Hoje a juventude está muito ligada à televisão. É difícil viver aquele ambiente novamente, diz o tipógrafo.
O teatro mantém programação esporádica e o grupo ainda promove algumas peças. Também abriga os tradicionais Concurso de Trovas, Concurso de Contos e o Salão de Artes Plásticas, o mais antigo do interior do Estado. Silva ainda é um dos 42 associados (a maioria é formada por estudantes e ex-estudantes universitários) e participa do conselho deliberativo. Ele renovou seus sonhos, que agora não são mais autosuficientes. Neles estão uma escola de teatro para crianças, um curso superior de Artes Cênicas e a criação de um parque temático country. Me chamam de louco e teimoso. Mas, na minha idade, já não ligo mais, diz Silva, que prefere ser classificado como visionário. (L.F.M.)