Curitiba - O déficit de chuvas acumulado ao longo dos últimos anos levou uma das principais bacias hidrográficas do País a uma escassez de água inédita em cerca de um século. Sem perspectiva de melhora antes de setembro, quando termina a estação seca, a região hidrográfica do rio Paraná — que abrange os Estados de São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Goiás, Santa Catarina e o Distrito Federal — está em estado de alerta.

 Em Foz do Iguaçu, por exemplo, o impacto é perceptível pela baixa vazão das Cataratas
Em Foz do Iguaçu, por exemplo, o impacto é perceptível pela baixa vazão das Cataratas | Foto: Christian Rizzi/Fotoarena/Folhapress/17-6-2021

A crise, causada por uma combinação de fatores que inclui os desmatamentos da Amazônia e do Cerrado e o fenômeno natural La Niña, já castiga o Estado do Paraná há mais de um ano, com prejuízo principalmente para o fornecimento de água na região de Curitiba. Agora, riscos de impactos sobre a geração de energia para algumas das regiões de maior demanda energética do País motivaram alertas do SNM (Sistema Nacional de Meteorologia), do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) e da ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico).

Em 1º de junho, a ANA emitiu a “Declaração de Situação Crítica de Escassez Quantitativa de Recursos Hídricos da Região Hidrográfica do Paraná”, vigente até 30 de novembro de 2021. O documento recomenda medidas como a adoção de regras de operação temporárias para a preservação dos volumes de reservatórios de usinas hidrelétricas. “Num primeiro momento, a necessidade de restrições para usos consuntivos (que consomem água), como a irrigação e o abastecimento humano, não é vislumbrada”, diz o órgão, em nota enviada à FOLHA.

A ANA levou em conta o “Alerta de Emergência Hídrica” feito em 27 de maio pelo SNM (Sistema Nacional de Meteorologia), que reúne o INMET (Instituto Nacional de Meteorologia), o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e o Censipam (Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia). Foi o primeiro aviso desta natureza feito pelas instituições de monitoramento.

A agência também estabeleceu o GTA-RH Paraná (Grupo Técnico de Assessoramento da Situação da Região Hidrográfica do Paraná), que tem como representante paranaense o IAT (Instituto Água e Terra), gestor das águas do Estado.

“É um alerta que estabelece uma espécie de sala de crise”, explica Everton Souza, o diretor-presidente do IAT. “A primeira reunião, em 7 de junho, estabeleceu que os Estados se mantenham atentos para todos os reflexos que estão ocorrendo por conta da escassez hídrica, para que possamos, na sequência, tomar medidas articuladas — principalmente de manejo dos reservatórios”, conta.

GERAÇÃO DE ENERGIA

A vigência do alerta da ANA pode ser estendida em caso de mais uma sequência de chuvas abaixo da média. De acordo com uma nota técnica emitida pelo ONS no fim de maio, o déficit de precipitação acumulado nos últimos dez anos nas bacias dos rios Paranaíba e Grande, afluentes do rio Paraná, bem como em sua calha principal, supera o total de chuvas em um ano. No caso da bacia do rio Grande, o déficit foi maior que o total de dois anos de chuva.

A estiagem reduz as vazões afluentes às usinas. O resultado são as piores sequências hidrológicas desde 1931.

Segundo o ONS, o volume de chuvas entre setembro de 2020 e maio de 2021 na bacia do rio Paraná foi o pior nos últimos 50 anos. A nota técnica lembra que o último período de chuvas começou mais tarde e terminou mais cedo, “não havendo, portanto, expectativas de precipitação que proporcionem melhoria nos armazenamentos dos reservatórios até o próximo período chuvoso” — ou seja, após novembro.

O órgão traçou três cenários baseados nas chuvas de 2008 (melhor cenário), 2012 (cenário médio) e 2020 (pior cenário). Sem medidas de preservação dos volumes do sistema como a redução da vazão mínima das usinas, o pior cenário seria de colapso em reservatórios importantes. Os principais do rio Paranaíba poderiam atingir entre 5% e 0% de seus volumes úteis em julho de 2021; do rio Grande, 2%.

Os reservatórios das usinas da bacia do rio Paraná correspondem a mais da metade (53%) da capacidade de armazenamento de todo o SIN (Sistema Interligado Nacional). A região hidrográfica também engloba algumas das áreas de maior desenvolvimento econômico do País.

“Estamos falando de boa parte do PIB brasileiro, de uma grande quantidade de usuários e dos mais diferentes usos da água”, diz Souza.

Para o diretor-presidente do IAT, contudo, não há risco próximo de racionamento ou “apagão”, já que o sistema dispõe de medidas como o manejo de reservatórios, maior geração termelétrica e importação de energia para mitigar a crise.

O ONS esclarece que o único cenário em que há risco de déficit é o chamado “cenário de referência”, em que não são tomadas medidas que já estariam em curso. O órgão reforça, contudo, que esta é a pior crise hidrológica do Brasil desde 1930, e que nos últimos sete anos os reservatórios das hidrelétricas receberam um volume de água inferior à média histórica.

“É neste contexto que todos os esforços estão sendo envidados, com transparência e informação à população, para que o País atravesse a crise hídrica sem problemas no fornecimento de energia, que como dito anteriormente, está garantido este ano”, diz nota do órgão publicada em 4 de junho.

Ações como a utilização de termelétricas, contudo, se refletem nas bandeiras tarifárias acionadas pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). Mais oneroso, o recurso pesará no bolso dos consumidores.

Imagem ilustrativa da imagem Seca do século coloca bacia do rio Paraná em alerta
| Foto: Folha Arte

PREOCUPAÇÕES

Exceto por porções voltadas para as bacias do Atlântico Sudeste e do Atlântico Sul, todo o território paranaense está inserido na bacia do rio Paraná — que tem entre os afluentes os rios paranaenses Iguaçu, Tibagi e Ivaí. Em Foz do Iguaçu, por exemplo, o impacto é perceptível pela baixa vazão das Cataratas.

O governo estadual vem publicando decretos de emergência hídrica no Paraná desde 2020, estabelecendo a priorização do uso da água para o consumo humano e de animais.

Entre as ações previstas estão rodízios de abastecimento, a exemplo do que acontece em Curitiba e Região Metropolitana — abrangidas pela bacia do rio Iguaçu.

O cenário no Estado é variado. De acordo com o diretor-presidente do IAT (Instituto Água e Terra), Everton Souza, a região do Oeste paranaense é “relativamente confortável”. “No entanto, temos tido problemas grandes de escassez de água no Sudoeste por uma série de fatores”, diz.

O diretor de Meio Ambiente e Ação Social da Sanepar, Julio Gonchorosky, explica que o Sudoeste desperta maior preocupação no momento porque seu abastecimento é garantido principalmente por captação direta dos rios.

“Os rios respondem muito rapidamente à falta de chuva”, explica. “No caso da região Noroeste, onde o abastecimento vem muito de poços artesianos, ele flutua menos, apesar de o lençol freático também estar mais baixo após um ano de seca.”

“Teremos dificuldades com recursos hídricos até a entrada do verão, tanto para abastecimento quanto para atividades econômicas”, explica Gonchorosky.

OUTROS EFEITOS

Impactos mais imediatos também estão sendo percebidos em usos da água que não envolvem seu consumo direto, como lazer e navegação, na avaliação do diretor-presidente do IAT.

Um exemplo é a Usina Hidrelétrica de Chavantes, na divisa entre Paraná e São Paulo. Instalada no rio Itararé, um dos afluentes do Paranapanema que desaguam no Paraná, o reservatório da hidrelétrica é usado por empreendimentos de turismo. “Atividades ligadas à beleza cênica, navegação de lazer e até de pesca esportiva estão muito prejudicadas”, explica Souza, que é também é presidente do Comitê Bacia Hidrográfica do Rio Paranapanema.

A presidente do Comitê da Bacia do Rio Tibagi, Andréia de Oliveira, explica que as diferenças entre as regiões do Estado se devem a fatores como topografia e preservação da mata ciliar. Na bacia do Tibagi — que abrange Londrina e região — um histórico mais animador de chuvas faz com que usinas importantes para a geração de energia local, como a hidrelétrica Mauá, estejam em situação mais confortável do que a dos represamentos da bacia do Paranapanema.

“Mas podemos chegar lá”, alerta Oliveira — destacando que, diferentemente do caso energético, não há alternativas para contornar o desabastecimento para o consumo de água potável.

“Se não houver um processo de sensibilização da sociedade como um todo sobre economia e valorização do recurso hídrico, podemos ficar sem água, em quantidade ou qualidade”, diz a presidente do comitê, que é também geógrafa da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Ponta Grossa.

“A preservação do recurso hídrico precisa ser constante, por meio da proteção de matas ciliares e de APPs (áreas de preservação permanente) e do combate a ligações irregulares de esgoto e descarte de lixo”, diz. “Tanto os governos como a sociedade precisam estar engajados. A responsabilidade pelo recurso hídrico é de todos.”

RESPIRO

Em rodízio de abastecimento de água desde março do ano passado, Curitiba e região metropolitana passam por um cenário menos crítico em junho de 2021 na comparação com o mesmo período de 2020.

O nível dos reservatórios do Sistema de Abastecimento de Água Integrado de Curitiba no dia 14 de junho estava em 51,82%. Há cerca de um ano, estava em 38%. Contudo, a região segue em esquema de rodízio, com 60 horas de fornecimento e 36 horas com suspensão.

“A situação está um pouco mais confortável, menos crítica do que há um ano, mas não está boa”, diz o diretor de Meio Ambiente e Ação Social da Sanepar, Julio Gonchorosky.

De acordo com o diretor, as condições meteorológicas previstas para junho não apontam para uma redução do nível dos reservatórios do sistema a menos de 50%. Logo, não há perspectiva de mudança para esquemas mais severos de rodízio na região — como o modelo de 24 horas sem e 36 horas com água, adotado em agosto de 2020 com o recrudescimento da estiagem. “Contudo, teremos de monitorar os próximos prognósticos dos institutos de meteorologia”, diz Gonchorosky.