Os norte-paranaenses ficaram assustados com a revoada de formigas voadoras pelas cidades da região neste começo do mês de Outubro. Como em uma cena do filme Os Pássaros, de Alfred Hitchcock, os insetos alados pareciam estar em todos os lugares e em volume que impressionou as pessoas a ponto de publicarem nas redes sociais as impressões de espanto que as “formigas gigantes voadoras” provocaram. Ainda mais porque no início da colonização da região pela CTNP (Companhia de Terras Norte do Paraná), um dos argumentos de venda dos terrenos era de que na região não possuía saúvas.

Imagem ilustrativa da imagem Revoada de formigas assusta moradores do Norte do Paraná
| Foto: Gustavo Padial/FolhaArte


Segundo o professor de Entomologia do Departamento de Agronomia da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Amarildo Pasini, o argumento era verdadeiro. “É real. Aqui realmente não tinha nenhum tipo de saúva. Ela veio de 25 anos para cá. Eu sou natural de Paranavaí e lá já tinha essa formiga. Mas quando cheguei aqui em Londrina, em 1989, aqui não tinha saúva. Eu tinha que buscar saúvas ali em Jaguapitã para poder fazer experimentos. Mas agora, pode escrever, que todo ano, no final de setembro e começo de outubro, terá revoada”, destacou. “As formigas do tipo saúva tinham por habitat a região noroeste. Lá o solo era menos argiloso, era mais arenoso e mais fofo. Mas a espécie acabou migrando e se adaptando ao solo da região norte paranaense.” Ele explicou que a formiga saúva-limão (Atta sexdens) é a que é a mais encontrada aqui. “Uma vez que ela se estabelece, a gente não consegue erradicar. Como todo mosquito e outras pragas, elas se instalam e a gente acaba convivendo com ela”, apontou.

Entre as cortadeiras, a formiga saúva- limão (Atta sexdens) é a que é a mais encontrada aqui.
Entre as cortadeiras, a formiga saúva- limão (Atta sexdens) é a que é a mais encontrada aqui. | Foto: Divulgação/ Luis Francisco Angeli Alves

Ele ressaltou que essas formigas gigantes não possuem ferrão e não tem veneno. “Mas possuem uma mordida bastante forte, especialmente essa gigante. Mas tem também a formiga soldado. O pessoal andou reclamando que no ponto de ônibus foi atacado por formiga, mas não foi pela gigante. Foi a formiga soldado, que na revoada do formigueiro, ela fica solidária e protege essas formigas grandes. Então quem estava mordendo as pessoas não era a formiga gigante, mas o grupo dos soldados do formigueiro, que fazem uma proteção territorial.”

A reportagem confrontou o entomologista com a frase do pesquisador naturalista francês Yves Saint-Hilaire, que se instalou no Brasil Colônia entre 1816 e 1822, e que virou slogan de campanhas feitas por vários governos contra a mais danosa das espécies de formiga: “Se o Brasil não acabar com a saúva, a saúva acaba com o Brasil”. Naquele tempo, ele ficou impressionado com a ação de formigas cortadeiras. Um único formigueiro adulto, por exemplo, de cerca de três metros de profundidade, provoca uma perda anual média de três toneladas por hectare em uma plantação de cana-de-açúcar e naquela época ele já havia observado que esses insetos eram capazes de destruir árvores frondosas, além de arbustos, culturas, pastos e grama. “São frases apocalípticas, porque a pessoa vivenciou em um período em que não se tinha muita estratégia de controle. Hoje nós temos boas estratégias de controle e um bom produto que exige uma boa máquina para aplicação. Hoje, em uma fazenda, eu consigo reduzir a população drasticamente, embora não seja possível erradicar”, expôs.

Ele explicou que a rainha põe o ovo de formiga gigante uma vez por ano. “É ele que vai produzir a formiga com asas, que pode ser tanto o macho quanto a fêmea. Isso é muito sincronizado, porque tem que ter essa diversidade genética. Se saíssem formigas só de um ninho, ia acasalar com um membro do mesmo ninho e isso ia resultar em endogenia, que não é interessante. Quanto maior a variabilidade genética, melhor. Então isso é muito sincronizado.”

Ele explicou que nessa fase alada as formigas não estão em busca de alimentação, mas de reprodução. “As pessoas pensam que esse tipo seja como um gafanhoto que vai acabar com a plantação, mas de forma alguma isso ocorre, Nessa fase ela tem dois interesses, que é o acasalamento e depois a construção de um novo ninho, especialmente a fêmea. Isso deve ocorrer em praticamente de 8 a 12 horas, porque se não ela não for devorada por pássaros ou por formigas carnívoras ou por besouros no solo, ela pode morrer de desidratação ou por encharcamento do solo. A gente fala que 10% conseguem seus objetivos, mas têm pesquisas que falam que só 1% delas prosperam em fazer novos ninhos.”

Questionado se há algum tipo de controle biológico que evite o uso de produtos químicos, o entomologista afirmou que há uma mosca que parasita a cabeça da formiga, mas não tem competência para liquidar o ninho. “Isso porque tem muita formiga. Se a formiga vivesse isoladamente seria eficaz, mas como é uma sociedade supomos que o parasita consiga reduzir aí de 1% a 5% da população, ou seja, não consegue reduzir a ponto de não ter problema na agricultura.” Ele ressaltou que os controles biológicos buscados e pesquisados hoje são à base de fungo. “Nós, por exemplo, trabalhamos com uma isca com fungo e tivemos sucesso de controle por quatro a seis meses. Então existe solução biológica, mas ela não está sendo comercializada ainda, porque a estratégia da formiga é sempre muito mais eficiente do que a tentativa de controle. As soluções biológicas precisam ser somadas com alguma outra estratégia”, apontou.

Com a revoada também surgiram nas redes sociais as receitas de como preparar essas formigas como iguaria. “Na culinária tem que ser alguma coisa que compense em termos de tamanho e essa é a maior formiga que existe. Ela é muito rica em proteínas. Toda essa parte depois da cabeça, que a gente fala que é o abdômen e o tórax, os índios usam muito isso. Quando tem revoada eles comem como uma iguaria. Muita gente frita em azeite, principalmente em São Paulo. Aqui no Paraná também tem muita gente que tem hábito. Eu já participei de defesa de tese em uma universidade de Botucatu (SP), que tem os maiores especialistas de formiga do Brasil, e lá teve degustação de formiga com salzinho.”

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RECEITA

FAROFA DE IÇÁ

Ingredientes:

Duas xícaras de formiga içá (ou saúva)

Vinagre

Farinha de mandioca

Óleo

Sal a gosto

Meia cebola picada

Meia pimenta dedo de moça picadinha

Modo de fazer:

Retire as asas, as pernas e o ferrão das formigas (deixe somente o abdômen e a bundinha); lave as formigas com vinagre; em uma panela aqueça óleo e coloque uma porção de sal. Doure a cebola e a pimenta picadinha. Quando estiver bem quente, coloque as formigas, elas vão pipocar e inchar. Deixe fritar até a casca ficar durinha, crocante. Então adicione a farinha de mandioca, aos poucos, até virar uma farofa.

(Reportagem exclusiva da FOLHA On-line)

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