A Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 4968/19, da deputada Marília Arraes (PT-PE) e mais 34 parlamentares, na última quinta-feira (26), que prevê a distribuição de absorventes higiênicos para estudantes de baixa renda, mulheres em situação de rua ou vulnerabilidade social, presidiárias e adolescentes internadas em unidades de cumprimento de medida socioeducativa. Além da distribuição dos absorventes, a proposta prevê a inclusão nas cestas básicas e a distribuição de materiais informativos a respeito do ciclo menstrual e saúde feminina. O maior objetivo da lei é o de diminuir as dificuldades que tantas pessoas ao redor do Brasil e do mundo passam quando se trata da menstruação.

Em relação ao Estado, o PL 944/2019, assinado pelos deputados Boca Aberta Junior (PROS), Goura (PDT), Cristina Silvestri (CDN), Mabel Canto (PSC), Cantora Mara Lima (PSC), Luciana Rafagnin (PT), Michele Caputo (PSDB) e Luiz Cláudio Romanelli (PSB), foi aprovado na última terça-feira (31), na Assembleia Legislativa do Paraná. O projeto tem o objetivo de combater a pobreza menstrual e garantir dignidade a adolescentes e mulheres que enfrentam essa dificuldade todos os meses. Falta a lei ser sancionada pelo governador Ratinho Junior (PSB).

Em Londrina, também existe um Projeto de Lei a fim de combater a pobreza menstrual, da vereadora Mara Boca Aberta (PROS) e que deve ser votado na Câmara nos próximos dias. O texto prevê a inclusão dos absorventes como item básico de higiene; a promoção de ações que garantem meios seguros na administração da higiene menstrual; a redução das faltas em dias letivos de estudantes durante o período menstrual, evitando assim, prejuízos à aprendizagem; a garantia da acessibilidade de produtos necessários para as mulheres; o desenvolvimento de campanhas de divulgação sobre higiene menstrual e o combate aos tabus que envolvem o processo biológico da menstruação.

A vereadora relata que muitas mulheres em situação de vulnerabilidade pedem para ela esses itens básicos de higiene. Além disso, Mara acrescenta mais um problema em meio a tantas dificuldades: a falta de saneamento básico, o que acaba prejudicando o ato de higienização íntima. “Pelo número de meninas e mulheres me pedindo esses itens, coloquei o projeto aqui para que fossem distribuídos nas escolas, postos de saúde e em órgãos públicos”, diz. “Esses avanços na política mostram que, apesar do grande caminho a percorrer, estamos no começo do trajeto correto a fim de combater esses problemas”, acrescenta.

MAS, AFINAL, O QUE É A POBREZA MENSTRUAL?

Esse termo diz respeito à falta de acesso a produtos de higiene durante o período menstrual, falta de infraestrutura, principalmente, sanitária e falta de conhecimento a respeito do ciclo menstrual e saúde feminina. Esse problema é mais agravante em mulheres em situação de rua, de vulnerabilidade social e presidiárias e é ocasionado, principalmente, pela desigualdade social, racial e de renda.

Esse problema é enfrentado por milhares de mulheres no Brasil e atrapalha diferentes áreas de suas vidas. De acordo com estudos da Toluna, feitos em 2020 e em parceria com a marca Always, 1 em cada 4 meninas já faltou na escola por não poder comprar absorvente e 45% delas afirma que isso prejudicou o rendimento escolar. Por essa carência, muitas meninas e mulheres recorrem a outros tipos de materiais para substituir esse item, como pano, papelão, roupas velhas e até mesmo miolo de pão.

A ginecologista Lorraine Sales afirma que já tirou uma meia de dentro da vagina de uma paciente pela falta de absorvente. Tudo isso pode ocasionar alergia e irritações na pele, infecção urinária, candidíase e até uma infecção bacteriana, que é uma condição mais grave e pode causar a morte. “É importante que a mulher tenha uma boa alimentação, se hidrate, consuma alimentos que diminuam a TPM e a cólica, higiene e acesso a saneamento básico”, comenta. A luta, portanto, é que os itens de higiene feminina deixem de ser um privilégio e passem a ser um direito.

ARRECADAÇÕES

Em Londrina, apesar de ainda não haver políticas públicas atuantes que tenham a intenção de combater esse problema, há alguns projetos de coletivos que tentam minimizá-lo.

Em fevereiro deste ano, o Club da Luta Feminino de Londrina - coletivo formado por mulheres a fim de ajudar outras mulheres - realizou uma campanha de arrecadação de absorventes e itens de higiene básica, que foram destinados a mulheres em situação de rua, periféricas e presidiárias. A ação contou com a adesão de algumas empresas privadas de Londrina, que viraram, também, pontos de coleta desses materiais.

Ana Graika Fagundes foi quem coordenou a campanha e é hoje quem está à frente do coletivo. Ela relata que se envolveu com o grupo com o objetivo de ajudar outras pessoas. Nessa época, o filme “Absorvendo o Tabu” havia acabado de ganhar o Oscar de melhor documentário de curta-metragem. Isso despertou o interesse dela em se aprofundar no tema. “Eu vi que a pobreza menstrual, além do que muitas pessoas pensam, vai muito além da falta de absorventes, é a falta de dignidade da pessoa que menstrua, a falta de acesso à boa alimentação nesse período, falta de saneamento básico e outras questões”, aponta.

Entregas do Club da Luta
Entregas do Club da Luta | Foto: Ana Graika Fagundes

A ação do Club da Luta Feminino durou um mês e foram arrecadados 50 pacotes de absorventes para mulheres encarceradas e 12 pacotes e 85 unidades de absorventes ecológicos para mulheres em situação de rua, junto com o Projeto Caridade no Domingo. A intenção da coordenadora é continuar fazendo arrecadações como essa. Para ela, a luta contra a pobreza menstrual é contínua e não pode parar. Segundo Ana, o próximo passo é fazer a distribuição dos itens dentro dos bairros da cidade. “O que eu peço é mais empatia com essas pessoas, porque ninguém sofre desse problema porque quer. Se a pessoa está nessa situação, é porque faltaram políticas públicas para auxiliá-la nesse momento”, ressalta.

Outra movimentação registrada na cidade com grande repercussão foi em julho e agosto deste ano. A CUFA (Central Única das Favelas) Paraná e o Coletivo Igualdade Menstrual realizaram uma campanha de arrecadação de absorventes em Londrina, Maringá e Curitiba. O encontro desses dois grupos se deu em uma ação solidária em Curitiba. Lua Gomes, coordenadora da CUFA na região norte do Paraná, conheceu o Coletivo e se deparou com o forte engajamento que ele possui nas redes sociais, trazendo à tona o assunto. A partir disso, surgiu a ideia de programar uma ação que, inicialmente, atendesse as três cidades.

Entrega da CUFA
Entrega da CUFA | Foto: Ana Laura Silva - Prefeitura de Maringá

A ação foi realizada em parceria com a UEM (Universidade Estadual de Maringá) e seus projetos de extensão, o que resultou em uma participação de outras cidades próximas.

Também teve a participação da Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres de Maringá e da Câmara Municipal de Maringá. A meta foi atingida e foram arrecadados 6.600 pacotes de absorventes por meio da participação popular e destinados a 550 mulheres em situação de vulnerabilidade econômica. Essa quantidade representa o equivalente a seis meses de uso. Foram 50 mulheres atendidas em Cambé, 50 em Rolândia, 53 em Maringá, 57 em Sarandi e 350 em Londrina. A faixa etária das pessoas, até o momento, é de 10 a 50 anos.

Entrega da CUFA
Entrega da CUFA | Foto: Ana Laura Silva - Prefeitura de Maringá

A campanha resultante da parceria dos dois coletivos permanece de maneira contínua. “Quando falamos de pobreza menstrual, antes de falar da condição da mulher, é sobre a condição do ser humano. A pobreza afeta a qualidade de vida. Seja o absorvente ou quaisquer outros itens que façam com que a mulher se sinta com mais dignidade socialmente, a gente continua nessa luta para distribuí-los”, declara Lua.

Apesar do grande volume de doações, Londrina foi a cidade que teve menor adesão em relação às outras. Lua aponta o conservadorismo da sociedade como um dos principais motivos para a baixa participação. “A discussão sobre a pobreza menstrual acaba deixando algumas pessoas desconfortáveis, como se fosse uma anomalia, e não parte da existência feminina”, declara.

Entrega da CUFA
Entrega da CUFA | Foto: Acervo Projeto Conexões Londrina

TABU

A menstruação ocorre todos os meses em aproximadamente metade da população mundial. Ainda assim, o debate sobre o tema é tido como vergonhoso, exagerado e, até mesmo, muito liberal. Desde a primeira menstruação, as meninas são ensinadas a esconderem o fato e se esforçarem ao máximo para não serem vistas com uma roupa manchada de sangue ou um absorvente na bolsa. Inclusive, as propagandas de produtos femininos não conseguem retratar a realidade que é passar por um período menstrual, que, além do fluxo sanguíneo, pode vir com dores de cabeça, dores no corpo, cólica, mal estar e outros tipos de desconforto.

A educação é o caminho para a desconstrução desse tabu. Sobre o assunto, a ginecologista Lorraine Sales reforça que a educação integral em sexualidade deve ser difundida, não apenas para prevenir gravidez não planejada, mas como ferramenta para que as mulheres conheçam seus corpos. “Dessa maneira, podemos desconstruir mitos de inferioridade feminina que apontam a menstruação como algo sujo e indigno”, pontua.

PARA VOCÊ SE APROFUNDAR SOBRE O TEMA:

- Documentário “Absorvendo o Tabu”, disponível na Netflix:

Júlia Cavalcante

- Filme “Homem-Absorvente”, disponível na Netflix:

Sony Pictures India

- Ted Talks com Rafaella de Bona:

TEDx Talks

- Podcast “Nosso Sangue" - OUÇA AQUI

- Palestra IFMSA Brazil UEL:

IFMSA Brazil UEL

-Pobreza Menstrual - O preço pago por ser mulher - OUÇA AQUI

- Livro “Presos que Menstruam”, de Nana Queiroz.



(Reportagem exclusiva da FOLHA on-line)