OAB ajuíza ação para “frear” ensino a distância em cursos de direito
Entre 2008 e 2018, crescimento da oferta da modalidade presencial foi de 10,6% e no EaD, de 196%
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sábado, 09 de novembro de 2019
Entre 2008 e 2018, crescimento da oferta da modalidade presencial foi de 10,6% e no EaD, de 196%
Vitor Struck - Grupo Folha
Com o objetivo de frear um “boom” na liberação de novos cursos de direito na modalidade EaD (ensino a distância), o Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) ajuizou ação na 7ª Vara Federal do Distrito Federal. O objetivo é que a Justiça determine a interrupção do credenciamento de instituições de ensino que ofereçam a graduação nessa modalidade e que o governo não conceda a autorização para os pedidos que estão “represados”.
O EaD no direito e em outros cursos de graduação e pós-graduação é permitido e utilizado já há alguns anos de forma híbrida até que, em maio de 2017, a legislação foi atualizada por uma portaria do MEC (Ministério da Educação). A medida judicial da OAB foi tomada nesta sexta-feira (1º) e reforça pedido feito por membros da entidade em agosto ao ministro da Educação, Abraham Weintraub, para a suspensão da autorização de novos cursos por cinco anos, o que não foi atendido.
De acordo com a ação, a atual regulamentação das diretrizes curriculares se refere exclusivamente à modalidade presencial de ensino, “de modo que inexiste previsão legal para cursos em EaD”.
Segundo a OAB, entre 2008 e 2018 o crescimento da oferta de cursos presenciais de direito no Brasil foi de 10,6% e no EaD foi de 196%. A instituição cita dados do Censo da Educação que apontam variação positiva de 27,9% na oferta de cursos somente entre 2017 e 2018. E, também, aponta que, em 2018, 40% das vagas eram de ensino a distância.
O Brasil tem, segundo a OAB, 1.682 cursos de direito, com 880 mil alunos. O País é o primeiro do mundo em número de instituições que ofertam a graduação.
O presidente da OAB-PR, Cássio Telles, considera que a baixa aprovação de novos bacharéis em direito no exame da Ordem dos Advogados do Brasil, em média 25% por edição da prova, sendo três por ano, corrobora a necessidade "de se repensar a qualidade de alguns cursos e a metodologia utilizada".
"Algumas instituições, evidentemente, são exceção, aprovam bem mais do que a média, mas essa média mostra que não existe por parte do MEC uma fiscalização sobre a qualidade do ensino. O ensino de qualidade é uma garantia constitucional. O Tribunal de Contas da União, no ano passado, notificou o Ministério da Educação de que o sistema de avaliação dos cursos jurídicos é falho e que deveria ser apresentada uma nova forma. Até hoje não apresentou”, lamenta.
Telles avalia que o número de cursos na modalidade presencial é suficiente para suprir a demanda e nega que a medida tenha o objetivo de promover “proteção de mercado”. “De maneira nenhuma, até porque a prova é extremamente acessível, e ainda assim se tem um nível baixíssimo de aprovação. Queremos proteger o mercado com bons profissionais e o cidadão, porque a advocacia define o rumo das pessoas, empresas, famílias. Isso tem que ser visto com muita responsabilidade”, afirma.
O Paraná conta com um advogado para cada 166 habitantes, o que, para Telles, é um "mercado inchado". “Claro, há espaço para quem se aprofunda em novos ramos porque há novas fronteiras do direito surgindo. Mas o mercado está saturado”, avalia.
Na prática, após o pedido de credenciamento no MEC, a Secretaria de Regulação do Ensino Superior solicita ao Inep (Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) que envie avaliadores para verificar o projeto do curso e as condições de implementação. Desde a publicação do decreto 9.057, de maio de 2017, as instituições de ensino que possuem o CI3 (Conceito Institucional 3) do MEC podem criar até 50 polos de EaD por ano, as com CI4 estão aptas a criar até 150 e as com CI5, até 250.
Para o advogado José Antônio Bernardo Junior, 42, único aprovado no mais recente exame da Ordem dos Advogados do Brasil dentre os 25 formandos do curso de direito de uma faculdade particular que utiliza o ensino a distância, a plataforma de ensino utilizada pouco diverge da modalidade presencial.
"Acho que o ponto mais preocupante é que o professor em sala de aula te passa experiência, exemplifica situações e facilita o seu entendimento. O professor faz falta, por mais que eu me dedicasse a estudar, havia muita coisa ali que teria que correr atrás para não passar batido. Se você tem o professor ali para tirar as dúvidas é mais fácil de entender", avalia.
Para ele, ter feito estágio em um escritório de advocacia também foi fator importante para garantir a aprovação, o que se concretizou enquanto cursava o último semestre da faculdade. No entanto, ele considera que a recente "explosão" dos cursos em EaD representa mais uma "pulverização" do ensino em comparação com o "aprofundamento" constatado em uma universidade pública, por exemplo.
"Ele dá ensino para as pessoas em locais mais isolados, de difícil acesso, mas pulverizado, não aprofundado. Pelo fato de ser um estudo via internet, quem não tem tempo de ir à faculdade, a hora que estiver cansado poderá burlar e quem vai para a sala de aula estudar, estuda", avalia o advogado de Londrina.
Entidade vê ação com "estranhamento"
Nesta segunda-feira (4), o presidente da Abed (Associação Brasileira de Educação a Distância), Frederic M. Litto, publicou nota no site da instituição em que manifesta "estranhamento" sobre a ação e argumenta que, enquanto na modalidade presencial um docente é responsável pelo ensino, no EaD os conhecimentos são transmitidos por uma “equipe de especialistas”. Ele acrescenta que a modalidade permite o uso de recursos como vídeo interativo e realidade aumentada, entre outros. Acrescenta que as universidades têm autonomia em relação aos cursos e demais programas acadêmicos, assim como os conselhos nacionais de categorias profissionais têm para determinar critérios de admissão e de avaliação periódica para exercício da atividade.
Questionada pela FOLHA, a Abmes (Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior) decidiu não se manifestar sobre a ação. No entanto, dados da entidade mostram que 30% das matrículas no ensino superior correspondem à modalidade EaD, assim como 11% do faturamento das instituições. Já o valor médio das mensalidades gira em torno de R$ 785,15 (presencial) e R$ 237 (EaD).
Atualmente, apenas cinco universidades possuem 52% do mercado de ensino superior a distância, sendo o Grupo Kroton dono de 16% da fatia com quase 320 mil alunos em 48 cursos.
O MEC informou que ainda não foi notificado oficialmente da ação e não respondeu ao questionamento da reportagem sobre a quantidade de pedidos de abertura de cursos de direito que estão atualmente sob análise.