Segundo estudo da UTFPR, cerca de 11 mil veículos passam todo os dias pela rua Sergipe, no centro da cidade
Segundo estudo da UTFPR, cerca de 11 mil veículos passam todo os dias pela rua Sergipe, no centro da cidade | Foto: Gustavo Carneiro



Uma poeira tão fina que não se pode enxergar, invade o pulmão através da respiração, entra na circulação sanguínea e provoca efeitos adversos por todo o corpo. Quando isso ocorre de forma intensa e contínua, os danos à saúde não passam despercebidos como esse agente que paira no ar. Em uma das vias de comércio mais movimentadas de Londrina, a rua Sergipe, o ar perde qualidade pela presença de poluentes, especialmente o material particulado fino, a chamada poeira.

Além das indústrias, os maiores responsáveis pela poluição do ar são os escapamentos dos veículos, com destaque para os pesados, como caminhões e ônibus. Para se ter uma ideia, no horário de pico da manhã, das 7h às 8h, mais de 100 ônibus passam diariamente pela rua Sergipe. Considerando que o número total de veículos, são aproximadamente 11 mil, em apenas um dia. Além do trânsito, a via tem uma característica estrutural de um cânion urbano, já que é estreita e cercada de construções dos dois lados. Quem trabalha por lá, convive o tempo todo com o barulho dos carros e a poeira.

"Incomoda muito e a gente não dá conta. Além de limpar o chão várias vezes no mesmo dia, um dos funcionários tem sinusite. Ele praticamente trabalha com a bombinha porque é muita poeira", desabafa Natália Bianca Carvalho, funcionária de um salão que fica próximo a um ponto de ônibus. "Quando o vento sopra perpendicular ao eixo do cânion, são formados vórtices de ar que dificultam a dispersão dos poluentes ali gerados", explica Thiago Landi, estudante de Engenharia Ambiental da UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná).

Ele investigou a qualidade do ar da rua Sergipe, entre as ruas Minas Gerais e Mato Grosso, de janeiro a março de 2016. Os dados coletados foram apresentados no estudo "Quantificação da poluição do ar pela modernização da frota veicular". O trecho foi monitorado em uma estação provisória em uma sala comercial, um salão de cabeleireiros, na cobertura de um prédio a 20 metros de altura e na janela do campus da UTFPR, na zona leste da cidade.

Um dos objetivos do estudo é fornecer subsídios que possam influenciar projetos de melhoria da qualidade do ar na região central, tanto em mobilidade urbana quanto em saúde pública. O estudo de Landi é inédito no município e foi financiado pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), sob a orientação da professora Patricia Krecl, do campus Apucarana. Ela comenta que o trabalho investigou as concentrações de poluentes de esquina a esquina e os fatores que influenciam os níveis de poluição, como o fluxo de veículos, a composição da frota veicular e a meteorologia.

NOVOS CENÁRIOS
Os poluentes avaliados pelo estudante foram o BC (black carbon), popularmente chamado de fuligem, NOx (óxidos de nitrogênio) e o MP2,5 (material particulado fino). Todos derivados da queima incompleta de combustíveis fósseis. Com os dados em mãos, Landi validou um modelo de dispersão, que funciona como uma ferramenta computacional que descreve com equações físico-químicas, a dinâmica da dispersão desses poluentes a partir da emissão.

"Conseguimos reproduzir isso muito bem, o que nos possibilitou criar cenários, isto é, imaginar um outro trânsito. Por exemplo, como seria a qualidade do ar neste trecho no caso de modernização da frota pelo uso de tecnologias disponíveis no mercado, como a eletrificação dos ônibus", destaca Krecl.

De acordo com a professora, o cenário mostrou uma redução de 44% de NOx eletrificando a frota de ônibus. Essa informação pode embasar uma estratégia, como por exemplo, os ônibus rodarem com diesel ou biodiesel por um determinado itinerário e ao circularem na área central, mudarem para o modo elétrico. "Isso evitaria as emissões pelo escapamento em trechos específicos. Esses tipos de ônibus já existem e alguns modelos estão sendo testados em Curitiba", afirma. Outros cenários possíveis, segundo ela, seria o rodízio de veículos ou mesmo um pós-tratamento das emissões, a exemplo da Europa.

Krecl diz que os poluentes podem ser filtrados por um acessório na saída do escapamento. "Isso filtraria partículas, servindo como uma espécie de barreira para esses níveis de fuligem e material particulado", acrescenta. A doutora em Ciências Ambientais adianta que uma vistoria anual será obrigatória a partir de 2019. Todos os carros, segundo a resolução do Conselho Nacional de Trânsito, terão inspeção de emissão de poluentes durante a checagem dos equipamentos de segurança. As novas regras foram publicadas no mês de dezembro, no Diário Oficial.

Ela integra um projeto semelhante que avalia as emissões de poluentes (industriais e veiculares) em toda a Região Metropolitana de Curitiba, com o objetivo de avaliar cenários futuros com uma frota de ônibus mais moderna e menos poluente. O estudo conta com a colaboração técnica de pesquisadores da Suécia e deverá ser concluído no final deste ano. Em Londrina, o estudo contou com a colaboração dos professores Admir Targino, campus Londrina, e Matthias Ketzel, da Aarhus University, na Dinamarca, um dos criadores do modelo OSPM (Operational Street Pollution Modelo) usado por Landi para simular as concentrações de poluentes.

IAP
A diretora de Monitoramento Ambiental e Controle da Poluição do IAP (Instituto Ambiental do Paraná), Ivonete Chaves, ressaltou que, no geral, a qualidade do ar em Londrina é boa. Afirmação, segundo ela, é feita com base nos dados de uma estação fixa de monitoramento da qualidade do ar que coleta dados de hora em hora, de toda a cidade, desde o final de 2016. "A análise segue o IQAr (Índice de Qualidade do Ar) e até agora, não houve nenhuma alteração significativa em nenhum dos poluentes", ressalta. O equipamento foi instalado na sede do IAP, atendendo uma resolução do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente).

Além de uma estação meteorológica que mede a temperatura e direção do vento, são registrados os poluentes: ozônio, NOx, SOx (óxido de enxofre), PTS Total (partículas totais em suspensão), PM10 (partículas inaláveis) e THC (hidrocarbonetos totais). Para o MP2,5 (material particulado fino) ainda não há um medidor específico instalado.

Adoecimento é silencioso

Assim como não enxergamos a poeira que invade nosso corpo através da respiração, não percebemos a curto prazo, os males que causam à saúde. Segundo a médica Evangelina Vormittag, um dos problemas da poluição do ar é justamente esse adoecimento silencioso. "Atualmente, a poluição do ar é o fator de risco ambiental mais importante associado ao adoecimento e morte no mundo, ultrapassando a água. Ele é um agente carcinogênico e está diretamente relacionado à mortes em crianças, ultrapassando a diarreia", destaca.

No Brasil, de acordo com um levantamento da OMS (Organização Mundial de Saúde), para cada 100 mil habitantes, 15 morrem em decorrência da poluição do ar. Há diferentes poluentes nos centros urbanos, mas os mais importantes em termos de saúde pública são o material particulado (poeira) e o ozônio. A médica salienta que além do adoecimento e do impacto no sistema respiratório, o ar poluído está relacionado a outros tipos de câncer, como o de bexiga, mama e tecido hematopoiético, além do de pulmão.

Ela é médica e diretora do Instituto Saúde e Sustentabilidade em São Paulo, que tem o propósito de atuar nos efeitos da poluição na saúde humana. Vormittag salienta que a doença cardiovascular também tem relação com o ar dos centros urbanos. "As pessoas automaticamente relacionam a poluição do ar com problemas respiratórios, mas somente 20% da população é atingida nesse sentido. Os 80% tem efeito cardiovascular, como infarto do coração, arritmia e derrame cerebral", explica.

Já se sabe também, que o ar poluído, principalmente o material particulado fino, tem efeitos na reprodução humana, obesidade, diabetes e estudos recentes ainda apontam perda óssea e até a visão. Jair César de Santana é segurança de uma relojoaria na rua Sergipe, no centro de Londrina, há 12 anos. Ele revela que há alguns anos passou a usar colírio para aliviar a irritação nos olhos. "Todos os dias, no final da tarde, o olho começa a coçar e ficar vermelho. Tenho certeza que isso é causado pela poeira, pois aos finais de semana e feriados, quando estou em casa, isso não acontece", observa.

O nível de exposição e a suscetibilidade do indivíduo são determinantes para os efeitos do ar poluído na saúde, de acordo com a médica Vormittag. Ela diz que o ar não é como a água, que nos permite optar por uma fonte mais limpa ou engarrafada, por exemplo. No entanto, ela faz algumas recomendações para a população amenizar os impactos. "O uso de máscara ajuda bastante, assim como fazer exames periódicos; evitar ficar muito tempo ao ar livre se a concentração de poluentes for alta; evitar se exercitar em vias de tráfego muito intenso; optar por andar em ruas internas ao invés das movimentadas e se for um dia muito quente, evitar os horários de pico de temperatura, pois a luz solar aumenta os níveis de ozônio, mesmo em parques e áreas livres", finaliza.

'Padrões de qualidade são permissivos'

O estudo que investigou a qualidade do ar em um trecho da rua Sergipe, mediu uma concentração de 20.7 ug/m3 (microgramas por metro cúbico) de NO2 (dióxido de nitrogênio). Os pesquisadores consideram o NO2 e o NO (monóxido de nitrogênio), como NOx (óxido de nitrogênio), pela conversão entre eles em condições fotoquímicas.

De acordo com a coordenadora do estudo, Patricia Krecl, a regulação 03/1990 do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente), descreve uma tolerância de concentração média de 320 ug/m3 para o mesmo período de tempo. "Para a fuligem (black carbon), que é uma fração do MP2,5 (material particulado fino), não há um padrão estabelecido no País, mas o estudo verificou a concentração de 7 ug/m3, no pico entre às 7h e 8h. Ao longo do dia, esse valor reduz e volta a subir entre 18h e 19h", detalha.

Já o ozônio tem a tolerância de 160 ug/m3 em uma concentração média de uma hora. "Em nossa tabela, o nível foi de cerca de 33 ug/m3", afirma Krecl. O ozônio é considerado um poluente secundário, pois não é emitido diretamente dos veículos e das indústrias. Ele surge da conversão do NO2 com outros compostos, na presença da luz solar. Krecl explica que os valores dos poluentes apresentados pelo estudo estão dentro das normativas, no entanto, enfatiza que no País, "os padrões para qualidade do ar são permissivos, além de defasados, pois são do ano 1990. De lá até aqui, o único estado que fez uma mudança foi São Paulo, a partir de janeiro de 2013. Os demais estados continuam obedecendo a legislação de 1990", completa.

A médica Evangelina Vormittag, do Instituto Saúde e Sustentabilidade, em São Paulo, comenta que a OMS (Organização Mundial de Saúde) publicou em 2015, um guia recomendando níveis de concentração para garantir uma salvaguarda da saúde da população. Ela diz que o material particulado não deveria ultrapassar 50 ug/m3 por dia, mas no Brasil se aceita um nível até 150 ug/m3. "Ou seja, o triplo que o recomendado pela OMS. Em países como a França, por exemplo, isso já seria considerado um nível de emergência, com restrição no tráfego de veículos, interrupção das aulas para crianças e a recomendação para as pessoas não se exercitarem ao ar livre", argumenta.