O acervo do material depositado no Arquivo Público é todo o material da Dops (Delegacia de Ordem Política e Social) produzido no Paraná e que foi preservado após o fim da ditadura militar. “Muita coisa foi sabidamente descartada ao término do regime”, destaca Marina Braga Carneiro, historiadora e coordenadora da Seção de Documentação Permanente do Arquivo Público do Paraná.

Ficha individual de Daniel José de Carvalho na DOPS/PR , que foi banido do território nacional por ter sido trocado pelo embaixador suíço.
Ficha individual de Daniel José de Carvalho na DOPS/PR , que foi banido do território nacional por ter sido trocado pelo embaixador suíço. | Foto: Arquivo Público

Segundo Carneiro, a destinação do material da Dops para o Arquivo Público é importante para a história do país, para a preservação dessa documentação em local com condições adequadas e a disponibilidade de acesso a pesquisadores. “Isso é extremamente importante, pois tratam-se de registros de parte significativa da história nacional do século 20, desde a época de Getúlio Vargas até o final da ditadura militar. Além disso, a manutenção dos documentos permite a preservação da memória desse período, sendo objeto de trabalho de inúmeros pesquisadores e até mesmo das comissões Nacional e Estadual da Verdade.”

Ainda assim o arquivo remanescente é vasto. “São fotografias, recortes de jornais, relatórios originais, fichas dos indiciados na polícia, distribuídos em mais de 47 mil fichas individuais, aproximadamente 3.800 pastas individuais, 2.500 pastas temáticas diversas. Esse acervo é bastante extenso e diverso, sendo composto por fichas e pastas individuais (dossiês) e pastas temáticas que datam de 1937 a 1989.”

Embora o Decreto Estadual 577, de 11 de julho de 1991, tenha transferido o acervo arquivístico da extinta Dops para o Arquivo Público do Paraná há 30 anos, somente a partir do Decreto 8.557/2013, o acesso aos documentos da Dops tornou-se livre e aberto ao público, sem restrições.

Questionada se é possível conseguir cópias on-line deste material, Carneiro informa que devido à grande demanda por acesso a essa documentação, o fundo documental da Dops foi inteiramente digitalizado e está disponível mediante solicitação por e-mail ou para pesquisa presencial no Arquivo Público do Paraná.

Este acervo foi o primeiro da Dops a ser aberto no país. Carneiro explica, no entanto, que mesmo antes da abertura do acervo da Dops ao público em geral, algumas iniciativas sobre esse acervo foram realizadas com outras instituições. “Em 2010, a Rede Memórias Reveladas (http://www.memoriasreveladas.gov.br/index.php/historico), sob coordenação do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, atingiu 30 instituições (inclusive o Arquivo Público do Paraná); em novembro de 2011 foi instituída a Comissão Nacional da Verdade (Lei 12.528/2011); no ano seguinte foi criada a Comissão Estadual da Verdade no Paraná (Lei 17.362/2012). A documentação da Dops vem sendo amplamente pesquisada e divulgada, sendo fruto de trabalhos acadêmicos e grupos de trabalho.”

Instigada a exemplificar alguns dos materiais relevantes que compõem esse acervo, ela ressalta que as fichas individuais são de pessoas fichadas pelos mais diversos motivos. “Na época do Getúlio Vargas, eram principalmente imigrantes japoneses, italianos e alemães, que eram fichados como uma forma de controle dos ‘membros do Eixo’. Na época da ditadura militar, eram estudantes que participavam de eventos estudantis, jornalistas, artistas, políticos da oposição etc. As pessoas que eram fichadas mais de uma vez ou a qual a Dops tinha muitas informações, eram fichadas em pastas individuais, os chamados dossiês. As pastas temáticas são de diversos assuntos, como associações, sindicatos, jornais, assuntos correlatos à educação etc.”

Ela ressalta que o arquivo possui fichas de pessoas como Dilma Rousseff, Eduardo Requião de Mello e Silva, Eduardo Rocha Virmond, Edwino Tempski, Fernando Antonio Fontoura Bini, Leonel Brizola, Miguel Arraes, Nilso Romeu Sguarezi, entre outros.

Sobre as dificuldades de catalogação e como está sendo o processo de adequação das fichas ao padrão do Arquivo Público, ela ressalta que quando a documentação foi transferida ao Arquivo Público, em 1991, ela foi reorganizada, arrolada e separada em três categorias: fichas nominais, pastas nominais e pastas temáticas. “Foram criadas planilhas eletrônicas com a relação das pastas temáticas e planilhas onomásticas (fichas e pastas individuais), contendo a referência, data e assunto. Essa documentação foi trabalhada intensamente pelo Setor de Documentação Permanente e foi acondicionada em caixas-arquivo tamanho padrão. Atualmente ela encontra-se totalmente digitalizada.”

Uma das pessoas que realizou pesquisas no material foi a jornalista Eleonora Camargo de Mendonça, mestre em Comunicação pela UFPR (Universidade Federal do Paraná). “Eu tive contato principalmente com os arquivos individuais das pessoas que foram fichadas durante a ditadura militar. Embora seja fácil acessá-los, eu pude perceber o quanto esses arquivos são pouco estudados e trabalhados”, aponta.

“O pessoal do Arquivo Público foi muito solícito ao me conceder acesso ao material e é muito bacana, porque eles estão todos digitalizados e isso facilita muito o trabalho do pesquisador. A questão é que eles estão pouco sistematizados, pelo menos no caso das fichas individuais. O arquivo cataloga por número, então lá estão disponibilizados como ficha número 1, ficha número 2, ficha número 3. Ou então pelo nome das pessoas. O meu trabalho foi no sentido de tentar fazer um tipo de sistematização mais ou menos para entender que público era aquele que tinha sido fichado. São quase 50 mil fichas individuais, então é um grandíssimo número e a gente está falando aí da história do nosso país, que não pode ser esquecida.”

Durante a sua pesquisa, Mendonça fez um cálculo amostral para analisar as fichas de forma um pouco mais direcionada e tentou encontrar algumas dessas pessoas que estavam relacionadas nessas fichas. “Eu não encontrei personalidades, mas encontrei nomes de pessoas que ainda estavam vivas e que ainda estavam acessíveis. Eu tive que ir atrás pelas redes sociais. Vi que tinha pessoas ligadas a movimentos sociais e que foram fichadas pela Dops na época, como também tinha pessoas que não tinham a menor ideia de que tinham sido fichadas”, ressalta.

Entre as histórias que ouviu durante a sua pesquisa, Mendonça conta que ficou emocionada ao ouvir o relato de uma pessoa que teve o pai preso na cela ao lado. “Ele escutava o pai sendo torturado. Foi um depoimento muito forte e de muita emoção desse filho”, diz.

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