O Paraná possui números paradoxais no que se refere aos indicadores de qualidade de vida na primeira infância — fase que vai da gestação até os seis anos. Enquanto o Estado se destaca em áreas como cobertura de exames pré-natais, possui números ruins em relação a partos cesáreos. Os dados, relativos aos 5.568 municípios brasileiros no ano de 2020, foram coletados de fontes oficiais de informação.

O estudo é resultado de parceria entre os Tribunais de Contas brasileiros e o CNJ (Conselho Nacional de Justiça). O material aponta que o Paraná é a unidade da federação com melhor cobertura de consultas pré-natal: obteve 84,8% no indicador, que considera a proporção de sete ou mais consultas desse tipo durante a gestação. A média nacional é de 71%. Em Londrina, a cobertura de gestantes que realizaram sete ou mais exames pré-natais é levemente superior à média estadual - 85%. Contudo, 64,9% dos partos no Paraná são cesáreas, índice considerado o 25º pior no Brasil. O Estado que possui o melhor índice é de Roraima - apenas 35% dos partos são cesáreas.

Laura Ferreira Lago, com Danilo Lagoeiro e os filhos Rudá e Iaci, fala dos benefícios do parto normal: “Não tive que tomar antibiótico e anti-inflamatório e a recuperação é bem mais rápida"
Laura Ferreira Lago, com Danilo Lagoeiro e os filhos Rudá e Iaci, fala dos benefícios do parto normal: “Não tive que tomar antibiótico e anti-inflamatório e a recuperação é bem mais rápida" | Foto: Gustavo Carneiro

O casal Danilo Lagoeiro e Laura Ferreira Lago tem dois filhos, Rudá, de 4, e Iaci, de apenas 45 dias. O primeiro nasceu de cesárea e Iaci nasceu de parto normal (também conhecido como vaginal) e em casa - embora o procedimento domiciliar não tivesse sido planejado. Laura realizou mais de 12 exames pré-natais com ultrassom, sem contar os exames de sangue, nas duas gravidezes. Depois da experiência do primeiro filho, os dois se cercaram de uma equipe multiprofissional para ter a filha de parto normal.

Laura, que é psicóloga do Tribunal de Justiça, observou que um dos benefícios do parto normal é não ter corte cirúrgico. “Não tive que tomar antibiótico e anti-inflamatório e a recuperação é bem mais rápida. Na cesárea eu sofri um corte e sentia dores quando precisava levantar e precisava dar de mamar. Eu entendo que a cesárea é importante, quando necessário, mas a experiência de ter parto vaginal foi muito mágica", observou. Danilo é professor da UEL (Universidade Estadual de Londrina) e gestor cultural da Secretaria Municipal de Cultura

Imagem ilustrativa da imagem Méritos e deficiências do Paraná no atendimento à primeira infância
| Foto: Folha Arte

ACESSÍVEL

O médico ginecologista Luiz Carlos Baldo, que trabalha em uma unidade básica de saúde de Londrina, aponta que o índice de pré-natal é bom no Paraná porque existe a oferta do serviço de forma acessível. “Aqui em Londrina são mais de 50 unidades de saúde", observa.

Segundo ele, o grande mito entre as gestantes é a questão do parto vaginal. “Percebemos que existe uma cultura grande para que as mulheres realizem o parto cirúrgico. Isso ocorre porque circula a informação de que ele é melhor que o parto natural", afirma. “Talvez também haja um certo receio pela dor, mas o parto vaginal oferece menos risco de infecção e a perda sanguínea normalmente é menor. O tempo de internação é menor também e a recuperação após o parto é também é mais rápida", reforça. Quando essa opção do parto é feita pelo próprio obstetra, ele lembra que no Paraná existe uma lei que dá à gestante a opção de poder escolher a cesariana, mesmo no SUS. "É uma lei polêmica.”

ACOLHIMENTO

A autônoma Mariana Elias Souto de Oliveira, 20, é uma das gestantes que realiza o pré-natal na UBS (Unidade Básica de Saúde) do Jardim San Izidro (zona leste de Londrina). “Quero ter uma gestação saudável e um parto tranquilo também. Não quero ser surpreendida no final”, diz ela, que está com uma gestação de 27 semanas.

A coordenadora de Saúde da Mulher na Atenção Primária do município de Londrina, Priscila Alexandra Colmiran, explica que no município o pré-natal é oferecido nas unidades de saúde das zonas urbana e rural. As consultas são realizadas tanto pela enfermeira quanto pelo ginecologista ou pelo clínico de saúde da família. Ela afirma que o trabalho diferencial de Londrina em relação a outras partes do País é a intensificação da capacitação dos profissionais envolvidos.

De acordo com ela, o pré-natal não é uma demanda apenas de saúde, mas também sociais, que faz com que a equipe busque apoio em outros instrumentos como o Cras (Centro de Referência da Assistência Social), em caso de violência doméstica. “Há casos que pedimos apoio para uma pastoral. A gente vai tecendo uma rede de apoio para essa mulher”, exemplifica.

A enfermeira responsável pela UBS San Izido, Gisele Silva Amadeu, afirma que o primeiro passo é ter um bom acolhimento. “Você passa a ter vínculo com ela e o conhecimento que a gente tem da paciente torna-se muito importante, porque ela se sente segura”, explica. “Se o teste (de gravidez) der positivo já é agendada a primeira consulta de pré-natal e logo no primeiro atendimento é feita a classificação de risco: habitual, intermediário e alto risco.”

Ela explica que habitual é aquela mãe que não tem problema de saúde e não faz uso de droga, de bebida alcoólica ou de cigarro. O intermediário pode ser tanto um risco social quanto alguma doença genética existente na família que possa afetar a gestação. "E alto risco é aquela gestante que já vem com alguma comorbidade ou que tem um histórico de complicação em gestação anterior”, apontou.

ATENÇÃO INTEGRAL

A enfermeira Keli Tomeleri, do HU de Londrina (Hospital Universitário Regional do Norte do Paraná), afirmou que no Paraná há uma assistência bem estruturada às gestantes, com acesso e cuidado integralizado, e isso seria o diferencial do Estado em relação às outras unidades da Federação em relação à cobertura pré-natal. “Isso é o que chamamos de linha guia de atenção materno-infantil. Essa linha engloba algumas ações para garantir o acesso da paciente aos serviços de saúde e dar uma atenção integral de qualidade às mulheres no período gravídico puerperal e também engloba as crianças”, aponta.

Ela explica que no Paraná há a captação precoce da gestante no pré-natal, sendo realizada a estratificação de risco da gestação, se é habitual, intermediária ou de alto risco. “A gente preconiza um mínimo de sete consultas e também garante exames e atendimento especializado quando ela apresentar risco intermediário ou alto”, relata, acrescentando que a vinculação deste instante ao hospital de referência permite que a gestante receba orientação e atenção ao pré-natal, ao planejamento sexual e reprodutivo e ao atendimento do recém-nascido.

ASSISTÊNCIA HUMANIZADA AO PARTO

Com relação ao parto cesárea, a profissional afirma que o o alto índice ainda está relacionado a um contexto sociocultural que envolve muitos fatores. Uma das situações é que ainda há um modelo predominante de atenção ao parto centrado principalmente na figura do médico. “É algo que nós estamos tentando transformar na chamada assistência humanizada ao parto, que não está relacionada ao local onde ocorre ou se ele é vaginal ou cesáreo, mas está associado à categoria de assistência que a mulher recebe, em que as decisões delas são compartilhadas e as escolhas delas são ouvidas e respeitadas", detalhou. "A assistência ao parto deve ser oferecida por uma equipe multiprofissional, incluindo o médico, a enfermeira obstetra, a fisioterapeuta, a psicóloga e tem a presença da doula também."

Ela reforçou que a cesárea deve ser indicada quando há riscos reais para a gestante ou ao feto. “A gente não é contra a cesárea, mas, na maioria das vezes, ela não tem uma indicação concreta e real de ser realizada.”

Percentual de crianças em creches - Brasil
Percentual de crianças em creches - Brasil | Foto: Divulgação/Primeira infância-Mapa 10 indicadores Brasil
Percentual de Cobertura das equipes da Saúde da Família - Brasil
Percentual de Cobertura das equipes da Saúde da Família - Brasil | Foto: Divulgação/Primeira infância-Mapa 10 indicadores Brasil
Imunização contra poliomielite – Brasil
Imunização contra poliomielite – Brasil | Foto: Divulgação/Primeira infância-Mapa 10 indicadores Brasil
Percentual de partos cesáreos - Brasil
Percentual de partos cesáreos - Brasil | Foto: Divulgação/Primeira infância-Mapa 10 indicadores Brasil
Taxa de Mortalidade na Infância – Brasil
Taxa de Mortalidade na Infância – Brasil | Foto: Divulgação/Primeira infância-Mapa 10 indicadores Brasil
Taxa de Mortalidade Infantil – Brasil
Taxa de Mortalidade Infantil – Brasil | Foto: Divulgação/Primeira infância-Mapa 10 indicadores Brasil
Taxa de Mortalidade Materna – Brasil
Taxa de Mortalidade Materna – Brasil | Foto: Divulgação/Primeira infância-Mapa 10 indicadores Brasil
Cobertura de Esgotamento Sanitário – Brasil
Cobertura de Esgotamento Sanitário – Brasil | Foto: Divulgação/Primeira infância-Mapa 10 indicadores Brasil
Percentual de Nascidos Vivos de Baixo Peso – Brasil
Percentual de Nascidos Vivos de Baixo Peso – Brasil | Foto: Divulgação/Primeira infância-Mapa 10 indicadores Brasil
Proporção de cobertura pré-natal – Brasil
Proporção de cobertura pré-natal – Brasil | Foto: Divulgação/Primeira infância-Mapa 10 indicadores Brasil

***

Receba nossas notícias direto no seu celular! Envie também suas fotos para a seção 'A cidade fala'. Adicione o WhatsApp da FOLHA por meio do número (43) 99869-0068 ou pelo link wa.me/message/6WMTNSJARGMLL1