Elas ouvem, apoiam, compreendem, agem, lideram, lutam, transformam. A FOLHA ouviu três mulheres que agem em prol do bem da comunidade e mudam a realidade de outras famílias por meio do apoio e da independência feminina. Conheça três histórias de quem faz por outras e, por consequência, por todos.

Imagem ilustrativa da imagem Líderes comunitárias transformam a vida de outras mulheres
| Foto: Roberto Custódio

Modo artesanal de transformação

Maria José de Teixeira Lopes
Maria José de Teixeira Lopes | Foto: Laís Taine

Afortunado é quem pode aprender com o outro. Maria José de Teixeira Lopes teve uma vida escassa de recursos e abastada de consciência. Dos conhecimentos que traz dos antepassados, o artesanato e a vivência em comunidade talvez sejam os mais presentes no gênio da mulher de 69 anos. Foi unindo esses dois talentos que ela mudou a vida de famílias ao reivindicar e promover mais independência às mulheres do Patrimônio Selva (zona sul), onde vive há 31 anos.

Lá, o caminhão de leite chega cedo, às 5h. A artesã acorda 10 minutos antes para recebê-lo. A casa dela é o ponto de entrega de um programa estadual que distribui leite para famílias carentes e que, por duas vezes na semana, ela recolhe para que as mães busquem no tempo disponível. “Cada uma vem um horário, algumas trabalham e só vêm no final da tarde”, comenta.

O espírito comunitário se manifesta em outras ações. Maria José ensinou artesanato a várias mulheres da região, também atuou com a Pastoral da Criança, liderou Associação dos Moradores do Patrimônio Selva e mostrou que viver em comunidade faz toda diferença.

“Nós criamos a associação aqui em 1996 para ajudar a comunidade, porque não se tinha acesso à saúde aqui. Fizemos os trabalhos com a prefeitura, conseguimos asfalto e algumas melhorias, como a implantação do ônibus.” Para ela, uma das principais conquistas. “Ver ônibus passando aqui na frente da minha casa é a maior relíquia. O dia que eu vi um novo, até tirei foto”, ri.

O ponto de ônibus fica mesmo bem na frente do quintal, que não tem portão, mas tem um flamboyant grande para fazer sombra. Dali ela observou as mudanças na região. “As mães vão cedo trabalhar, elas não dependem mais do marido na lavoura. Elas podem sair sozinhas e hoje eu vejo que as famílias não são mais tão necessitadas de cesta básica”, avalia.

Foi nesse mesmo grupo que Maria José atuou para fazer diferença nas famílias, ensinando o que trouxe da própria vivência ao fabricar utensílios da casa na madeira ou barro e brincar com bonecas de sabugo. “Nunca tivemos aquela riqueza, mas era tudo com capricho, sabe?” O que influenciou na atividade mais tarde. “Hoje sou artesã que trabalha fibra de bananeira e palha do milho. Aprendi por necessidade”, reforça.

Após ser demitida de um emprego, entrou em depressão e encontrou no grupo de mulheres do Jardim Franciscato (sul) a sua recuperação. Viu no artesanato uma das principais ferramentas de mudança. Inclusive na dela. “Não é só por geração de renda, mas ocupação da mente. Trabalhar em conjunto para melhorar a situação, isso vem do convívio com as pessoas”, afirma. Desses encontros, conheceu outras realidades e necessidades e passou a atuar em trabalhos sociais.

Hoje, o grupo de mulheres que coordena recebe diversos cursos realizados em barracão emprestado pela igreja, o intuito vai além de ensinar uma habilidade. “Eu acho que todas nós, mulheres, temos como ajudar outra mulher. De que maneira? Com uma palavra amiga”, destaca a necessidade de apoio.

Maria José tem jeito simples e conselhos bons. Compartilha conhecimento que não se aprende nos livros. “Viver em comunidade, as pessoas terem a gente como espelho, isso vem dos meus pais. Leitura é bom, faculdade é bom, mas o aprendizado vem da vida”, afirma.

Na simplicidade daquela troca, o galo canta sem atrapalhar a conversa e ela agradece por ter pouco e ter tudo. Ostenta viver entre a natureza e sugere receitas naturais: “Se comer 21 folhas por dia de ora-pro-nóbis nunca para de ficar alegre”, ri.

Mais tarde, busca uma muda para que o teste seja aprovado. Questionada se ela tinha seguido a recomendação, responde: “Eu não sou de comer, eu sou alegre pela vida”. Revelando a luta pelas mulheres e, em consequência, pelas famílias, manuseia a palha de milho com a habilidade de quem sabe que tem nas mãos o poder de transformação. O diálogo termina na forma de uma flor.

'Quando acolho a dor do outro, a minha não dói'

Rita de Cássia Lemos
Rita de Cássia Lemos | Foto: Laís Taine

Santa Rita de Cássia casou-se com um marido bruto e infiel, ela o transformou em um homem bom, mesmo assim, ele morreu assassinado por inimigos do passado. Os filhos juraram vingar a morte do pai, mas a santa novamente interveio, fazendo com que perdoassem o assassino. Mais tarde, ela foi viver no mosteiro para trabalhar por outras pessoas.

Rita de Cássia Lemos, 37, do Residencial Vista Bela (zona norte), perdoou o pai no leito de morte pela falta de afeto aos filhos, perdeu um irmão o outro ficou paraplégico em disputa pelo tráfico, casou-se duas vezes, duas lutas diferentes. Depois, passou a atuar por outras mulheres com histórias semelhantes ao fundar a Amvibe (Associação de Mulheres do Vista Bela).

Apesar dos nomes iguais e vida conturbada, Ritinha, como é conhecida, conta a própria vida com autocrítica ao apontar os próprios erros. “Foi uma fase da adolescência onde eu e dois irmãos conhecemos as drogas e a rua no formato que ela é, sem máscaras. Nos envolvemos com o tráfico”, menciona. Isso foi depois de a mãe, com cinco filhos, ter sido abandonada pelo pai em São Paulo e foi viver de favor na casa da irmã até encontrar moradia em barraco no João Turquino (zona oeste).

Foram dias ruins, sem energia elétrica, cozinhando à lenha, viver na rua parecia mais interessante. Experimentou várias drogas, conviveu com o crime de perto. Parte da mudança veio pela arte de rua. “Um dia, voltando para casa muito louca, escutei um rap na casa do vizinho. Eu lembrei de tudo que eu tinha vivido até ali e fiz um propósito que não usaria mais.”

“Tão jovem, sem esperança de vida, tão novo e já suicida”, diz parte da letra "Depoimento de um Viciado", de Realidade Cruel. “Um dia frio, um bom lugar para ler um livro”, o rap repete a letra de Djavan que Ritinha cantou com dor.

O pai reapareceu e sumiu. A mãe casou-se de novo com um homem que a filha julga ter ajudado a colocar a família no eixo. Rita foi trabalhar, largou o vício e o tráfico, começou a namorar e engravidou aos 15.

Teve dois filhos com o primeiro marido, três com o segundo com quem vive há 12 anos. Ele, dependente químico, está internado e quer se curar. “Foi um aprendizado sobre a incapacidade do ser humano, porque ele quer largar e não consegue, a gente via isso e acolhia”, menciona.

Ela se considera romântica, cria os cinco filhos com dificuldade e amor. Depois de tanto ir e vir, ficar na rua, viver em barracos, sofrer e lutar, a recordação de quando recebeu a chave da casa no Vista Bela, há oito anos, é forte. “A primeira semana que a gente se mudou nessa casa... Foi como se a gente tivesse sonhado...”, sorri e se emociona. “Era criança para todo lado, não tinha muro, cachorro entrando, era engraçado e caótico”, ri enquanto enxuga as lágrimas.

E encontrou histórias semelhantes. “A gente começou a se misturar, porque era gente da cidade inteira e todo mundo que vinha para cá tinha um sofrimento. Desgraça era critério para conseguir a casa”, brinca. Sem escolas, creches, ônibus, passou a unir outras mulheres que compartilhavam a mesma situação: sozinhas, com filhos, com perdas e sofrimentos. “A gente começou a se ajudar para conquistar algumas coisas. Como o leite das crianças”, orgulha-se da conquista.

A Amvibe nasceu dessa força por melhorias que as mulheres necessitavam. “Porque a maioria das casas são encabeçadas por mulheres. Tirar esse peso, fortalece as mulheres e fortalece o Vista Bela”, afirma. Se apoiando, conquistaram muito e unem-se nesse coletivo para realizar festas para o Dia das Crianças, Dia das Mulheres e Dia das Mães no bairro.

Pelo rap, movimento que ela não largou há 20 anos, pelos grafites que colorem o bairro, continua sonhando para que as mães não se sintam sozinhas. “Quando acolho a dor do outro, a minha não dói”, comenta.

Das reuniões, saem apoio de quem sofre sozinha e luta junto. “Eu quero trazer balé para cá, porque era o sonho da minha filha. Quero trazer música e esporte, porque meu filho não pode sonhar em ser um jogador de futebol. Quero tratamento emocional para as mulheres pelas histórias que elas passam. O que eu busco para meus filhos e para mim, estou buscando para muitas outras daqui”, fala em espécie de oração.

Ritinha desenvolveu síndrome do pânico e a Amvibe está com algumas ações paralisadas.

Com amigos se vai longe

Antônia Francisca de Araújo
Antônia Francisca de Araújo | Foto: Roberto Custódio

Cultivar bons amigos é uma premissa que Antônia Francisca de Araújo, 64, carrega. Com eles, une forças, aprendeu o trabalho social em um bairro, se tornou líder comunitária de outro. Há 30 anos, ostenta o título de madrinha do Pelotão de Choque de Londrina, com quem tem bom relacionamento, e atua como presidente do Conseg Sul (Conselho Comunitário e Segurança da Região Sul). Defensora da independência feminina, considera uma das principais conquistas seu trabalho na orientação e proteção de mulheres vítimas de violência da sua região.

"Eu bati na porta e perguntei: ‘o que está acontecendo aí?’. O marido dela saiu: ‘Aqui não está acontecendo nada, vizinho não tem que se meter’. Um outro vizinho entrou e a viu espancada no chão.” Antônia contou essa história mostrando que a violência, às vezes, mora ao lado. Há 25 anos, atua na orientação de mulheres vítimas de violência, no Conjunto São Lourenço (zona sul), onde vive. No entanto, o trabalho se estende a outros pontos da cidade, tornando-se abraço àquelas que não sabem a quem recorrer.

Trabalho que começou muito antes, aos 21 anos, quando veio sozinha de São Paulo após desentendimentos com o pai. Morou com o tio, trabalhou em uma mercearia e conseguiu alugar uma casa para que a mãe viesse para a cidade. “Nessa época, eu tinha que fazê-la se valorizar, minha mãe era muito 'trabalhadeira'”, aponta.

Foi assim até ela ficar doente e falecer aos 75 anos, o que ainda dói. “Minha mãe foi um exemplo de mulher de luta. Nós somos em quatro mulheres e nenhuma de nós conseguiu as coisas com facilidade. Sempre tivemos dificuldade, mas com luta ela nos ensinou bom caminho”, conta com emoção.

Foi com essa educação que ela se reuniu em Associação de Mulheres Batalhadoras, do Jardim Franciscato (zona sul), quando ainda tinha 23 anos. Lá, aprendeu com as mais experientes no trabalho social, ajudou crianças e mães.

“Foi indo até que chegou no trabalho com as vítimas de violência, porque elas sofriam muito”, afirma. “A gente via muitas mulheres espancadas, o marido bebia e tinha essa situação. Eu trabalhava no mercado e não tinha tanto tempo, mas eu ia nas reuniões, ajudava fazendo campanha de arrecadação. Então, o que eu podia fazer para ajudar, eu fazia.”

Para ela é inadmissível que uma mulher seja desvalorizada. “Não acho justo a mulher trabalhar o dia inteiro, chegar em casa, ter que lavar, passar, arrumar, fazer comida e chegar o homem para reclamar ou até espancar. Você quer ser valorizada e ainda chega alguém para te jogar para baixo!”, destaca. Antônia foi casada, mas sempre independente. Teve dois filhos e se divorciou do marido há 23 anos.

Tanto tempo atuando na zona sul, recorda da sua primeira manifestação como liderança comunitária no bairro no final dos anos 1980, quando faltava água nas casas e as mulheres tinham que subir com balde na cabeça para usar em casa. “Nos reunimos em oito mulheres e fomos na porta da Sanepar: ‘Daqui não vamos sair, vamos acampar, comer, tomar banho aqui até resolverem nosso problema’”, repete com orgulho a ordem que levou à primeira conquista.

Ela também conta sobre a primeira mulher que resgatou da violência ao perguntar a um garotinho que todos os dias ficava na porta do mercado que trabalhava. Antônia tem o dom de se preocupar com o próximo e faz amizade com facilidade. Com esse talento, as mulheres se sentem à vontade para confidenciar seus traumas mais profundos. “Agora não vou dizer que nessa história você não perde. Quando você consegue mudar a vida de uma mulher, você vê o ganho, mas também tem a perda quando luta por uma pessoa e nem sempre ela aceita ajuda”, lamenta.

Apesar disso, não desiste. Promove festas para as crianças reunindo as pontas da amizade. No último Natal, um soldado se vestiu de Papai Noel e entregou presentes para as crianças, trabalho de união entre amigos. “Isso me gratifica muito, eu gosto de fazer isso... Faço por amor mesmo”, se emociona. “Essas mulheres têm vida sofrida, não têm conhecimento. Você vê a mudança da comunidade e o conhecimento delas também, porque elas com dúvida, vêm me procurar”, revela.