O ano de 2021 marca os 30 anos do fim da subdivisão da Dops (Delegacia de Ordem Política e Social) no Paraná e da abertura dos arquivos secretos. O Decreto Estadual 577, de 11 de julho de 1991, transferiu o acervo arquivístico da extinta Subdivisão de Informações da Polícia Civil, unidade da Secretaria de Estado da Segurança Pública, em 1991, para o Arquivo Público do Paraná, onde permanece desde então. A Dops foi extinta pelo Decreto Nº 577 de 11 de setembro de 1991.

O jornalista Nilson Monteiro, que trabalhou na Folha de Londrina, tem o seu nome registrado nos arquivos da Dops desde o período em que foi estudante da UEL
O jornalista Nilson Monteiro, que trabalhou na Folha de Londrina, tem o seu nome registrado nos arquivos da Dops desde o período em que foi estudante da UEL | Foto: Nani Góis/Alep

Antes de sua criação, as atividades de investigação e controle social eram feitas pelo Comissariado de Investigação e Segurança Pública. A criação da Dops no Paraná foi uma sugestão, dada em 1936, pelo Congresso dos Secretários de Segurança e Chefes de Polícia que ocorreu no distrito da Guanabara, convocado pelos chefes de Polícia do Distrito Federal e pelo Ministério da Justiça. Sua criação tinha como intuito estreitar laços entre as polícias estaduais, bem como uniformizar e racionalizar, no país, meios para defender o regime instituído na época e inibir a expansão do comunismo. A Dops se estruturou por meio do desmembramento das delegacias de polícias especializadas, determinado pela Lei Estadual 177 de 15 de março de 1937.

Durante a 2ª Guerra Mundial e com a adesão do Brasil aos países Aliados, os imigrantes dos países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) foram vigiados e controlados pela polícia política do governo Getúlio Vargas. Um dos prontuários que consta no arquivo da Dops, por exemplo, é o do corretor pioneiro de Londrina, Hikoma Udihara. Nele há um ofício em que o delegado de Ordem Política e Social pede ao delegado da regional de Londrina que destitua o imigrante do cargo de agente da Companhia de Terras Norte do Paraná ou, pelo menos, reduza o exercício das atividades, além de submetê-lo à permanente vigilância pois, “apesar de possuir um filho servindo o Exército (oficial de reserva, convocado) e de haver o referido japonês, requerido sua naturalização antes da guerra, e, mais, de já estar residindo há 35 anos no Brasil, parece a esta Dops dever, o mesmo, ser considerado perigoso como os demais.”

Os imigrantes do Eixo eram inimigos de guerra, por isso estavam sob permanente suspeição e isso fez com que alguns deles perdessem propriedades. Empresas chegaram a ser apropriadas por interventores, mas seus reais proprietários não chegaram a ser indenizados. No caso dos japoneses, mesmo após a guerra eles seguiram monitorados pela Dops devido a atuação de um grupo chamado Shindo Renmei, que não admitia que o Japão havia perdido a guerra, e perseguia os conterrâneos que reconheciam a derrota.

Durante o regime militar entre 1964 e 1985, pelo menos 44 mil paranaenses foram investigados pelos agentes do órgão. Esse é o número de fichas individuais encontradas na Dops do Paraná. Entre os arquivos constam fichas referentes a pessoas vigiadas na Operação Condor, nome dado à aliança entre as ditaduras instaladas nos países do Cone Sul na década de 1970 — Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai — para a realização de atividades coordenadas, de forma clandestina e à margem da lei, com o objetivo de vigiar, sequestrar, torturar, assassinar e fazer desaparecer militantes políticos que faziam oposição, armada ou não, aos regimes militares da região.

Entre as fichas relacionadas à Operação Condor consta o prontuário do professor de biologia Oeldes Volci, que posteriormente tornou-se diretor do Colégio Estadual Vicente Rijo. No arquivo consta um pedido de busca de informações sobre Volci datado de 12 de novembro de 1975, já que na época ele era cogitado para ser contratado como professor da então Fuel (Fundação Universidade Estadual de Londrina), que depois veio a se tornar a UEL (Universidade Estadual de Londrina). Na resposta sucinta consta que o professor tinha antecedentes.

O jornalista Nilson Monteiro, que trabalhou na Folha de Londrina, tem o seu nome registrado nos arquivos da Dops desde o período em que foi estudante da UEL e presidente do Diretório Central dos Estudantes. “Foi um tempo muito ruim. Eu fiz parte do movimento estudantil Poeira e nomes importantes participaram daquele movimento, mas eu nunca fui filiado a partido algum. O movimento era dentro da universidade, um movimento estudantil”, destaca. Depois do período como estudante, Monteiro também sofreu perseguição nos tempos de jornalista. “Até dentro da Folha de Londrina, onde você trabalha hoje, houve uma época em que os censores ficavam atrás de jornalistas dizendo o que podia e o que não podia ser publicado. O Walmor Macarini (ex-editor da Folha) era quem dialogava com essas pessoas. Ele negociava com os censores da época para que a Folha de Londrina pudesse publicar o jornal”, declara. Monteiro consta também como um dos membros de uma cooperativa de jornalistas, que foi observada pelos agentes e edições inteiras foram anexadas aos relatórios dos agentes.

Monteiro relata que muito antes da extinção da Dops já havia tomado contato com a sua própria ficha. “Eu tive acesso quando ainda trabalhava na Folha de Londrina e um diretor chamado Duarte liberava o material para que a gente - jornalistas, historiadores e pesquisadores - pudesse consultar”, diz. Esse acesso ocorreu na década de 1980, nas movimentações pelas Diretas Já. “Foi quando começou abrir o país, porque por mais que o país ainda fosse uma ditadura, já ansiava por essa abertura política”, destaca.

Mas Monteiro relata que alguns arquivos não eram verdadeiros. “Tinha um jornalista, que é natural de Londrina, que constava nos relatórios que estava em quatro cidades no mesmo dia e ao mesmo tempo. Só se ele fosse o fantasminha camarada para estar em todos esses lugares. Não era uma coisa muito séria”, destaca.

O Decreto estadual nº 577, de 11 de julho de 1991, transferiu o acervo arquivístico da extinta Subdivisão de Informações da Polícia Civil, unidade da Secretaria de Estado da Segurança Pública, em 1991 para o Arquivo Público do Paraná, onde permanece desde então.
O Decreto estadual nº 577, de 11 de julho de 1991, transferiu o acervo arquivístico da extinta Subdivisão de Informações da Polícia Civil, unidade da Secretaria de Estado da Segurança Pública, em 1991 para o Arquivo Público do Paraná, onde permanece desde então. | Foto: Arquivo Público

DR. ZEQUINHA

Outro que tem o nome registrado no arquivo da Dops é o médico José Ferreira Lopes, o Dr. Zequinha, que, em plena ditadura militar, em 1968, enfrentou com apenas um estilingue a cavalaria da Polícia Militar do Paraná dentro da UFPR (Universidade Federal do Paraná). “A transferência do arquivo do Dops para o arquivo público possui importância pela transparência, para que se possa conhecer exatamente o que foi o regime militar de 1964 a 1984. Eu sentia que estava sendo vigiado. O movimento democrático popular de João Goulart, que defendia reforma agrária e direitos trabalhistas, ficava situado neste campo. Era o meu caso, que fui do movimento estudantil secundarista, entrei na UFPR no curso de Medicina em 1965 e fui me envolvendo no movimento político-social de resistência à ditadura militar. Eu fui preso ainda estudante e levado a Dops por ter feito uma pichação escrita 'Abaixo a Ditadura Militar'."

A pichação, conta, foi feita nos muros da fábrica de chá Leão. E foi ali que Lopes sofreu a primeira sessão de tortura, que foi ficar nu em cima de uma lata de cera sem a tampa e encostado com as duas mãos na parede e levando socos na região renal, onde não aparecem muito os sinais. Em 1968, quando era vice-presidente da União Paranaense Estudantil após o assassinato do estudante Edson Luís, no Calabouço, no Rio de Janeiro, foram feitas muitas manifestações no país. Ele também estava na manifestação contra o ensino pago na UFPR. "Fomos contra a implantação de um curso noturno pago de Engenharia pelo reitor Flávio Suplicy Lacerda. As principais lideranças estudantis enfrentaram uma batalha campal. Fomos atacados e reagimos para suspender o vestibular. No dia seguinte tomamos a reitoria e o vestibular foi suspenso.” Segundo Lopes, a ditadura militar foi um período obscuro da história do país. “Foi um período de muita repressão, cassação de mandatos políticos, eu mesmo tive que abandonar a UFPR ", lamenta.

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