Os desvios na prefeitura de Londrina durante o terceiro mandato de Belinati (1997-2000) seguiam um modelo estruturado: fabricavam-se procedimentos licitatórios, especialmente na modalidade carta-convite (sistema de compra mais simples para valores até R$ 150 mil em órgãos da administração indireta), para dar ar de legalidade a pagamentos indevidos feitos previamente. Faziam parte do esquema as diretorias da Autarquia Municipal do Ambiente (AMA) e da Companhia Municipal de Urbanização (Comurb), que contavam com o auxílio imprescindível de servidores públicos, de assessores de segundo escalão e de empresários.

As empresas que seriam convidadas a participar da "disputa" pertenciam a empresários dispostos a simular interesse na licitação, embora soubessem que suas propostas teriam valores mais elevados e elas não seriam vencedoras. As empresas "vencedoras", no entanto, não prestavam os serviços, mas eram usadas para receber os pagamentos e posteriormente repassá-los a Cassemiro Zavierucha, o operador do caixa 2 de Antonio Belinati. Zavierucha, então, fazia a distribuição dos valores, repassando a aliados políticos de Belinati e do então deputado federal José Janene (já falecido).

O dinheiro usado nos desvios provinha, de fato, da venda de 45% das ações da Companhia Telefônica de Londrina, a Sercomtel, para a Companhia Paranaense de Energia Elétrica (Copel), transação que ocorreu em maio de 1998 e foi assinada por Belinati e o então governador Jaime Lerner, do qual Emília Belinati era vice. A venda resultou em R$ 186 milhões depositados em uma conta especial e que, segundo o discurso oficial de Belinati à época, somente seria movimentada com a aprovação do Conselho de Gestão Financeira (Cogefi) para grandes obras do interesse da cidade.

Não foi o que aconteceu. "Nada mais enganoso. O que se viu, em verdade, foi o ataque incontido e voraz ao dinheiro público", escreveram os promotores que atuaram no caso em uma das ações. Ao longo de 1998 e 1999, a cada licitação fraudada na AMA e na Comurb, Belinati e o então secretário de Fazenda, Luiz César Guedes, assinavam documentos autorizando a transferência de valores da conta do Cogeffi para a conta geral da prefeitura. Em seguida, parte do dinheiro ia para o Fundo de Urbanização de Londrina (FUL), gerenciado pela Comurb, e para a AMA. De lá, para campanhas eleitorais e aliados políticos.

O início

As investigações do maior caso de corrupção na administração municipal de Londrina começaram em fevereiro de 1999, a partir de pedido feito pela então vereadora Elza Correia (PMDB), que recebeu denúncias de irregularidades na terceirização dos serviços de capina e roçagem na AMA. O Ministério Público começou a analisar as planilhas e constatou superfaturamento nos serviços de capina e roçagem executados pela Tâmara Serviços Técnicos e pela Principal Vigilância, ambas do mesmo grupo. A investigação foi estendida à Comurb, já que as duas empresas também mantinham contratos com a companhia.

Em agosto, o MP obteve informações de que os contratos estavam sendo manipulados na tentativa de acobertar as fraudes. Com ordem judicial, os promotores fizeram uma devassa na Comurb e apreenderam documentos referentes a mais de 100 contratos suspeitos.

Ao perceber o tamanho do esquema e "certa censura" em alguns veículos de comunicação para dar notícias sobre as investigações, a sociedade civil fundou o Movimento pela Moralização na Administração Pública de Londrina, o "Pé Vermelho Mãos Limpas", com objetivo de apoiar o trabalho do MP.

"O movimento contribuiu com o aperfeiçoamento do trabalho da imprensa e das instituições municipais. Hoje temos o Observatório de Gestão Pública, o Conselho de Transparência, movimentos populares de combate à corrupção e grupos que tratam de diversos temas, além de uma imprensa combativa. É resultado direto ou indireto desse movimento, que foi um marco na história de Londrina", analisou o advogado Carlos Roberto Scalassara, um dos líderes do movimento.

O trabalho do MP e da sociedade civil foi internacionalmente reconhecido em 2001. Em outubro daquele ano, os promotores Bruno Galatti, Cláudio Esteves e Solange Vicentin e o empresário Valter Orsi, representante do "Pé Vermelho", receberam, na República Tcheca, o Prêmio Integridade, conferido pela Transparência Internacional, ONG dedicada ao combate à corrupção.

Orsi lamentou que tanto tempo depois os desvios ainda estejam sem respostas. "No campo jurídico, é uma decepção. Foram tantos depoimentos, tantos documentos, tantos processos e, de fato, este dinheiro sumiu dos cofres públicos. Era, na época, praticamente um orçamento do município. Implicou alguns dias de prisão, os milhões sumiram e a sociedade perdeu em infraestrutura, em obras, em melhorias e ninguém foi condenado."

"A sociedade fez sua parte, o MP fez sua parte e o Judiciário não deu conta de julgar essas ações num prazo razoável", completou Scalassara. "Quinze anos depois, apenas houve a cassação dos direitos políticos do prefeito pela Câmara, que foi muito pressionada. Mas a evolução que queríamos não aconteceu", acrescentou Elza Correia.

Em 2005, o MP fez uma força-tarefa, reunindo vários promotores, para ajuizar o máximo possível de ações sobre o esquema AMA/Comurb e evitar a prescrição. Em um único dia, o grupo chegou a protocolar na Justiça 25 ações contra ex-gestores da prefeitura.(L.C.)