Este é um mês especial para a mulher preta. O 25 de julho é Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, data reconhecida pela ONU desde 1992. É reconhecida desde 2014 pelo governo brasileiro, que a dedica também à Mulher Negra e à figura de Tereza de Benguela, rainha do Quilombo de Quariterê, que liderou a resistência às ações de bandeirantes de 1730 a 1795. E o dia 31 de julho marca o dia da Mulher Africana. Recorrências no calendário, dias em que as mulheres refletem e fortalecem as organizações voltadas às mulheres negras e suas lutas. Datas que percorrem uma história de séculos de resistência e (re)construções de identidades apagadas e invisibilizadas por uma estrutura ainda machista e racista.

Beatriz Silva, do Conselho de Promoção e Igualdade Racial de Londrina: Não é que precisa dar voz à mulher negra, nós já temos uma voz. Ela precisa ser ouvida e considerada”
Beatriz Silva, do Conselho de Promoção e Igualdade Racial de Londrina: Não é que precisa dar voz à mulher negra, nós já temos uma voz. Ela precisa ser ouvida e considerada” | Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

Ironia do destino, a pandemia de coronavírus fez com que as vozes, que desde sempre gritaram por igualdade, ganhassem uma amplitude maior. O Instituto Odara, de Salvador, há nove anos promove o “Julho das Pretas” que traz, desde o início, temas importantes e necessários relacionados à superação das desigualdades de gênero e raça, colocando a pauta e agenda política das mulheres negras em evidência. No ano passado, aconteceu a primeira edição completamente on-line e em 2021 foi a vez de reforçar a ação e aumentar ainda mais a agenda, com o recorde absoluto de atividades inscritas: 322 em pouco mais de 30 dias de evento, com a participação de coletivos e mulheres de todo o Brasil. Em 2021, o tema central do evento é “Para o Brasil Genocida, Mulheres Negras apontam a Solução!” e de acordo com o manifesto do Instituto Odara, o mês serve para denunciar o “genocídio da população negra brasileira, em curso desde a fundação da nação, e intensificado durante a pandemia da Covid-19”.

As realidades e as especificidades das condições da mulher negra - histórica e socialmente - não cabem no Dia Internacional da Mulher (comemorado em março) e essa é a importância do 25 de julho. Beatriz Silva é socióloga e membro do CMPIR (Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial de Londrina) e diz que a data do 25 de julho marca a importância da mulher negra na história do Brasil, simbolizada por Tereza de Benguela, e de uma força que reverbera hoje em nomes como os de Beatriz Nascimento, Sueli Carneiro e Carolina de Jesus, para citar apenas algumas.

“São mulheres negras que estão dentro da história do Brasil enquanto revolucionárias e produtoras do conhecimento. Essa é a importância: colocar a mulher negra como base da história do Brasil e que infelizmente não é reconhecida e vista como tal. A mulher negra está presente por trás de todos os lares do Brasil. Depois da abolição ela se manteve no lugar que ocupava, ou seja, servindo a casa dos brasileiros e cuidando dos filhos da Sinhá”, diz Silva.

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LINHA DE ENFRENTAMENTO

Com a pandemia, a situação que já era difícil, ficou ainda pior. “Um fato simbólico é que a primeira vítima do Covid-19 foi justamente uma mulher negra, uma empregada doméstica”, lembra. Na avaliação de Beatriz Silva, hoje o CMPIR é, principalmente, um canal de denúncia de casos de racismo com outras atividades paralelas, realizadas em parceria com coletivos negros da cidade. “Infelizmente Londrina não é tão diferente do resto do Brasil no que diz respeito à desigualdade racial. Estamos caminhando a passos não muito largos, mas estamos caminhando. O racismo estrutural está aí, bem estabelecido. Temos que seguir nessa linha de enfrentamento. Encontramos apoio do poder público, mas os obstáculos ainda são enormes. As políticas públicas ainda têm muito o que avançar”, analisa.

Na semana passada, membros do CMPIR estiveram reunidos com o prefeito Marcelo Belinati para discutir a realização de uma Conferência do Conselho de Igualdade Racial em 2022, o estudo de um plano de governo para a igualdade racial que deve ser encaminhado para a Câmara de Vereadores para se tornar uma lei municipal e o aumento das cotas raciais nos concursos públicos para 20%, como já é na lei federal (atualmente, em Londrina é de 10%).

OLHAR SOBRE A RACIALIDADE

Ainda olhando para a nossa realidade local, Silva afirma que embora a cidade conte com uma boa rede de suporte para casos de violência contra a mulher, por exemplo, muitas mulheres negras ainda não têm acesso aos serviços. “Não sei dizer se por conta de um deficit dos programas de combate à violência ou se falta uma capacitação dos profissionais, considerando que a maior parte dos que estão nessa área são brancos e, às vezes, sem um olhar sobre a racialidade. Temos que pensar, junto ao município, uma politica de capacitação sobre igualdade racial. O Conselho junto com o Grupo de Trabalho de igualdade racial do Ministério Publico e o GT de combate ao Racismo da Secretaria da Mulher, vem traçando trajetórias para levar esse debate mais a sério, para que consigamos romper com esse histórico de violência contra a mulher negra não só na cidade, mas no Brasil. Estamos caminhando e quanto mais gente interessada, melhor”, afirma.

A articulação, a ativa circulação e partilha do conhecimento têm ajudado as mulheres negras a seguirem na luta. “São vários coletivos de mulheres negras em Londrina, cada um com as suas especificidades, dentro das universidades e fora delas também. As mulheres pretas da cidade, que conseguem sair desse limbo da desigualdade e, quando não estão na pobreza extrema, estão organizadas. A mulher negra é desumanizada”, diz.

A socióloga ainda usa o exemplo das recentes ações de reintegração de posses com o despejo de muitas famílias negras. “Mulheres pretas na rua. A gente sabe que muitas dessas famílias são formadas por uma pessoa só como chefe e são mulheres, na sua maioria. Seria preciso um olhar mais humanizado para essas ações”, completa.

Citando Angela Davis, Beatriz lembra do que quando uma mulher negra se move, toda a estrutura da sociedade se movimenta também. “Isso acontece quando nós, mulheres negras, decidimos não aceitar o lugar que nos é imposto. Não é que precisa dar voz à mulher negra, nós já temos uma voz. Ela precisa ser ouvida e considerada”, completa.

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