Um cheiro de café ainda paira no ar de Londrina. Já não com a mesma intensidade, mas o suficiente para não deixar apagar da nossa memória a importância que o grão tem na consolidação de uma história que completa 90 anos. Mas ao longo dessas nove décadas, o município passou por diferentes ciclos e por transformações econômicas e sociais ainda em curso, que apontam para novos caminhos. Agropecuária, setor de serviços e uma tímida indústria de transformação já dividem espaço na composição do PIB londrinense com a indústria de base tecnológica e a economia criativa.

O professor de História da UEL (Universidade Estadual de Londrina), José Miguel Arias Neto, lembra que o café, antes mesmo da fundação do município foi o elemento que provocou as primeiras ocupações no Norte do Paraná. “Isso aconteceu já no início dos 1900, com maior intensidade a partir de 1907, com a assinatura do Convênio de Taubaté firmado pelos estados produtores de café (SP, MG e RJ) que proibia novas lavouras do grão por causa dos preços que estavam em baixa”, comenta. Para fugir dessa proibição, cafeicultores paulistas começaram a abrir novas lavouras na região onde mais tarde também estaria Londrina. Mas aqui já haviam populações indígenas e também grileiros.

Pequenos lotes

Na época, segundo o historiador, o governo do Paraná planejava promover o povoamento da região Norte do Estado, mas não havia capital para tal empreitada. O professor diz que essa limitação financeira faz com que o governo paranaense busque o modelo das grandes companhias de terras, com a Companhia Bratac, na região de Assaí, e a Cia de Terras Norte do Paraná, dos ingleses, que adotaram o mesmo modelo de colonização. “A terra foi dividida em pequenos lotes, construção das estradas nos espigões para escoar a produção e as propagandas que anunciavam terras férteis, água abundante, ausência de formigas saúva, e principalmente, a garantia da posse da terra com documentos”, observa. Esse último item foi fundamental, segundo Arias, uma vez que, estudos recentes, mostram que direito à propriedade que esse processo foi conflituoso, uma vez que foi preciso expulsar povos indígenas de suas terras e também os posseiros que haviam chegado antes, mas sem documentos.

Arias diz que inicialmente, os ingleses pretendiam implantar na região de Londrina uma grande “plantation” de algodão, e também promover a ocupação do local por povos curdos, do Oriente Médio. “Mas houve uma reação contrária muito grande da sociedade do Sul do Paraná (Curitiba) que era contra a vinda dos curdos para cá, com argumentos racistas de que era uma gente bárbara, incivilizada”, pontua.

O projeto da Cia de Terras Norte do Paraná, instalado em Londrina e região, inicialmente, segundo Arias, não foi um sucesso de vendas como se previa. Ele observa que a crise do café no mercado internacional, as guerras mundiais no período e a reconstrução dos países atingidos por elas, acabaram minando os planos iniciais. Só depois desse período, observa o historiador, é que o projeto de ocupação tem um crescimento significativo. “Os preços do café tem aumentos vertiginosos e aí sim temos uma disparada no crescimento populacional de Londrina”, afirma. Ele diz que em 1949, o município já contava mais de 50 vilas, uma grande população rural, com trabalhadores no regime do colonato.

Conflitos rurais

Ele relembra que nesse período foram registrados muitos conflitos rurais, que foram agravados pelas geadas de 1953 e 1955, que segundo o historiador, resulta num grande êxodo de trabalhadores rurais para a área urbana de Londrina, inchando periferia e favelas da cidade. É quanto também se começa a falar na necessidade de se diversificar a economia local. “Tudo isso foi impulsionado também pela ameaça do café colombiano , que era forte concorrente do produto nacional, e ainda pela organização dos trabalhadores rurais que passaram a exigir direitos iguais ao dos urbanos”, observa.

Apesar das fortes geadas que atingiram os cafezais nas décadas de 1950 e 1960, o “ouro verde” foi nessas duas décadas a principal fonte de riqueza de Londrina. Arias observa no entanto, que as lavouras começaram a ser ocupada lentamente pela soja e pelo milho. Mas foi em 1975, com a grande “geada negra”, que o café passou a se erradicado em larga escala para ser substituído pelas culturas anuais.

A geada de 1975

É nesse período que Londrina dá uma guinada, segundo o professor de Economia da UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná), Marcos Rambalducci. “Houve uma ruptura após a geada de 1975, com a migração da matriz econômica que era o café para um processo de industrialização”, comenta. Foi quando, afirma ele, surgiram as indústrias moveleiras, e mais tarde, no final dos anos 1990 e início dos 2000, com o plano Real, a chegada de grandes indústrias como a Atlas Schindler, Dixie Toga. Mas o pensamento hegemônico mundial era de que o setor de serviços seria a grande força das economias”, comenta.

Rambalducci afirma que foi exatamente isso que aconteceu com Londrina. “As cidades vizinhas, como Cambé, Ibiporã, Rolândia, Arapongas concentraram a implantação de indústrias e Londrina deixa de fomentar um processo de industrialização ativa e se volta para a prestação de serviços”, comenta. Segundo ele, o setor industrial, que no início deste século, representava 24% do PIB de Londrina, atualmente não chega a 15% da geração total de riquezas do município. E o número de trabalhadores com carteira assinada, segundo o professor, no setor industrial de Londrina representa 12,6%, enquanto 80% dos trabalhadores com carteira assinada estão no setor de serviços.

Segundo o economista, com isso, Londrina tem uma matriz produtiva muito “desbalanceada”. “O comércio e a prestação de serviços são setores onde preponderam a circulação de dinheiro na sociedade. Isso é bom. Mas temos muito poucas atividades que trazem dinheiro novo para a cidade, como a indústria e o turismo”, comenta. Rambalducci destaca que, os esforços da administração pública em atrair indústrias são insuficientes para corrigir essa diferença. “O projeto da Cidade Industrial prevê a criação de 17 mil postos de trabalho. Atualmente, para se ter uma ideia, temos 22 mil postos ativos na indústria local. Para tornar mais relevante, ou pelo menos retomar a participação que o setor tinha antes na composição do PIB, teríamos que ter pelo menos 10 novos parques industriais como esse novo”, comenta.

O professor de Economia defende que Londrina precisa investir mais na atração de empresas de base tecnológica. Segundo ele, o ambiente é favorável para esse setor se desenvolver graças à quantidade de cursos de engenharia e egressos desses cursos que são colocados todos os anos no mercado. “Quando você perde mão de obra que encontra soluções, como os engenheiros, você vai ficando mais pobre. E nós não tivemos ainda um planejamento deliberado de atração de empresas de base tecnológica em Londrina”, destaca.

Dentro desse movimento, Rambalducci destaca importância da economia criativa para o desenvolvimento econômico de Londrina . Segundo ele, esse setor, assim como a indústria de base tecnológica, tem o mesmo princípio, que é “explorar o que temos de melhor, que é nosso intelecto e conhecimento que são desenvolvidos em nossas universidades”. “A economia criativa tem no seu bojo o mesmo entendimento que a indústria de base tecnológica, que é a incorporação de novas soluções, agregando valor e economizando recursos naturais. E as duas têm uma cadeia longa de valor. Isso democratiza o valor ao longo de todo o setor, beneficiando desde o pós-doutor até o trabalhador com menor qualificação profissional”, salienta.

Audiovisual estimula economia criativa e produtores de café preservam tradição

Um dos setores mais produtivos da economia criativa em Londrina é o audiovisual, com destaque para a produção de cinema. O setor está organizado no ecossistema de inovação por meio do LAV (Londrina Audiovisual), que integra o APL (Arranjo Produtivo Local) do Ecossistema de Inovação de Londrina - Estação 43, que é o braço da economia criativa mantido pelo Sebrae- PR. Esse arranjo começou a se organizar há 21 anos com a fundação da Kinoarte (Instituto de Cinema e Vídeo de Londrina).

Segundo o coordenador e um dos fundadores da Kinoarte, Bruno Gehring, o objetivo inicial da instituição era produzir cinema e formar público. Atualmente, segundo Gehring, o instituto se concentrou no apoio ao produtores de audiovisual de Londrina, facilitando contato e acesso a fornecedores de equipamentos e mão-de-obra, orientação na parte burocrática para alavancar as produções. A instituição também é responsável por contribuir para a formação de profissionais que atuam no setor com a realização de oficinas com grandes nomes do cinema brasileiro que vieram a Londrina transmitir seus conhecimentos. Além de oficinas onlines, também com profissionais de referência do setor, mas que alcançam participantes de todo o País. A Kinoarte também é a realizadora do Festival de Cinema Kinoarte, que neste ano chegou a sua 26ª edição.

Outro papel da Kinoarte junto ao produtores locais e regionais é orientar e capacitar esses profissionais a acessarem recursos financeiros disponibilizados pelos editais federais, estaduais e municipal. Uma das conquistas do grupo foi ampliar o edital de co-investimento da ANCINE para os produtores do interior do País, que antes era restrito apenas às capitais dos Estados. “Com isso, a gente conseguiu trazer para Londrina um edital de R$ 4 milhões para produtores daqui”, comenta. Agora o grupo batalha para conseguir que prefeitura crie um fundo para o audiovisual, que irá permitir captar mais recursos junto à ANCINE. “Com esse fundo poderemos acessar recursos nas proporção de um para cinco. Ou seja, poderemos pleitear junto à ANCINE cinco vezes o valor depositado no fundo que a prefeitura criar”, explica.

Tradição

Mas o cheiro do café ainda continua encantando os londrinenses! Graças a produtores como Roberval Aparecido da Silva, de 61 anos. Ele mantém uma lavoura de café na localidade da Cachoeirinha, no Distrito do Espírito Santo, em Londrina. O amor pelo café, segundo ele, foi passado do avô para seu pai e depois para ele. Silva conta que quando o seu avô chegou em Londrina, em 1941, comprou a propriedade, derrubou a mata e implantou o cafezal. “Meu avó faleceu no início dos anos 1970, mas meu pai continuou a tocar a produção de café. Tanto meu avô, como meu pai, pegaram todas as geadas fortes que atingiram Londrina, mas não desistiram do café. Eu me lembro bem quando, em 1975, houve a geada negra, o carreador ficou coberto de gelo e o carro não saia do lugar. Acabou com tudo! Mas seguimos com o café”, recorda.

Roberval da Silva mantém uma lavoura de café no  Distrito do Espírito Santo: amor pela cultura atravessa três gerações
Roberval da Silva mantém uma lavoura de café no Distrito do Espírito Santo: amor pela cultura atravessa três gerações | Foto: Arquivo pessoal

Silva observa que além da geada, o cafezal enfrentou problemas com doenças e falta de mão-de-obra para ajudar no manejo e na colheita do grão. Depois veio a morte de seu pai em 2002. Mas nada o desanimou a seguir com o café. “A gente fez uma renovação da lavoura, plantando novas variedades, resistentes a doenças, adotamos modelo de plantio que permitiu a mecanização do manejo e da colheita”, conta. Atualmente ele cultiva 12 hectares (ha) de café, e tem uma produtividade média de 30 sacas de 60 kg/ha. E assim ele preserva a tradição da família no cultivo do produto que foi a principal riqueza da economia de Londrina nas primeiras décadas da história do município. “Apesar de todas as dificuldades, das geadas, doenças, a gente é apegado ao café. É gratificante ver aquela mudinha nova que a gente plantou depois de três anos dar os primeiros grãos. A gente recorda as coisas boas do passado”, afirma.