A Folha conversou com a psicóloga Rosiane Teodoro, de Londrina, sobre a saúde mental da mulher negra e como o racismo e outras lutas são enfrentadas no cotidiano.

"Resistir é re-existir, é buscar formas de se proteger e cuidar dos nossos para poder continuar a existir", afirma a psicóloga Rosiane Teodoro
"Resistir é re-existir, é buscar formas de se proteger e cuidar dos nossos para poder continuar a existir", afirma a psicóloga Rosiane Teodoro | Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

Seria possível traçar um perfil psicológico da mulher negra?

Não seria possível! Mulheres negras são singulares! Pensar assim seria imitar mais uma faceta do racismo que estereotipa e não olha a pluralidade. A cor da pele poderia servir para coletivizar, mas nem assim seria possível porque por trás dessa pele tem um sujeito singular, que tem uma história, uma vivência. Não posso dizer que todas as mulheres negras são assim ou se comportam de determinada maneira. Pensar assim é uma construção histórica do racismo que nos coloca nesse lugar da caracterização, em um sentido muito caricato, que quer determinar o lugar da mulher negra, a sua posição na sociedade ou num relacionamento afetivo. Traduzindo :isso é racismo disfarçado, é o estereótipo. É aquele que toda mulher negra tem o mesmo destino, o mesmo pensamento, sentimento e que deve ocupar apenas algumas profissões. Que toda preta sabe sambar, que gosta de determinado tipo de comida ou que é de determinada religião. É preciso romper esse olhar caricato. Enquanto ser social, dividimos algumas questões que nos e é a partir daí, que podemos ampliar as conquistas e avançar, pensando formas de fomento e de garantias de direito para o coletivo. Nesse mês, refletimos sobre a nossa história e a de outras mulheres que foram invisibilizadas, histórias de vidas brilhantes que precisam ser contadas. Refletimos sobre as sutilezas da invisibilidade da mulher negra. A sociedade precisa parar de pensar o negro como o diferente, como um ser desprovido de alma, de potencial. É assim que vem sendo mantida a estrutura do racismo no nosso País. São esses pensamentos que segregam.

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Como é possível cuidar da saúde mental da mulher negra?

Toda a população negra, direta ou indiretamente, ainda sofre os impactos do pensamento ocidental e da colonização. Não tenho a pretensão de falar por todas as mulheres negras, respeito a singularidade de cada uma. Uma coisa, do ponto de vista histórico, é fato: eu passo a pensar e refletir sobre determinadas coisas que acontecem na minha vida a partir do momento que eu racionalizo, que faço uma reflexão sobre o acontecido. Se eu, mulher negra, não conheço a minha história, se não sei de onde eu vim, o legado histórico que tem por trás daquilo que eu sou, eu não posso refletir sobre os impactos do racismo na minha vida. O que não quer dizer que eu não sinta. Algumas dizem: “eu nunca sofri o racismo”, mas isso não significa que ela não tenha passado por situações racistas. Quando eu não racionalizo, não conheço a história, não me debruço nessa temática, vivo uma dor alienante. Uma angústia apartada da realidade que vem à tona quando me deparo com uma situação de cunho racista. Reconhecer e saber da nossa história é cuidar da saúde mental. Se não há a racionalização, simplesmente caímos no discurso do “ai, eu não consigo, não avanço”, uma culpa sempre atrelada ao outro. É verdade que pelo viés do racismo existem responsabilizações a serem reparadas, mas para além disso temos questões que dizem respeito apenas a nós mesmas.

Como as mulheres negras encontram apoio emocional para as suas demandas?

Os coletivos de mulheres negras são os novos quilombos que servem como ajuda mútua. Eu penso que essa representatividade é muito importante: estar com nossos pares, primas, amigas, tudo isso ajuda a mulher negra a falar de coisas que muitas vezes possam ser similares entre elas. Seria importante poder encontrar, dentro de outros espaços de cuidado, acolhimento, um atendimento não-violento que respeite a mulher negra na sua essência. As roupas que eu escolho, o meu cabelo, meus acessórios fazem parte da minha cultura, da minha família, da minha ancestralidade. Faz parte daquilo que eu sou genuinamente e deve ser respeitado, sem que eu sinta um olhar que me atravessa pedindo para eu ser diferente. Isso vai nos desconstituindo.

Qual o custo de tanta resiliência, resistência e superação? Quais os enfrentamentos cotidianos da mulher negra?

É subjetivo. Cada mulher teve uma vivência, nasceu num contexto econômico social, recebeu mais ou menos afeto, foi mais condicionada estruturalmente para determinadas coisas; tem mais ou menos recursos para enfrentar certas situações. Dentro daquilo que é coletivo, do ponto de vista social, precisamos do espaço da matriarcalidade, é nesse lugar que nos reconectamos e traçamos estratégias pra vida. Algumas sucumbem, outras vão cambaleando, vão tateando e é nesse momento que o coletivo é positivo. Somamos forças para avançar apesar da nossa individualidade. Existe um imaginário de que a mulher negra é forte, suporta tudo, qualquer coisa e dor. Esse engano vem da escravidão. E muitas vezes, nós mesmas acreditamos nisso. Resistir é re-existir, é buscar formas de se proteger e cuidar dos nossos para poder continuar a existir. A resistência é isso. O conhecimento sobre nós mesmas, sobre nossa história e quem somos, nos ajuda a continuar existindo.

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