"Meus pais nunca reprimiram a gente. Nunca teve isso lá em casa", conta Morgana Nalli, com a mãe Sônia Camargo
"Meus pais nunca reprimiram a gente. Nunca teve isso lá em casa", conta Morgana Nalli, com a mãe Sônia Camargo | Foto: Ricardo Chicarelli


Antes de exercitar a compreensão e o acolhimento, a professora Sônia Camargo exercitou a sensibilidade e desde cedo percebeu que o filho mais novo, o estudante João Marcos Camargo Nalli, 22, é gay. Longe de se encaixar em estereótipos, o menino nunca teve trejeitos nem gostava de brinquedos feitos para meninas. Ele se interessava por dinossauros e aviões. Mas a mãe olhava para o filho e sentia algo diferente.

A possibilidade de ter um filho gay nunca foi motivo de preocupação ou angústia para Sônia e o marido. O casal sempre teve amigos íntimos homossexuais e reprimir a sexualidade dos filhos nunca esteve nos planos. Pelo contrário, o anseio da professora era que os filhos se sentissem confortáveis e amparados para que pudessem se expressar sem medo de serem incompreendidos. "Durante toda a adolescência do João Marcos, tentei conversar sobre a orientação sexual dele muitas vezes e nunca consegui avançar, embora meu coração de mãe soubesse", diz Sônia.

Ele só se assumiu gay aos 17 anos, quando atingiu um estágio profundo de sofrimento em razão de uma paixão não correspondida. Foi nesse momento que o amor no qual a família de Sônia está alicerçada manifestou-se da maneira mais pura e genuína. A filha mais velha, a advogada Morgana Camargo Nalli, 26, sentiu-se na obrigação de revelar sua bissexualidade para mostrar que o irmão não estava sozinho e não tinha motivos para ter medo de falar abertamente sobre sua homossexualidade dentro do lar. "Meus pais nunca reprimiram a gente nesse sentido. Nunca falaram que eu iria namorar um homem e o meu irmão iria namorar uma mulher. Nunca teve isso lá em casa", conta Morgana. "Eu não achava que tivesse que ir lá e falar para a minha mãe que eu era bi, não teve uma coisa de me assumir, mas era pelo João. Na época, eu estava me envolvendo com minha ex-namorada e falei que estava ficando com ela."

Para a mãe, a fonte de angústia não foi a revelação da homossexualidade do filho caçula, mas a falta de confiança demonstrada por ele. "A surpresa ruim com relação ao João é que ele não precisava ter sofrido. A gente sempre foi aberto, mas ele sempre foi muito introvertido", diz Sônia. "Fiquei por muito tempo pensando como podia viver no seio da família em que ele vivia e não confiar em nós. Meu marido é muito companheiro e nós nos perguntávamos onde erramos por ele não ter confiado na gente. Falamos que o amávamos e que o amor era maior que tudo. Depois disso, tudo fluiu. Ele realmente sentiu que não era puro discurso e que seria amado incondicionalmente", relata Sônia.

Em relação à filha, a professora diz ter ficado surpresa com a revelação. Ela já havia namorado um rapaz por alguns anos. "Fiquei meio perdida, sem entender", comenta Sônia. "Descobri com o tempo que eu gosto de almas. Gosto do que a pessoa pode me proporcionar e do que eu posso proporcionar a ela. E gosto do que eu sinto quando estou com ela", explica Morgana.

"As pessoas acham que ser gay é ser volátil, que não existe um relacionamento sério no mundo LGBT, mas existe, sim. Meu irmão está há um ano e quatro meses com o namorado dele. Eu namorei dois anos minha ex-namorada. Tenho tios do coração que são homossexuais e casados há muitos anos", pontua Morgana.

E para enterrar de vez qualquer preconceito ou estereótipo, Sônia ressalta que a família é bastante religiosa. "Creio em um Deus amoroso. Muitas vezes, acreditam que não temos religião", ressalta. "Nós somos mães e mães amam. Eu sempre amei muito os meus filhos. Às vezes, de uma maneira errada, às vezes cometo equívoco, mas sempre amei muito e para mim sempre foi importante eles serem felizes. Temos que estar atentos aos sofrimentos deles e, mesmo assim, não conseguimos ajudar. Imagina aqueles que se sentem totalmente desamparados", destaca a professora. "A gente tem família normal. Lá em casa, somos meu pai, minha mãe, eu, meu irmão, nossos cachorros e gatos. As pessoas precisam entender isso", define Morgana.