O Brasil comemorou nesta sexta-feira (17) o Dia Nacional de Proteção às Florestas, data que faz uma menção à lenda do Curupira, personagem do folclore nacional conhecido pelos cabelos vermelhos e pés virados para trás. Entretanto, “comemorar” pode não ser o termo mais adequado para o momento que atravessa a defesa do meio ambiente no País, dono de 12% das florestas do mundo e cuja política de proteção, especialmente na Amazônia, ainda não foi capaz de impedir o aumento da área desmatada ilegalmente.

Imagem ilustrativa da imagem 'Ser contra proteção ambiental é suicídio político'
| Foto: Divulgação/FGB

Pelo contrário. O mês junho já registra um crescimento de 25%, em comparação com o mês anterior, no tamanho da área da Amazônia sob alerta de desmatamento, conforme apontam os dados do Sistema Deter (Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real), usado pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Foram 1.034 quilômetros quadrados de mata nativa derrubada, o que equivale a cem mil campos de futebol, relatou o Instituto. Em maio deste ano, os dados já haviam apresentado um resultado 10% maior em comparação com o mesmo mês do ano passado.

A semana também ficou marcada por uma nova intervenção do governo federal no quadro de servidores em cargos comissionados no Inpe, o que sugere ser mais uma tentativa de interferência para evitar a divulgação de informações relacionadas ao desmatamento. Depois do então diretor Ricardo Galvão, há quase um ano, a coordenadora de Observação da Terra, Lúbia Vinhas, também servidora de carreira do órgão, teve a demissão publicada em Diário Oficial. Em seguida, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação anunciou um plano de reestruturação no Inpe, mas negou que a demissão tivesse sido provocada pela divulgação das informações.

Sob forte pressão de investidores internacionais, o Ministério da Economia prepara o envio ao Congresso Nacional de um projeto voltado a garantir orçamento exclusivo para ações de preservação à Amazônia, conforme já adiantou o vice-presidente Hamilton Mourão.

Em entrevista à FOLHA, o professor de Direito Ambiental do programa de doutorado da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Paraná, ex-presidente do TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) e ex-Secretário Nacional de Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Vladimir Passos de Freitas, diz ver com bons olhos a mudança de postura de membros do alto escalão do governo federal quanto a medidas de preservação. Membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza, Freitas também destaca avanços registrados no Paraná no campo ambiental.

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| Foto: Carl de Souza/AFP

O governo enfrenta hoje essa turbulência, com forte pressão de investidores internacionais por uma mudança de postura na questão da preservação do meio ambiente e mais uma exoneração de um cargo importante. Na sua avaliação, o Dia Nacional de Proteção às Florestas é uma data para se comemorar ou se lamentar?

Bom, é um dia de se lamentar na Amazônia, em que está acontecendo tudo isso, essas queimadas, e que é o lugar mais importante. Agora, não é de se lamentar, por exemplo, na Região Sul, onde as regras ambientais têm sido exigidas e cumpridas. E muitas vezes são punidas as transgressões. Mas, como a Amazônia é o local mais importante e o que desperta interesse do mundo inteiro, então eu diria que não há o que comemorar, tendo em vista a situação da Amazônia atual.

O Paraná é o estado que tem a Mata Atlântica mais bem preservada. Qual é a sua avaliação sobre a efetividade da política ambiental no estado e o que pode avançar?

No Paraná, a situação está bem estável. Já vem vindo de muitos anos, muito embora o órgão ambiental, o IAP (Instituto Ambiental do Paraná), tenha problemas de pessoal. Ele tem sido pouco estruturado, mas presta um serviço importante, tem técnicos muito bons. A Polícia Ambiental presta um bom serviço e está presente no estado inteiro. E na esfera judicial também. O Ministério Público já tem uma tradição muito grande de proteção do meio ambiente. Então, a situação é estável, considero boa. É a mata mais preservada. Tem o problema das Araucárias, que foram muito destruídas e agora tenta se recuperar. Não é uma coisa simples, mas, num cômputo geral, a situação mudou completamente do passado, em que madeireiras cortavam e isso era aceito. Mesmo sob a vigência do Código Florestal de 1965 isso ainda era aceito no fim dos anos 1960, 1970 ainda existia.

Ainda aqui no Paraná, qual é a sua avaliação sobre a efetividade da Política de Resíduos Sólidos, como avançar ainda mais com essa agenda e evitar que vejamos lixões a céu aberto?

Não só no Paraná, mas no Brasil inteiro, em relação à Política de Resíduos Sólidos, tem o problema dos municípios que se omitem. Já é uma lei antiga que obriga os municípios a promoverem a criação de aterros sanitários ou pelo menos se unirem nesse sentido. Mas como se adia essa lei a cada ano, o problema não está sendo resolvido, continua latente e, agora com a pandemia, refreou um pouco porque o consumo é menor, mas nem por isso deixa de ser um problema. O problema dos resíduos sólidos ainda está pendente, é grave e a evolução ainda está bem longe do ideal. É preciso que se implemente a lei, quer seja em consórcios ou que se delegue à iniciativa privada, porque há muitos locais, como Blumenau (SC), por exemplo, onde se explora os aterros sanitários pela iniciativa privada com muito sucesso.

Nesse sentido, quais são as boas iniciativas que devem ser incentivadas com o setor privado?

Vou até anteceder à iniciativa privada, mas, falando em lei, teria que alterar a Lei de Educação Ambiental. Já é uma lei antiga, de 2009. Ela prevê que em todos os cursos se darão noções de proteção ao meio ambiente, só que isso diluído em todas as matérias. E, evidentemente, o que todo mundo tem que fazer, ninguém faz, porque aí não é obrigação de ninguém, não há cobrança. O primeiro passo para que isso deixe de ser um fiasco seria alterar a lei para que se pudesse exigir a matéria específica de proteção ambiental em todos os níveis.

Na esfera privada, as empresas hoje têm uma conscientização maior. A dificuldade é que se a fiscalização não for eficiente ou se for corrupta, nunca haverá um apoio total das empresas. As que fizerem corretamente, estarão em desvantagem com as que fizerem incorretamente e essas colocarão no mercado produtos a preços mais baixos. Então, o primeiro passo seria estruturar o poder público para que ele tenha eficiência. Tirando isso, as grandes empresas já têm compliance ambiental, é uma exigência, a sociedade está mais atuante. Os grandes investidores estão pedindo políticas ambientais mais efetivas. É incrível isso, me deixa muito surpreso e satisfeito, como o presidente do Bradesco, por exemplo, porque eles sabem que o Brasil precisa se colocar bem ambientalmente. Eu acho que neste campo estamos melhorando, tem muito o que fazer, mas antes não havia consciência alguma.

Interessante porque isso pode atrapalhar ainda mais o Brasil na entrada na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), por exemplo.

Com certeza absoluta. A destruição de florestas na Amazônia no mínimo terá fortíssima repressão econômica e os empresários já perceberam isso. Por isso tentam pressionar o governo e o governo já começa a mudar de posição. Em uma entrevista, o ministro do Meio Ambiente [Ricardo Salles] disse que precisa ir à Europa para ouvir as críticas. Isso é uma posição de humildade, de reconhecimento de que tem que dialogar, o que não existia antes. Alguma coisa está mudando de forma positiva, mas precisou chegar a esse ponto.

A saída passa pelo fortalecimento da fiscalização feita pelos municípios?

Eu acredito, porque o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis] jamais vai ter condições de fiscalizar muitas coisas, o Brasil é por demais extenso. Os órgãos ambientais têm dificuldades. Há estados, como a Bahia, maiores do que a Espanha, por exemplo. Então os municípios são realmente a grande saída. Agora, tem dois problemas. Um é que eles têm dificuldades econômicas e outro é muita política. A política é muito próxima, o cidadão pressiona muito os prefeitos, os vereadores. Então eu creio que é preciso sim a consciência da cidadania, cobrando dos municípios posturas mais severas e isso pode ser uma solução. Alguns municípios já têm até guardas ambientais que são efetivas, como em Limeira (SP), que tinha até fiscalização aérea, mas a maioria se limita a ter uma secretaria de meio ambiente mais pró-forma. Os estados podem ajudar permitindo que os municípios promovam licenciamento ambiental, mas fiscalizando se eles cumprem as exigências mínimas. Ajuda técnica de um lado e cobrança do outro.

Como resposta a essa pressão que o Brasil vem recebendo, o vice-presidente Mourão, que está à frente do Conselho da Amazônia Legal, anunciou que o Ministério da Economia vai desenvolver um projeto de lei e enviar ao pelo Congresso. O que esperar?

Acho que passa porque tem um apelo popular bárbaro e os parlamentares não querem ficar mal com seus eleitores. Então há coisas que são polêmicas, como o Pacote Anticrime, que tinha coisas polêmicas. Aí é mais fácil de o parlamentar votar contra e justificar de uma maneira ou de outra. Mas, com relação à proteção do meio ambiente, é indefensável hoje lutar contra. É um suicídio político. Eu não sei o que o Ministério da Economia apresentaria, talvez benefícios fiscais para quem proteja, por esse caminho. Ótimo se for isso.

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Folha de Londrina · ENTREVISTA | 'Ser contra proteção ambiental é suicídio político'