Os planos de saúde terão que oferecer cobertura ilimitada para sessões de psicologia, fonoaudiologia e terapia ocupacional, segundo a determinação da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), medida que representa um alívio para pacientes. Com a nova resolução, pacientes com qualquer doença ou condição de saúde listada pela OMS (Organização Mundial da Saúde), que sejam submetidos a esses tipos de tratamento, terão esse direito.

Imagem ilustrativa da imagem Sem limite de sessões terapêuticas em planos de saúde
| Foto: Divulgação

A nova resolução começa a valer em 1º de agosto. O atendimento passará a considerar apenas a prescrição do médico do paciente. A ideia é “promover a igualdade de direitos aos usuários da saúde suplementar e padronizar o formato dos procedimentos atualmente assegurados, relativos a essas categorias profissionais”. No dia 1º de julho, a ANS já havia tornado obrigatória, para pacientes com transtornos globais do desenvolvimento, a cobertura de qualquer método ou técnica indicada pelo médico. A fisioterapia, que também consta da resolução, já tinha consultas ilimitadas.

Para a advogada Melissa Kanda, de Curitiba, a conquista do direito de cobertura de determinadas terapias por planos de saúde vai exigir mais empenho dos pacientes, uma vez que será necessário, cada vez mais, comprovar cientificamente a superioridade dos tratamentos especiais na comparação com os tradicionais.

"É preciso que haja um relatório médico muito bem fundamentado, explicando a condição clínica do paciente. O documento precisa informar se esse paciente já se submeteu às terapias tradicionais e, caso tenha se submetido, expor se não fizeram efeito", explica Kanda, que é especialista em Direito Médico e à Saúde e pós-graduada em Direito Médico pela Universidade de Coimbra, em Portugal, e atua há mais de 20 anos na área.

A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) aprovou o fim da limitação ao número de consultas e sessões com psicólogos, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais. O que representa essa decisão?

O rol da ANS, nas diretrizes de utilização, continha limitação para psicologia, fonoaudiologia e terapia ocupacional. A psicologia, por exemplo, em alguns casos, era limitada a 12 sessões por ano, e em outros casos a 42 sessões por ano. A fonoaudiologia, da mesma forma: para algumas doenças havia 48 sessões por ano, para outras vezes havia 96 sessões por ano. Isso era um fator bastante impeditivo do tratamento para aquelas pessoas que precisavam fazer terapia de uma forma mais continuada, principalmente os pacientes especiais que realizam mais do que uma sessão por semana.

Em muitos casos, a quantidade de sessões já se esgotava em seis meses e o plano de saúde negava a liberação para as sessões que eram necessárias. A pessoa tinha que aguardar terminar o ano do contrato para o plano de saúde autorizar novamente a quantidade de sessões. Já havia jurisprudência do STJ [Superior Tribunal de Justiça] dizendo que essa limitação não podia acontecer, mas, se o número de sessões ultrapassasse a quantidade da cobertura mínima obrigatória, o paciente tinha que pagar a coparticipação do plano.

Essa jurisprudência foi depois da decisão do STJ sobre o rol taxativo?

Não, ela era anterior a essa jurisprudência. No fim do ano passado, a ANS editou uma resolução e acabou com a limitação somente para os pacientes autistas, porque o Ministério Público Federal já havia entrado com ações civis públicas pedindo a cobertura ilimitada das terapias para eles. O que aconteceu é que ficou um certo tratamento diferenciado. Isso ocorria, por exemplo, com pacientes com síndrome de Down, com paralisia cerebral ou qualquer outro comprometimento.

Depois do julgamento do rol da ANS, que entenderam que o rol era taxativo, a mesma decisão admitiu exceções. Houve movimentação muito grande por parte dos pacientes autistas em relação aos métodos de tratamento, pois eles fazem terapias em alguns métodos especializados, por exemplo, pelo método ABA (Análise do Comportamento Aplicada) e pelo método Denver (que estimula a interação social por meio de novos contatos sociais contínuos e prazerosos). Houve uma comoção muito grande e duas semanas depois desse julgamento do rol taxativo, a ANS editou uma resolução dizendo que, para os pacientes autistas, era obrigatória a cobertura das terapias nas metodologias, se indicadas pelo médico assistente.

Mas isso não é só para os autistas, não é? O texto faz referência a pacientes com transtornos globais de desenvolvimento em geral, não?

Que é a CID 84 (Classificação Internacional de Doenças), mas que abarca basicamente os autistas, ou seja, continua deixando de fora a síndrome de Down e todos os outros pacientes. Continua havendo um tratamento desigual. Agora a ANS decidiu, em um primeiro passo, acabar com o limite de terapia anual de psicologia, fonoaudiologia e terapia ocupacional para quaisquer pacientes. Isso vai ser excluído agora desse documento que chama DUTs (Diretrizes de Utilização). AS DUTs são uma série de normas estabelecidas pela ANS, que têm o objetivo de orientar, regulamentar e organizar o uso adequado dos planos de saúde por parte dos usuários. Estabelece, por exemplo, os medicamentos oncológicos que têm cobertura obrigatória e os casos em que o PET Scan [exame de imagem capaz de identificar alterações nas células em estágios iniciais] é liberado. Era também o documento que estabelecia o número de sessões. Agora isso caiu por terra e não existe mais limitação.

Da mesma forma que a fisioterapia já era ilimitada, essas outras três terapias também vão ter cobertura ilimitada, de acordo com a prescrição médica, independentemente da CID do paciente. O que a gente ainda continua tendo é a questão dos métodos terapêuticos diferenciados que, por enquanto, só têm cobertura obrigatória para esses pacientes da CID 84, que são os pacientes autistas. Para os demais com comprometimento neurológico, muito embora a ANS tenha decidido não haver mais limites de quantidade de sessões, não há previsão de que eles também teriam direito às terapias nas metodologias especializadas.

Por exemplo, o paciente com Síndrome de Down precisa muitas vezes de uma terapia especializada igual à do paciente autista. Um paciente com paralisia cerebral, por exemplo, também precisa de terapia especializada, mas ficou de fora da decisão da ANS. Eles vão ter cobertura ilimitada, mas a princípio somente pelos tratamentos tradicionais.

E quem não for autista tem como recorrer à Justiça, mesmo que o tratamento não esteja no rol da ANS?

O que ficou decidido nesse julgamento da segunda seção do STJ é que há abertura para as exceções. Para ser considerado taxativo e para o plano de saúde ser obrigado a dar cobertura para um tratamento que está fora do rol é preciso demonstrar alguns requisitos. Por exemplo, demonstrar que o tratamento disponível no rol não é eficaz para o paciente, ou que o paciente já usou e não surtiu efeito, ou ainda que não existe tratamento adequado no rol.

É preciso haver evidências científicas que comprovem a eficácia do tratamento pleiteado. Digamos que um paciente que precise de uma terapia especializada, se demonstrar que a terapia tradicional que está no rol da ANS não é eficaz para melhorar o quadro clínico dele e que a terapia que ele precisa tem estudos científicos favoráveis que demonstram que realmente é eficaz, ele pode continuar pleiteando judicialmente essa cobertura.

Nós entendemos que é um novo passo, agora posterior a essa decisão do STJ. Aqui no Tribunal de Justiça do Paraná e no Tribunal de Justiça de São Paulo, os desembargadores ainda continuam tendo um entendimento de que o rol da ANS é exemplificativo, porque a decisão do STJ não é vinculante. Não sabemos até que ponto eles podem pedir que o paciente cumpra essas exigências que o STJ estabeleceu. A princípio, a classe de pacientes que foi mais beneficiada foi a dos autistas, que hoje têm cobertura ilimitada, tanto para quantidade quanto para a metodologia. Os demais pacientes, por enquanto, têm cobertura ilimitada só para quantidade, mas para a metodologia ainda não.

E o SUS oferece alguma alternativa de tratamento desse rol que não foi contemplado por essa decisão?

O SUS oferece alguns tratamentos, por exemplo, a metodologia ABA (Análise do Comportamento Aplicada), que é uma metodologia bastante utilizada pelos pacientes autistas e até pelos pacientes com síndrome de Down. É claro que o que a gente vê na prática é que em determinadas regiões essa oferta pelo SUS ainda não existe, porque ainda não há serviços credenciados para prestar esse atendimento. A gente tem, por exemplo, a fisioterapia Pediasuit, que não está no âmbito do SUS e que é bastante utilizada para pacientes com paralisia cerebral, que tem comprometimento motor. No Pediasuit, a criança utiliza um macacão e fica suspensa por cordas para treinar movimentos e, a princípio, também está fora do rol da ANS. Logo, os pacientes ainda precisam continuar buscando judicialmente a cobertura dessa terapia pelos planos de saúde.

E quais tratamentos que o SUS não disponibiliza e que a sra. acredita que demandarão bastante trabalho judicial para ter esse direito garantido?

Além do Pediasuit, que é bastante demandado, temos, por exemplo, outros tratamentos como a hidroterapia, que nada mais é do que uma fisioterapia aquática, e a equoterapia, que é uma fisioterapia com cavalos. Também há uma fisioterapia que se chama metodologia Bobath, que possui uma abordagem terapêutica de reabilitação indicada também para pacientes com comprometimento neuromotor e que o SUS também não oferece. Há também algumas metodologias específicas de terapia ocupacional, uma delas com integração sensorial, reivindicada pelos pacientes especiais, mas que também não é oferecida pelo SUS. Há algumas metodologias específicas no âmbito da fonoaudiologia, que são tratamentos mais especializados para os pacientes especiais. O que a gente tem notícia de cobertura pelo SUS, por ora, é a metodologia ABA, que é comportamental, muito usada pelos pacientes autistas.

E quem decidir entrar com uma demanda judicial precisa ter que tipo de comprovação para entrar com o pedido?

Depois dessa decisão do STJ, a gente está tendo muito mais cuidado. É preciso que haja um relatório médico muito bem fundamentado, explicando a condição clínica do paciente. O documento precisa informar se esse paciente já se submeteu às terapias tradicionais e, caso tenha se submetido, expor se não fizeram efeito. Deve explicar por que a terapia tradicional não é indicada e qual a diferença da terapia tradicional para a especializada. O relatório deve evidenciar os ganhos clínicos do paciente com a abordagem especializada e, principalmente, juntar estudos científicos que comprovem a superioridade técnica da terapia especializada em face da tradicional, oferecida pelos planos de saúde. Tem que ter um embasamento científico muito maior do que antes dessa decisão do STJ.

E como é que a sra. vislumbra o futuro dessas pessoas e dessas famílias a partir de agora?

Particularmente, acho que a gente não vai encontrar muitos obstáculos. Eu não vejo muitas mudanças. O que a gente precisa e ainda não tem muito são os estudos científicos. Algumas dessas terapias têm evidências científicas mais fortes do que outras. O maior obstáculo que a gente pode encontrar é se os Tribunais de Justiça começarem a seguir o entendimento do STJ. Vamos precisar de mais evidências científicas, mas para algumas dessas terapias ainda não temos isso. Por enquanto, o que a gente está sentindo, pelo menos em primeira instância aqui no Paraná e até em segunda instância, é que não há muita mudança no entendimento do tribunal. Com um pedido e um relatório médico bem fundamentado, a gente acha que os pacientes vão continuar tendo sucesso nas demandas, mas só o tempo vai dizer se os Tribunais de Justiça do país vão começar a adotar o entendimento do STJ. Se começarem a adotar o entendimento do STJ para essas terapias especializadas em que não há evidências científicas fortes, talvez nós comecemos a encontrar obstáculos até nos processos judiciais, ou seja, uma improcedência das demandas por falta de evidência.

Receba nossas notícias direto no seu celular. Envie também suas fotos para a seção 'A cidade fala'. Adicione o WhatsApp da FOLHA por meio do número (43) 99869-0068 ou pelo link wa.me/message/6WMTNSJARGMLL1.