Quase 70% da arrecadação de impostos por parte do governo recai sobre o consumo. A estatística preocupa especialistas, já que essa modalidade de cobrar tributos do cidadão trata o pobre e o bilionário exatamente da mesma maneira.

O presidente executivo do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação), João Eloi Olenike, destaca que a raiz da injustiça do sistema tributário brasileiro reside nessa ampla fatia do total de impostos pagos incidir sobre os consumidores.

“Com isso, aqueles com menor poder aquisitivo acabam pagando proporcionalmente mais. E aí acontece um fenômeno até estranho, que deveria ser ao contrário: uma distribuição de renda às avessas”, declara.

Segundo o especialista, não há boas perspectivas com relação a esse quadro: as 3 propostas de reforma tributária em discussão só simplificam impostos. “Muito pelo contrário, as reformas pretendem criar novos tributos que também vão incidir sobre o consumo.”

Com o decorrer dos anos, o trabalhador brasileiro tem que trabalhar cada vez mais só para pagar impostos.

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Em 1986, o trabalhador brasileiro tinha que trabalhar 82 dias para pagar impostos. Hoje a marca atingiu 149 dias. Estamos regredindo?

Regredimos sim, se pensarmos em termos de uma tributação que ficou mais alta no decorrer do tempo. Ela tira a capacidade do consumo do cidadão brasileiro, levando a uma piora em sua situação econômico-financeira. Aí realmente há uma regressão porque nós tivemos um aumento de carga tributária e, consequentemente, uma diminuição na capacidade de consumo de toda a população.

Como está o Brasil na comparação com outros países quando o assunto é carga tributária?

O Brasil tem hoje uma carga tributária perto de 35% do PIB, o que o coloca entre os 15 países de maior carga tributária do mundo. Temos uma tributação um pouco menor que países da Europa e da Escandinávia, e muito maior que dos Estados Unidos. Esses países têm uma alta carga tributária, mas possuem condições de disponibilizar à população um retorno em serviços de qualidade, coisa que aqui no Brasil, infelizmente, nós não temos.

Quais os impactos da alta carga tributária?

Primeiro nós temos o repasse da carga tributária para o contribuinte ou o consumidor final. Nós temos dois tipos de contribuinte, o de direito, aquele elencado pela lei – indústrias, comércio, prestação de serviços – e o contribuinte de fato, o consumidor final, aquele que paga o produto ou o serviço com todos os tributos embutidos. Então, se a carga é alta, a carga embutida também é alta, repassando para o preço final dos produtos. Sendo o preço maior, efetivamente nós teremos um menor consumo, uma capacidade menor de as pessoas poderem adquirir os produtos por eles estarem bem mais caros em virtude do repasse desses tributos.

Sobre o consumo, nós temos uma tributação hoje no Brasil que representa em torno de 65% de toda a arrecadação tributária em geral, tanto da União, como dos Estados e dos municípios. E aí o que acontece com essa tributação no consumo? Nós temos a regressividade. O que representa isso? Como todo mundo paga igual como consumidor final, não existe distinção daquilo que você paga, sendo você mais pobre ou mais rico. Com isso, aqueles com menor poder aquisitivo acabam pagando proporcionalmente mais. E acontece aí um fenômeno até estranho, que deveria ser ao contrário: uma distribuição de renda às avessas. Ou seja, tira-se o poder de compra daqueles mais pobres e acaba transferindo para os mais ricos, que são menos tributados proporcionalmente no consumo.

Além disso, quanto mais alta a nossa carga tributária, pior será para nossa concorrência com outros países. Se tiver outros países que cobram um preço menor em determinadas commodities, mercadorias, serviços e produtos em geral, logicamente quem vai fazer um investimento vai procurar esses outros países para pagar mais barato.

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O que seria mais indicado fiscalmente falando?

Grande parte da nossa arrecadação, quase 70%, provém da tributação sobre o consumo, penalizando pessoas com menor poder aquisitivo, já que, como consumidores finais, vão pagar igual aos muito mais ricos. Ao contrário do consumo, a tributação sobre a renda tem o processo da progressividade. Aumentar a tributação por faixas de renda, de acordo com o ganho e o rendimento dos contribuintes. Quem ganha mais paga mais. Nós temos uma tabela de alíquota progressiva sobre a renda, mas ela só vai até um determinado patamar, poderia até aumentar para as pessoas que ganham bem mais. Ela vai até 27,5%, então quem ganha R$ 10 mil paga 27,5% de Imposto de Renda na fonte e quem ganha R$ 250 mil paga a mesma alíquota. Ela é progressiva até um determinado ponto, e isso é uma injustiça tributária. A tabela deveria ser progressiva para pegar mais faixas de renda e, assim, ser possível haver uma isenção na parte de baixo daqueles que ganham menos, por exemplo, até 5 salários mínimos.

Se nós tivéssemos uma tributação mais incidente sobre a renda, mas com uma progressividade de acordo com a capacidade contributiva dos cidadãos, essa seria a melhor forma de tributação. Mas não é assim que funciona no Brasil. Nos Estados Unidos, na Europa, nos países nórdicos, eles tributam muito mais a renda e o patrimônio do que tributam o consumo. Mas lá, ao contrário daqui, são países ricos, então as pessoas fazem renda, têm patrimônio, e então eles podem tributar.

A desculpa de ter uma tributação tão excessiva sobre o consumo aqui no Brasil é por termos o contrário do que ocorre nesses outros países. Nós somos um país pobre e se formos tributar renda e patrimônio, dificilmente alguma coisa vai ser tributada, em virtude de que a grande maioria da população é pobre ou de classe média e não consegue fazer renda e patrimônio para poder suprir o que eles podem tirar no consumo. E no consumo é uma coisa bastante ampla e fácil de fazer a tributação.

Então o sistema tributário brasileiro é injusto?

Nós temos um sistema injusto em virtude de que a grande maioria da arrecadação dos tributos no país incide sobre o consumo. Todo mundo pagando igual, ou seja, os com poder aquisitivo menor acabam proporcionalmente pagando mais, e isso provoca uma injustiça com relação à população mais pobre. Esse sistema é muito injusto ao tributar bem mais aqueles que podem bem menos. Nós poderíamos ter, dentro de um sistema justo, uma tributação menor sobre consumo, fazendo com que a tributação maior incidisse sobre renda e sobre patrimônio, como acontece em alguns países, como Estados Unidos, Europa e países nórdicos. Lá quem efetivamente ganha mais acaba pagando mais, coisa que aqui no Brasil não acontece. O governo diz que não dá para fazer isso aqui porque o Brasil é um país pobre, e a arrecadação tem que ser em cima da maioria dos brasileiros, aqueles que adquirem produtos como consumidor final. E aí eles terão essa arrecadação garantida. Mas o que seria realmente mais justo seria um sistema tributário nacional para que a tributação fosse realmente de acordo com a capacidade contributiva de cada cidadão.

E as propostas de reforma tributária?

Nós estamos esperando, e acho meio difícil que isso venha a acontecer, que a reforma tributária corrija essa injustiça tributária que temos no Brasil. Mas pelo que vimos até agora as 3 propostas de reforma que foram apresentadas, todas não são para acabar com essa forma de tributação no Brasil. Muito pelo contrário, vão ser criados novos tributos que também vão incidir sobre o consumo. Vai ser uma reforma tributária simplificadora, porque nós vamos eliminar muitos tributos que hoje são cobrados, mas infelizmente os tributos que serão instituídos na reforma também têm essa característica de tributação incidindo sobre o consumo. As propostas de reforma tributária não trazem uma redução da carga tributária, são voltadas à simplificação de tributos. Então nós vamos ficar da mesma forma com relação à questão da injustiça de tributação em cima dos menos favorecidos. E não vejo a curto prazo algo que mude em relação a isso, infelizmente essa injustiça parece que vai perdurar ainda por um longo tempo.

O que precisaríamos ter feito para não estarmos nessa situação?

Primeiro uma reforma administrativa, em que o governo diminuísse os gastos públicos. O governo gasta muito e gasta mal, e nós não temos um retorno dessa arrecadação tributária em serviços que deem uma qualidade de vida melhor à população. Temos um funcionalismo público que exige uma gama de recursos do governo, pagamento de dívida, aposentadorias, que mesmo com a reforma da Previdência são valores extremamente altos. Teria que diminuir os gastos dos governos municipal, estadual e federal. Se você tem gastos menores, você não vai precisar de uma arrecadação tributária tão alta para suprir esses gastos. Seria um sistema mais justo se ele tirasse a tributação do consumo e passasse a tributar mais renda e patrimônio. E também uma carga tributária menor para desonerar os preços dos produtos, mercadorias e serviços. Com isso, logicamente, a população teria um acesso mais fácil ao consumo em virtude do menor preço.