Já faz mais de seis meses que as aulas estão suspensas na maior parte do País devido à pandemia do novo coronavírus. Desde então, as instituições se esforçam para mitigar os possíveis impactos do período sem aulas sobre os estudantes. Porém, a estimativa é que 25% a 30% deles não tenham tido acesso ao ensino remoto nesses últimos meses.

O prejuízo causado aos alunos pela pandemia vai além da educação. Os impactos também são de ordem social, afirma Olavo Nogueira Filho, diretor executivo do Movimento Todos Pela Educação, organização sem fins lucrativos voltada à melhoria da Educação Básica no Brasil. “Tem um outro conjunto de impactos, que seriam os impactos sociais, que envolvem, por exemplo, a questão da nutrição, a questão da saúde emocional ou até mesmo o aumento dos indicadores de abuso e violência doméstica.” No Brasil, como o ensino remoto não chegou a todos os alunos de maneira uniforme, os impactos serão “brutais”, ele completa.

Imagem ilustrativa da imagem Planejamento em vez de debate sobre reabertura de escolas
| Foto: Divulgação/Movimento Todos pela Educação

Mais que debater a possibilidade de reabrir escolas, o diretor executivo ressalta a necessidade de planejamento para uma reabertura com segurança e qualidade assim que possível. Antes de reabrir as portas para os estudantes, é necessário um intenso trabalho de preparação que envolve a implantação de medidas sanitárias capazes de garantir a segurança de alunos e professores, e um plano de ação para mitigar os desafios gerados pela pandemia na vida escolar de crianças e jovens.

Que impactos já são esperados em relação ao aprendizado dos alunos com esse tempo fora da sala de aula?

Ainda no primeiro semestre desse ano, quando estávamos no começo da pandemia, tivemos no Todos pela Educação um levantamento de experiências no passado recente de outros países que passaram por situações similares, de longo período de fechamento de escolas em função de desastres naturais, cenários de pós-guerra ou até mesmo de pandemias localizadas. A ideia foi tentar antecipar alguns dos possíveis impactos nos estudantes por conta desse fechamento. E já neste primeiro semestre estava evidente que esses impactos seriam de múltiplas naturezas. Você tem impactos educacionais, é claro, e aí a gente está falando de aprendizagem, vínculo com a escola, do hábito de aprender. Mas também tem um outro conjunto de impactos, que seriam impactos sociais que envolvem, por exemplo, a questão da nutrição, a questão da saúde emocional ou até mesmo o aumento dos indicadores de abuso e violência doméstica. Isso tudo na experiência internacional. Quando a gente olha para o Brasil, esses dois impactos, educacionais e sociais, em especial, serão absolutamente brutais. Isso por conta do período de fechamento, mas fundamentalmente pela forma como a maior parte das redes, das escolas, tem conseguido responder a esse cenário de fechamento, que é um ensino remoto, quando existente, improvisado e com alcance muito limitado. E o fato de que o ensino remoto para uma parcela significativa das crianças e jovens não tem chegado.

Existe risco de evasão escolar?

As pesquisas sobre evasão escolar no mundo e no Brasil indicam que há uma série de fatores normalmente associados. Há três questões que surgem com bastante ênfase e que estão sendo impactadas pelo cenário da pandemia. A primeira é a questão do déficit de aprendizagem. Há uma associação entre desempenho ruim na escola e isso levar um aluno a eventualmente abandonar e evadir o sistema. Isso certamente está sendo impactado nesta pandemia. Há uma segunda que é a questão do vínculo com a escola. O aluno de fato se sentir acolhido pela unidade escolar, entender que a escola faz sentido para seus projetos futuros de vida. E essa questão do vínculo, por conta do fechamento de escola, do limite que o ensino remoto tem apresentado, é outra questão que tem sido impactada pelo cenário atual. E há um terceiro fator normalmente associado com evasão e abandono que é a busca por trabalho. Esta também é uma variável que será impactada pela pandemia em função da crise econômica. Infelizmente, provavelmente a gente vai ter um número maior de jovens especialmente no Ensino Médio com necessidade de complementação de renda em casa, o que pode levar a um aumento do índice de evasão.

As aulas remotas contribuíram para reduzir o prejuízo educacional ocasionado pela pandemia?

Esta resposta não pode ser dada de maneira uniforme para todo o Brasil. Houve ações de ensino remoto mais consistentes por parte de algumas redes, houve um conjunto muito grande de redes de ensino que conseguiram lançar ações muito tímidas de mitigação, e houve um conjunto também expressivo de redes de escolas que sequer conseguiram se organizar para conseguir chegar aos alunos. Nas regiões mais pobres, mais vulneráveis, esse cenário certamente é mais desafiador e os indicadores mostram que são exatamente nesses locais onde o alcance foi mais limitado. Se tem algo que está muito claro, evidente, com seis sete meses de fechamento, é que por mais consistentes que estejam sendo essas iniciativas de ensino remoto, elas não conseguem substituir o que teríamos no ensino presencial. Mas são muito importantes, mesmo que não sejam substitutos, porque mitigar o impacto é fundamental não só para curto prazo, mas também para o retorno. As redes que conseguiram fazer o melhor trabalho de mitigação e de redução dos danos terão desafios menos complexos. A capacidade de manter o vínculo com os alunos nesse período, de conseguir promover alguma interação entre os estudantes de uma mesma classe, com seus professores, certamente será alicerce no retorno. Quando a gente olha os dados e percebe que algo em torno de 25% a 30% dos estudantes da educação básica sequer tiveram acesso ao ensino remoto nesses últimos sete meses, percebe que o quadro é muito grave.

Qual seria momento certo para o retorno das aulas?

No Todos pela Educação a gente tem se posicionado da seguinte forma: primeiro, que a premissa básica para uma reabertura segura é o controle da pandemia. A preservação da vida é condição fixa. Essa definição de quando é seguro reabrir cabe às autoridades de saúde. Quando a gente olha para experiências internacionais, de países que estão um pouco na frente nesse processo de controle da pandemia, a gente percebe que esse momento parece perceptível quando a pandemia está em declínio, mas fundamentalmente quando ela está num patamar muito baixo. Os países que conseguiram reabrir com segurança mostram que tem que controlar a pandemia e para isso tem que conseguir implementar uma série de protocolos sanitários para garantir que a escola não seja um novo foco de disseminação da Covid-19. Infelizmente no Brasil, por uma série de fatores, seja por negligenciamento do governo federal com relação ao controle da pandemia, seja porque as quarentenas em muitos estados e municípios acabaram sendo frágeis, a gente tem um cenário trágico de seis, sete meses de muitos locais em que ainda não há um controle da pandemia ou não há um patamar muito baixo de disseminação da Covid. Dito isso, a discussão tem que evitar esse embate entre reabrir ou não reabrir. Isso é uma decisão da saúde que vai dizer se está seguro para reabrir. Se não é uma discussão binária de reabrir ou não reabrir, a discussão precisa se dar desde já sobre como reabrir com segurança assim que for possível. E essa é uma discussão nada trivial, porque os países que conseguiram reabrir com segurança para além do controle da pandemia foram aqueles que implementaram protocolos ultrarrigorosos de cuidado sanitário. E para além dos protocolos de cuidado sanitário, tem que entender que um retorno seguro e com qualidade não é só um retorno que preza pela saúde das pessoas, mas também um retorno que tenha uma resposta educacional e extraeducacional para combater os desafios que a gente discutiu na primeira parte.

Quais são os pontos importantes que têm que estar previstos neste planejamento?

Tem uma série de protocolos sanitários que envolvem decisões sobre como manter os ambientes higienizados, um retorno gradual, um retorno que ao ser gradual afaste os grupos de risco, alunos ou profissionais, dessa primeira retomada, um retorno que garanta equipamentos de proteção individual para os profissionais de educação e para os estudantes. Há países no mundo que mostram que, com a pandemia controlada, é possível voltar com segurança caso a gente consiga implementar esses protocolos sanitários. Mas tem outro conjunto de medidas nesse retorno imediato que são medidas educacionais. Aqui estamos falando, por exemplo, de protocolos de acolhimento dos estudantes e dos profissionais, revisão do calendário escolar, a formação e o apoio aos profissionais de educação para poderem enfrentar um cenário inédito, a avaliação diagnóstica do estudantes, e programas de recuperação, principalmente dos alunos que tiveram pouquíssimo acesso ou nenhum acesso ao ensino remoto. Mas há algo que precisa entrar com mais força no debate que é para além dessa resposta imediata. É fundamental que a gente comece a pensar a partir de uma lógica de mais médio e longo prazo. E aqui, recentemente, um pesquisador colocou de uma maneira muito clara algo que faz muito sentido: temos que pensar os próximos dois anos da educação como um período em que uma série de ações novas precisarão ser desencadeadas para a gente conseguir fazer três anos em dois. Como que ao longo dos próximos dois anos a gente dá uma resposta à altura dos desafios que virão. Não são desafios pontuais, portanto. Uma resposta pontual não será suficiente. Os efeitos são duradouros e portanto precisam de uma ação e de um plano de médio e longo prazo.

Ouça a entrevista:

Folha de Londrina · ENTREVISTA | Quando as aulas vão voltar?