As ouvidorias públicas viabilizam o direito do cidadão ser ouvido e ter suas demandas pessoais e coletivas tratadas adequadamente. Elas cumprem o papel de fazer essa intermediação. Embora hoje estejam incorporadas ao cotidiano, a primeira delas surgiu apenas com a redemocratização do país, há 35 anos, mais precisamente no Paraná. No dia 24 de março de 1986 foi criada a primeira Ouvidoria pública do país, em Curitiba.

O advogado Manoel Eduardo Alves Camargo e Gomes foi o primeiro ouvidor público no Brasil.
O advogado Manoel Eduardo Alves Camargo e Gomes foi o primeiro ouvidor público no Brasil. | Foto: Divulgação/Arquivo pessoal

Inicialmente ela funcionou no saguão do Palácio 29 de Março, sede da prefeitura da capital paranaense. O serviço tem sua origem no "hogsta ombudsmänem" (supremo representante do rei), criado em 1713 pelo rei da Suécia, Carlos XII, como solução para os longos períodos em que ele se ausentava do país.

Ao ombudsman competia vigiar os funcionários do governo na execução das ordens e leis. A Folha entrevistou o primeiro ouvidor-geral de Curitiba, o advogado Manoel Eduardo Alves Camargo e Gomes. Segundo ele, a ouvidoria foi criada pelo então prefeito Roberto Requião (sem partido), por meio do decreto 215/1986.

Em Londrina a Ouvidoria-Geral foi criada pela Lei 12.395, de 18 de março 2016 e seu primeiro ouvidor foi Márcio Horaguti. Atualmente o cargo é ocupado por Alexandre Sanches Vicente. Ela pode ser acessada pelo formulário do SEI (https://sei.londrina.pr.gov.br/sei/controlador_externo.php?acao=ouvidoria&id_orgao_acesso_externo=0).

No Paraná foi publicado o Decreto 7791 - 8 de Junho de 2021, que estabelece medidas de proteção à identidade do denunciante de ilícito ou de irregularidade praticados contra órgãos e entidades da Administração Pública Estadual. Atualmente existem 78 ouvidores titulares nos órgãos do Poder Executivo e mais 2.713 servidores com acesso ao sistema de ouvidoria. A Ouvidoria-Geral do Estado atende pelo telefone 0800 041 1113 ou pelo WhatsApp: (41) 3883-4014.

Como foi esse processo de criação dessa ouvidoria?

Eu vou começar bem no início, com o processo de redemocratização do Brasil. Durante o regime militar, nas capitais não havia eleição para prefeitos. Então na primeira eleição após o regime militar em Curitiba, houve uma frente ampla voltada de fato para o processo de redemocratização da administração municipal. Nesse processo de discussão sobre como redemocratizar surgiu a ideia de implementarmos em Curitiba algo semelhante a um instituto do ombudsman, que havia sido instalado na Constituição portuguesa após a ditadura de Salazar e na Constituição espanhola logo após o regime ditatorial de Franco. As duas constituições contemplaram a figura do ombudsman. Na Espanha era chamado de defensor do povo e em Portugal foi chamado provedor de justiça.

Imagem ilustrativa da imagem Ouvidoria pública completa 35 anos no Brasil
| Foto: iStock

E isso foi uma experiência que eles importaram da Suécia, não é?

Exatamente isso que eu ia dizer. Essa é uma experiência que eles importaram da Suécia de 1809. A primeira Constituição europeia que se pautou na teoria da separação de poderes de Montesquieu e influenciada por ele foi a constituição sueca. Eles contemplaram a figura do ombudsman como uma figura da alta hierarquia como representante do parlamento para a defesa dos direitos do cidadão em face das ilegalidades perpetradas eventualmente pelo governo, pelo poder executivo. Eles tiveram essa iniciativa na Constituição sueca, porque antes da constituição na monarquia o rei Carlos XII da Suécia viajava muito e ficava muito tempo fora do país e deixava o representante dele ali. Esse representante chamava-se ombudsman.

A Suécia acabou tendo sempre um representante do rei nas ausências dele. Como o parlamento se reunia também extraordinariamente, então nesse período, quando não existia nem rei nem parlamento, ficava esse ombudsman. Com o advento da constituição sueca, ele deixou de ser um representante do poder executivo e passou a ser um representante do poder legislativo. O fato é que, com a Constituição, esse representantes passou a ser o representante do parlamento para a defesa dos direitos dos cidadãos. Da Constituição sueca ele vai para a Constituição finlandesa e de lá se esparrama pelo mundo democrático europeu.

Tem um lapso de tempo e a partir de 1950 ela se universaliza na Europa. Vai para a Dinamarca, vai para outros países, até chegar na constituição portuguesa. A primeira experiência que ocorre na América Latina, salvo engano, é a nossa aqui em 1986.

E qual foi a proposta local?

A ideia era que a gente ficasse ligado ao executivo durante um ano para experimentar e depois encaminharíamos um projeto de lei para a Câmara para que o ombudsman fosse um representante do legislativo municipal.

Fizemos mais ou menos isso. Ficamos um ano no executivo, fizemos um grande congresso, fizemos um projeto de lei e encaminhamos ao poder legislativo. Isso ficou latente lá até que nós conseguimos incluir na lei orgânica do município de Curitiba a figura do ouvidor municipal, que seria um representante do poder legislativo para exercer um controle sobre todos os atos da administração pública e do próprio legislativo em defesa dos direitos do cidadãos.

Conseguimos colocar isso no corpo da lei orgânica e isso ficou parado sem regulamentação em Curitiba durante muito tempo, até que há cerca de cinco ou seis anos atrás. Com a presidência do Paulo Salamuni na Câmara, que teria trabalhado na ouvidoria na época, ele regulamenta isso de forma muito democrática. O ouvidor seria escolhido através de uma lista tríplice apresentada pelas associações representativas dos interesses do cidadão e essa lista tríplice seria submetida ao corpo de vereadores da Câmara. Sairia uma lista sêxtupla das associações e daí uma lista tríplice da qual no final era feita a indicação do ouvidor.

Por que o senhor acha que demorou tanto tempo para essa regulamentação?

Porque há a falsa impressão, e isso não apenas na Câmara Municipal de Curitiba, mas no Brasil como um todo, a falsa impressão de que o ouvidor, do legislativo, voltado para o controle do executivo, de alguma forma amesquinharia a função do vereador. Isso é um grande equívoco, porque a rigor o ouvidor acaba sendo um braço, um instrumento na mão dos vereadores, inclusive.

O fato é que fizemos essa experiência e tão logo criamos ouvidoria aqui de Curitiba começaram a pipocar as ouvidorias em todas os partes do Brasil. E todas as ouvidorias ligadas ao executivo. O cenário hoje no Brasil, do meu ponto de vista , de alguma forma decepciona aquele projeto original. A ideia seria que nós tivéssemos no Brasil o instituto do ombudsman, vinculado ao legislativo, mas a maioria absoluta das ouvidorias brasileiras acabou se constituindo como ouvidores internos, ligados ao poder executivo. Mesmo aqueles ouvidores do legislativo exercem o controle interno. Nossas ouvidorias passaram a ser instrumentos de controle interno. Isso é muito complicado, porque desvirtua a figura do ombudsman. As ouvidorias brasileiras ainda que sejam similares ao instituto ombudsman, trazem pouco do instituto ombudsman. O instituto tem que ter alguns atributos, entre os quais autonomia, independência, coisa que um cargo em comissão vinculado ao poder executivo, ao próprio órgão controlado, não proporciona.

Montesquieu criou a tripartição dos poderes e essas atribuições do modelo aceito atualmente de legislativo, executivo e judiciário. A figura do ombudsman se encaixa como nesse cenário?

A ideia do ombudsman não é do Montesquieu. Como a Constituição sueca trabalhou com a ideia de Montesquieu da separação dos poderes, você passou a ter um legislativo mais forte e devidamente separado do executivo e do judiciário. E com isso tudo aí eles alocaram o instituto do ombudsman no legislativo. É importante compreender que o instituto do ombudsman é atípico do ponto de vista do conjunto de controles. No Brasil hoje nós não temos um ombudsman. O ombudsman é um alto cargo que na Suécia, por exemplo, é a única autoridade que pode interpelar o próprio rei. Ele tem status de ministro de estado. Exerce de fato controle sobre toda a administração pública e com absoluta independência. Se você pegar, por exemplo, “el defensor del pueblo” da Espanha, ele tem autonomia orçamentária e tem independência absoluta em relação ao poder executivo.

Como ombudsman não pode reformar nenhum ato e não pode anular nenhum ato. O instrumento do ombudsman é a recomendação e para que ela tenha força o ombusman tem que ser uma alta autoridade, como um ex-ministro da suprema corte. Tem que ser um sujeito cuja recomendação tem uma força enorme, quer pelo status do ouvidor, quer pelo apoio da opinião pública, quer pela força da imprensa.

O ombudsman presta conta só ao parlamento uma vez por ano. Na Suécia, ele apresenta um longo relatório ao parlamento dizendo tudo o que fez durante o ano. Nós, no Brasil, quase tivemos a possibilidade de ter um ombudsman aqui em Curitiba. Isso foi retirado da lei orgânica, do meu ponto de vista antidemocraticamente pela gestão anterior, e foi retirado também do último substitutivo da Constituição. No relatório do Afonso Arinos continha um capítulo na Constituição do defensor do povo. O Brasil teve uma grande possibilidade de ter um defensor do povo já com o advento da Constituição de 88 e teve também a oportunidade de ter aqui no município de Curitiba e isso foi tragicamente retirado pelos vereadores.

Essa figura do defensor do povo tentaram implantar isso lá no Rio de Janeiro, não?

Houve várias tentativas, mas é importante ter em conta que isso não se confunde com o instituto da Defensoria Pública. Existem alguns órgãos da administração pública estadual que têm uma forma de eleição do defensor do povo como instrumento de controle interno, que é uma forma bem democrática. A Defensoria Pública de alguns estados tem ouvidores que são eleitos por um conselho de representantes da comunidade. O ouvidor de São Paulo é eleito e presta contas para um conselho de representantes da sociedade civil, para a Ordem dos Advogados e da Associação Brasileira de Imprensa e da comissão de direitos humanos. Você tem alguns ouvidores hoje que são eleitos e prestam contas à sociedade civil. A experiência mais ousada foi da Prefeitura de Santo André, em São Paulo. O ouvidor municipal lá tem autonomia, tem Independência e é controlado por um conselho de representantes da sociedade civil.

Todo serviço novo traz dúvidas em relação a como utilizá-lo. Como foi a divulgação na época? A população sabia o que era uma ouvidoria?

Quando assumimos fizemos uma ampla divulgação. Foi uma divulgação praticamente voluntária. Nós fomos capa do Estadão, saiu na Veja, na Folha de São Paulo, no Jornal do Brasil. O Brasil se assustou com a ideia. Em Curitiba, especialmente, onde nós criamos, a imprensa deu amplo apoio e de forma muito impressionante. Nós tivemos uma demanda enorme. Em um ano e meio abrimos em torno de 3 mil processos.

E quais as principais reclamações naquela época?

As demandas eram as mais diversas. Iam desde questões de trânsito até questões referentes à cidadania mesmo.

O senhor enfrentou dificuldades em relação à estrutura inicial?

Claro . Quando nós assumimos, a estrutura administrativa da prefeitura vinha toda do regime militar, portanto vinha de um regime de intransparência, de pouca participação e quando nós passamos a atuar e a gente atuava sempre motivado por reclamações da sociedade, isso gerava grandes reações corporativas da própria burocracia.

Da burocracia e também de forças da iniciativa privada também que circulavam no meio político?

Em relação à iniciativa privada não propriamente, porque a iniciativa privada também tem acesso às reclamações e também pode ser protagonista das reclamações. Porque podem reclamar pessoas físicas e pessoas jurídicas. A acessibilidade à ouvidoria é absoluta. Inclusive menor pode, qualquer cidadão pode. Estrangeiro pode. A acessibilidade é uma das características do instituto do ombudsman. Inclusive alguns ombudsmen no mundo autorizam reclamações de presidiários, de menores, de doentes mentais. Tivemos vários casos em que nós atuamos contra a iniciativa privada. Na época, por exemplo, tinha uma indústria de concessão de alvará e nós atuamos fortemente em relação a isso. Anulamos diversos alvarás e propusemos a anulação de vários alvarás. Tomamos diversas iniciativas que de alguma forma atingiram aquelas práticas ilícitas da iniciativa privada que se deparavam ali com as reclamações da ouvidoria.

Quando o senhor recebeu a incumbência de ser o primeiro ouvidor- geral, o senhor buscou ou se aconselhou com ouvidores de outros países, como Portugal e Espanha?

Quando surgiu a ideia de se criar o ombudsman aqui no Brasil, a primeira coisa que fiz foi entrar em contato com todas as embaixadas dos países que tinham o instituto ombudsman. Naquela época lamentavelmente não tínhamos Google ou internet. Mandei carta a todas as embaixadas, que enviaram aos ministérios da justiça e eu recebi informação, porque não tinha nada escrito no Brasil a respeito. Recebi as informações de alguns países a quem tinha pedido e a partir daí estruturamos a ideia de ouvidoria. Nós realmente partimos dessa experiência. E a intenção do então prefeito na época, que era o Roberto Requião, e de toda a equipe era que de fato a gente tivesse um instituto do ombudsman mesmo, uma ouvidoria vinculada ao legislativo. Essa era a intenção. Tanto é verdade que nós encaminhamos um projeto de lei para a Câmara que foi aprovado em um Congresso Internacional de ombudsman, vinculando o instituto do ombudsman na Câmara. Mas na sequência veio o governo Jaime Lerner que acabou extinguindo a ouvidoria.

Ele chegou a manifestar o motivo da extinção?

A justificativa dele foi justamente que tinha sido previsto ouvidor público na Câmara dos Vereadores por conta da previsão na lei orgânica e que portanto não tinha sentido ele manter um ouvidor interno. O interessante é que com a previsão que nós fizemos na lei orgânica e que se manteve até recentemente, o ouvidor municipal de Curitiba tinha poderes para exercer o controle dos atos praticados pelo poder executivo e pelo poder legislativo, mas agora a Câmara colocou como tendo só poderes para controlar os poderes do legislativo. Então amesquinhou a ouvidoria.

Como as pessoas entravam em contato com a ouvidoria. Elas faziam as denúncias e reclamações por telefone ou por carta?

Um dos princípios que regem o ombudsman é o princípio da pessoalidade. Então, a rigor, um ombudsman teria que atender pessoalmente. Claro que isso operacionalmente não é possível, mas tem que existir essa possibilidade de acesso direto, porque uma das características é a desburocratização. É o fato de não ser um instrumento de controle formal e burocrático. Ele é formado pelo princípio da oralidade. Nós tínhamos uma sede e recebíamos as reclamações ali. Na época tínhamos aquele sistema 156, recebíamos as reclamações por telefone. Não existia internet e recebíamos pessoalmente. O ouvidor tinha o poder de ofício. Se ele soubesse de alguma informação, de alguma denúncia vinda da imprensa, o ouvidor de ofício tomava as providências.

E a equipe era grande? Como era constituída?

Era composta por duas secretárias, o ouvidor e nós tínhamos inicialmente cinco advogados, mais um pessoal do administrativo. Era uma equipe relativamente pequena.

E essa equipe ficava onde?

No início, quando nós instalamos, foi muito ousado isso, no saguão do prédio da Prefeitura de Curitiba. Depois nós fomos a um prédio histórico que tinha no Largo da Ordem.


E como o senhor acredita que deve ser o cargo do ouvidor?

Prestigiar a ouvidoria significa conferir autonomia aos ouvidores, independência para que eles possam de fato exercer a função que lhe é própria, que é de defesa dos cidadãos em face dos atos praticados pela administração pública. Para que tenham independência e autonomia e tenham força é preciso que eles sejam alçados a um nível hierárquico superior. Se você tem um ouvidor muito fraco, como é que o ouvidor vai reclamar de um ato realizado pelo secretário? É fundamental que ele tenha mandato do qual não possa ser destituído. No Brasil você não sabe se a ouvidoria é um mero balcão de reclamação, se os servidores realmente têm poderes para solucionar os problemas. É muito comum por aqui a utilização das ouvidorias como instrumento de marketing político.

Como resolver isso?

Eu tenho postulado nos congressos que participo que haja uma lei orgânica das ouvidorias públicas.

Com mandatos não coincidentes com os cargos eletivos?

O interessante é que não haja coincidência para poder pegar, por exemplo, dois anos do mandato de um e dois anos do mandato de outro.

Serviço:

Atendimento ao público na Ouvidoria-geral de Londrina

Horário de Atendimento: das 8h15 às 17h45

(43) 3372-4530 3372-4531 3372-4532 3372-4533 ou tridígito 162

WhatsApp: (43) 3372-4530