O futuro das políticas públicas para as juventudes
Entre 2005 e 2015 houve crescimento de programas específicos para os jovens brasileiros, tendência que começou a mudar em 2016, como resultado de crises políticas e econômicas em níveis global e local
PUBLICAÇÃO
sábado, 28 de novembro de 2020
Entre 2005 e 2015 houve crescimento de programas específicos para os jovens brasileiros, tendência que começou a mudar em 2016, como resultado de crises políticas e econômicas em níveis global e local
Lucio Flávio Cruz - Grupo Folha
Os jovens brasileiros têm cobrado e participado cada vez mais de políticas públicas voltadas para esta faixa etária. No entanto, a juventude do País tem mostrado cada vez menos interesse na política tradicional. Estes são algumas questões apontadas em um estudo inédito denominado "Reflexões sobre juventudes e liderança para políticas públicas no Brasil", elaborado pelo British Council, organização internacional que promove a cooperação entre o Reino Unido e o Brasil em áreas como língua inglesa, artes, sociedade e educação.
"A falta de interesse pela política tradicional entre os jovens chega a 60%, mas isso não significa que estejam totalmente distantes e desengajados com a política. A participação de maneira mais informal, local e orgânica tem ganhando espaço", afirma o diretor do British Council no Brasil, Andrew Newton.
O estudo, realizado em conjunto com o GIP (Gestão de Interesse Público), contou com análises de dados quantitativos de órgãos públicos e institutos de pesquisa, além de entrevistas com representantes de 17 Organizações da Sociedade Civil (OSCs) que têm atuações relevantes com as juventudes no Brasil.
O que o estudo mostra sobre as políticas públicas voltadas às juventudes?
O estudo traz uma reflexão sobre a trajetória e os desafios das políticas nacionais destinadas a esse público, a fim de informar possíveis ideias e caminhos para fortalecer ainda mais essa agenda. É interessante começar destacando que os avanços nessa trajetória ocorreram, principalmente, quando houve uma mudança na visão que se tem das juventudes. Até meados da década de 1980, as juventudes eram vistas como “um problema” ou “como um objetivo de regras e regulamentos”. Ao passarem a ser reconhecidas como “sujeitos de direitos”, iniciou-se uma introdução do tema nas políticas públicas nacionais. A promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990 tornou-se o primeiro marco da valorização do ser humano enquanto sujeito de direitos, independentemente da sua faixa etária.
Ao analisar a relação entre adolescência e juventudes, outro importante avanço foi a aprovação do Estatuto da Juventude, a partir da Lei 12.852 de 2013, que definiu, formalmente, que pessoas dos 15 aos 29 anos de idade formam a faixa etária identificada como "jovens", abrangendo assim um público de mais de 50 milhões de brasileiros.
Atualmente, podemos ver uma transição dos atores e agentes envolvidos nessa agenda, assim como na forma em que ela se organiza. Em função da diminuição das políticas públicas nacionais e do investimento social privado nos anos mais recentes, algumas organizações se mobilizaram e criaram o “Pacto das Juventudes pelos ODS”, uma importante iniciativa.
Como tem sido a participação dos jovens do Brasil no debate sobre políticas públicas?
Embora menos interessada na política tradicional, a população jovem tem participado ativamente no debate sobre políticas públicas no País e buscado outras maneiras de participação, de caráter mais informal, local e orgânico. Alguns dados interessantes destacados em nosso relatório nos mostram isso: segundo pesquisa de opinião pública realizada pela Secretaria Nacional de Juventude em 2016, 91% dos jovens disseram acreditar que são capazes de mudar o mundo.
Mesmo com esta percepção naturalmente mais otimista da juventude sobre o futuro, os números indicam descrença, entre os jovens, nos partidos políticos e espaços formais de participação, como sindicatos e associações. Por outro lado, uma pesquisa, realizada pelo DataFolha ao longo das eleições de 2018, mostra que há um interesse maior dos jovens em outras formas de participação: 77% responderam afirmativamente sobre seu engajamento em ações políticas informais. Outro achado importante é o uso das tecnologias para compartilhar informações e gerar mobilização.
É possível determinar as razões que levaram a diminuição de ações de políticas públicas aos jovens a partir de 2016, contrastando com o período anterior de 2005 a 2015?
O relatório de fato aponta que houve, entre 2005 e 2015, uma institucionalização das políticas públicas para os jovens, com criação de normas e espaços governamentais que reconheciam o jovem como sujeito de direitos. A partir de 2016, infelizmente, ocorre uma retração em decorrência de crises políticas e econômicas em nível global e local. O British Council acredita que é justamente neste contexto desafiador que se torna ainda mais fundamental formar lideranças para sustentar as conquistas anteriores e buscar novas.
Temos investido, portanto, em programas como o Active Citizens, que visa contribuir para o empoderamento de jovens líderes comunitários, e formado parceria com organizações como o Em Movimento, que compartilham de nossos objetivos de criar oportunidades inclusivas de acesso e desenvolvimento para as juventudes.
Existe uma queda significativa da participação das juventudes no processo eleitoral nos últimos anos, segundo o próprio TSE. Por que isso tem acontecido? Como inverter essa curva?
O relatório nos traz dados que informam que a falta de interesse pela política tradicional entre os jovens chega a 60%, mas isso não significa que estejam totalmente distantes e desengajados com a política. A participação de maneira mais informal, local e orgânica tem ganhando espaço. Jovens são influenciadores, fazem trabalho voluntário, participam de mobilizações e compartilham opiniões políticas pelas redes sociais.
Aliás, o uso da internet tem se mostrado uma ferramenta importante para o debate, mobilização e engajamento de jovens de diferentes classes sociais e que vivem em diferentes regiões do País. Para inverter essa curva, pensamos ser importante fomentar e legitimar o debate e participação, dando mais voz e acesso a redes de conexão. O British Council desenvolve globalmente o programa Future Leaders Connect, que oferece a oportunidade para jovens de 25 a 35 anos de diferentes países de participar de uma rede global de jovens líderes em políticas públicas.
Os participantes aprendem a desenvolver um plano de políticas públicas e as habilidades, os conhecimentos e os contatos necessários para ser um líder em seu país. Além disso, têm acesso a uma vasta rede de materiais sobre o tema e recursos de desenvolvimento profissional projetados para expandir sua experiência em liderança. Nós vamos trazer este programa ao Brasil em 2021.
A queda do interesse dos jovens nas questões eleitorais pode estar ligada ao aumento da taxa de jovens que não frequentam a escola e a taxa alta de jovens que não terminam o ensino médio?
Possivelmente há uma relação, já que o percentual de jovens na escola decai gradativamente ao longo das faixas etárias que compõem a juventude brasileira (15 a 29 anos). A saída precoce da escola inviabiliza o desenvolvimento de habilidades e formação suficientes para garantir melhores empregos e oportunidades no mercado formal. Acredito que o impacto econômico desfavorável que isso gera, somado à desilusão com a política e falta de identificação com os partidos, influenciam a falta de interesse nas urnas.
Como tornar o tema "política" em um assunto mais atrativo aos jovens?
Fazendo com que se sintam representados. Precisamos encorajar o debate, o pensamento crítico e a empatia, habilidades do século 21 que permitem às pessoas se tornarem cidadãos proativos e atenciosos que então estariam interessados em resolver desafios para as comunidades e se engajar em agendas locais.
Para isso, acredito que o primeiro passo é nos aproximarmos mais dos jovens e de seu dia a dia, não somente em espaços formais. Para isso, é necessário melhorar a comunicação, realizando um processo de escuta e estabelecendo um diálogo com as linguagens com que melhor se comunicam. O importante é ouvir as juventudes, garantir espaços inclusivos para que se expressem e se desenvolvam. Nesse sentido, a ferramenta de comunicação também é fundamental.
A internet e as redes sociais viabilizam esse alcance e início de conversa, que depois pode ser amadurecida em encontros e diálogos centrados em temas específicos de interesse desses jovens a fim de gerar mobilizações mais significativas.
Quais os temas mais abordados nas produções acadêmicas voltadas para o estudo das políticas públicas para a juventude?
O relatório analisou a produção acadêmica das últimos décadas sobre juventude, concentrando-se em três temas - gênero, inclusão e mudanças climáticas. Aprendemos que as agendas de gênero e inclusão são muito presentes entre os acadêmicos sociais que tratam de juventude. A temática das mudanças climáticas, no entanto, ainda é recente no País, com a maioria das pesquisas ainda se concentrando no aspecto técnico-científico, e poucos estudos sobre seus impactos sociais.
Em comparação aos outros dois temas (inclusão e mudanças climáticas), gênero é o assunto mais presente nos trabalhos publicados na pós-graduação, com ênfase em estudos sobre mulheres e meninas. No tema da inclusão, há presença massiva de teses e dissertações que abordam o ingresso da juventude ao mercado de trabalho, desde a análise de programas (federais, regionais e locais), ensino técnico e incorporação de jovens universitários.
O levantamento evidencia como o debate sobre mudanças climáticas ainda não atingiu profundamente o campo social brasileiro. Observando-se as produções da pós-graduação brasileira desde 2005, o tema dispõe de um percentual bem menor de publicações e estudos, se comparado aos dois anteriores.
Com a aproximação da COP-26 em Glasgow (26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática), em novembro de 2021, o British Council tem buscado fomentar a produção científica em diversas áreas do conhecimento por meio de chamadas abertas para financiamentos de workshops científicos e pesquisas interdisciplinares com enfoque em mudanças climáticas (https://www.britishcouncil.org.br/atividades/educacao/colaboracao-cientifica/challenge-grants-climate-change) e comissões criativas que reúnam arte, ciência e tecnologia digital para tomar parte de um programa cultural em preparação para a conferência (https://www.britishcouncil.org/arts/opportunities/open-call-creative-commissions). Ao longo do ano que vem outras inciativas relacionadas ao tema serão lançadas com foco no público jovem.
Quais as projeções que o estudo prevê para o futuro das políticas públicas voltadas às juventudes no Brasil?
O estudo não traz projeções sobre o futuro das políticas públicas voltadas às juventudes, não era esse o foco do trabalho. Mas, durante todo o processo de pesquisa de dados secundários e entrevistas com os membros das 17 organizações da sociedade civil convidadas para este relatório, ficou evidente para o British Council e para o GIP a importância de ter as juventudes como um tópico transversal de atenção.
A demografia brasileira, composta por quase 50 milhões de jovens, faz das juventudes um grupo significativo em si, mas também pela oportunidade de transformar as desigualdades estruturais relacionadas a gênero, raça e classe social.
O British Council buscará, portanto, fortalecer nos próximos anos laços com organizações de jovens e/ou organizações relacionadas a jovens. Dessa forma, esperamos empoderar cada vez mais os jovens para que eles mesmos possam identificar, desenvolver, monitorar e executar políticas públicas que atendam às suas necessidades, aspirações e interesses.