Você provavelmente já ouviu falar de alguém ou mesmo passou por um momento, por volta dos seus quarenta ou sessenta anos, em que percebeu que não quer mais seguir o estilo de vida que tem. Seríamos todos condenados a continuar no rumo que escolhemos quando tínhamos apenas vinte anos? Para Marisa Caiado, essa não é uma opção. Ela é pesquisadora e produtora de conteúdo sobre o Life Redesign, um processo que auxilia muitos a replanejar sua vida e carreira.

Com o isolamento causado pela pandemia da Covid-19, Marisa viu a oportunidade de compartilhar suas experiências gratuitamente por meio da internet, em plataformas como o podcast e o Youtube. Hoje, ela vem conversar um pouco sobre esse processo com a Folha de Londrina.

Marisa é formada em serviço social pela PUC- SP e psicologia pela USP, com pós-graduação pela Stanford University, Toledo University, Japan International Coorperation Agency e USP. Atua na área de eventos empresariais, sendo diretora do Novapersona, grupo que reúne empresas da área da comunicação e eventos corporativos. Além disso, ministra palestras e cursos e em 2016 lançou o livro “Gagá nem pensar”, em que discorre sobre a velhice e seus efeitos no cérebro.

Marisa Caiado: " Porque tudo muda em volta da gente, inclusive a gente"
Marisa Caiado: " Porque tudo muda em volta da gente, inclusive a gente" | Foto: Divulgação

O que é o Life Redesign? O que significa esse termo?

Eu sempre fui consultora na área de recursos humanos e eu percebi o que acontece com as pessoas quando elas vão envelhecendo dentro das organizações, principalmente, e passei a estudar a respeito de longevidade e aquilo que acontece em relação ao nosso cérebro, que é o que me interessa mais. Quando você fala de longevidade, você pode falar de atividade física, de nutrição – muitos assuntos dos aspectos humanos. Mas o que me interessa é exatamente como o nosso cérebro funciona, porque se ele não estiver funcionando bem, tudo mais vai funcionar mal em qualquer aspecto da nossa vida. Eu percebi, nas pessoas com que eu tenho contato em workshops, cursos e palestras, uma certa infelicidade e insatisfação com a própria vida. Tem gente que fala e tem gente que não fala, mas a gente percebe. Os jovens e adolescentes - junto com as suas famílias, pais e professores - traçam um plano para a própria vida. Então, elas decidem o que elas vão estudar, se vão estudar ou não, que carreira vão querer seguir. Aí elas encontram alguém, se apaixonam e decidem se elas vão se casar, se vão morar juntos e ter filhos. Esse é um plano que é feito lá atrás, quando a gente é bem jovem. A vida vai passando e a carreira se consolida, os filhos crescem e vão tomar o seu rumo, os relacionamentos se modificam, a família se modifica, porque o tempo passa e tudo muda. Quando chega em torno dos 40 anos para mais, aquele plano que foi feito lá na adolescência já não serve mais para a vida adulta e muito menos para a vida de longevos. Toda essa geração já está vivendo muito mais. Nós somos pioneiros dessa vida mais longa. No Brasil, a gente tem, nos últimos anos, trinta e poucos anos a mais de vida do que tinham os nossos antepassados. Só que as pessoas não sabiam que iam viver tanto e não se prepararam. A minha proposta de Life Redesign significa “redesenhe a sua vida daqui para frente”. Aquele plano que você tinha lá atrás, não sei se ainda serve para a sua vida de agora, em que você tem cinquenta ou sessenta anos. O meu objetivo é que as pessoas se conscientizem do que está acontecendo com elas e tomem a decisão de realmente replanejar a vida. Isso que significa o Life Redesign: replanejar a vida de uma certa fase para frente. Porque uma pessoa que tem sessenta anos dificilmente vai estar muito feliz, satisfeito, alegre e realizado com o que ela planejou quando ela tinha vinte. Porque tudo muda em volta da gente, inclusive a gente.

Pensando nessa forma de redesenhar a vida, de repensá-la, quando você acha que as pessoas estão preparadas para fazer esse tipo de processo e quando elas entendem que precisam disso?

O meu livro, eu o escrevi depois de uma angústia muito grande que me deu quando eu assisti a uma das aulas lá na Stanford e entendi que o nosso envelhecimento do cérebro se inicia quando termina a adolescência. Com vinte e poucos anos, o cérebro começa a declinar se a gente não cuidar dele. Naquela época, eu ainda imaginava assim: “velho vai estar com sessenta anos ou mais”. Não, está errado isso, muito errado. A gente começa a ter problemas assim que termina a adolescência, se a gente não cuidar do cérebro. Então, qual é a idade melhor para fazer isso? A partir de quarenta e poucos anos, eu acho que ela já tem que começar a olhar para ela, como está a vida dela, como estão as pessoas em volta dela e, acima de tudo, fazer a pergunta: “O que eu gosto? O que me agrada? O que me deixa feliz? O que me traz alegria? Essa vida que estou levando é a vida que eu queria para mim?” Se a resposta for “não sei, estou em dúvida”, então é hora de começar a pensar em redesenhar a sua vida e eleger aquilo que te traz satisfação e felicidade. A gente não precisa ter uma vida amarga, não precisa ter uma vida ruim.

Com esse isolamento social parcial ou integral, é um ótimo momento em que todo mundo foi obrigado a se olhar, olhar como está a própria vida. Eu acho que é hora de criar forças para mudar aquilo que não está bom. Eu parto do princípio de que cada pessoa é responsável pela própria vida. Não é o outro, não é ninguém. A gente acaba culpando os outros, responsabilizando os outros por aquilo que a gente acha que não está legal na vida da gente. É muito comum ouvir da esposa: “A minha vida não é legal, mas o meu marido assim...” – Ou o homem: “A minha vida não é legal, mas eu tenho uma mulher assim... ou meus filhos...”. Não. Cada um tem a vida que decidiu ter, e é difícil de aceitar isso, entender isso e tentar mudar a partir daí. Muita coisa que não nos agrada tem raiz em uma decisão que a gente mesmo tomou, porque todo ser humano nasce livre e a gente vai criando as amarras conforme a vida vai passando, porque a gente decidiu ter essas amarras. E isso é assustador para as pessoas admitirem. Não adianta ficar culpando o outro: “A minha vida está uma droga por causa de ‘não-sei-quem’”. Negativo! Se a sua vida não esta legal, é por causa de você mesmo. No fundo, as escolhas são pessoais. A sociedade nos impõe uma porção de regras, os preconceitos sociais nos impõem muitas coisas ruins. Mas, acima de tudo, as pessoas têm preconceito com elas mesmas.

Quando eu encontro mulheres de cinquenta anos ou mais, eu pergunto para elas: Você gostava de dançar quando era novinha? A maioria me responde: Claro! Adorava, dançava muito. E você dança agora? Não. Por que você não dança? Já não estou na idade. Já pensou o que as pessoas vão achar de mim, dançando com esse meu corpo? Eu já não tenho o corpo que eu tinha.

Isso é um absurdo, porque o prazer de dançar, para a pessoa que gosta, tem que ser sempre dela. Se alguém vai achar que eu estou meio gordinha, estou com pneu, que eu sou desajeitada e por isso não posso dançar, o problema é da pessoa que esta julgando, não é meu. A pessoa acaba tendo preconceito contra ela mesma e vai se fechando, se limitando.

O objetivo do meu trabalho é muito mais que as pessoas se libertem desse monte de entraves que as pessoas trazem para a própria vida para ficar mais leves, felizes e ter mais alegria, ter uma vida mais satisfatória e, certamente, terá uma vida mais longa. Isso faz muito bem para o nosso cérebro.

Hoje em dia, nesse período muito difícil em que a gente está, em que muitas pessoas perderam os seus empregos, estão em isolamento social, algumas estão trabalhando em home office. É um período muito novo para todo mundo. Muitas vezes algumas pessoas, não só as mais velhas, mas as mais novas também, têm alguma dificuldade em saber como vai ser o futuro, em pensar. Nesse contexto, como você acredita que as técnicas de redesenho de vida pode ajudar as pessoas nessa adaptação? E também gostaria que você me dissesse como começar, quais as melhores práticas?

Nós temos empresas de eventos coorporativos. Foi a primeira indústria que sofreu com o impacto de falar: “Não junta mais ninguém, não reúne mais ninguém”. Ainda no fim de fevereiro a gente começou a sentir isso, os clientes com medo de se reunir. Naquela época, eu pensei: “Caramba! E agora? Vou ficar olhando para o ar? Vai me dar um baixo-astral danado. Espera aí, mas eu não vou perder o meu tempo”. E uma amiga, que é jornalista, me falou de podcast. Eu sabia que existia, eu ouço, mas era só isso. Fui para a internet, procurei saber o que era e encontrei um curso gratuito chamado “escola do podcast”. Eu fiz o curso, eles foram me orientando. Um mês e meio depois, o meu podcast estava no ar. Eu tinha um material que eu tinha gravado antes e decidi que eu iria fazer uma primeira temporada com aqueles primeiros episódios que eu tinha para poder inclusive aprender e ver o que pode ser feito.

Fiz a mesma coisa com vídeos. Eu criei um canal de YouTube. Eu não sou da geração dos quinze anos, eu não tenho o chip que eles têm. Então, eu tive que aprender tudo em relação a mídias sociais e essas ferramentas, porque criar um canal de podcast ou de Youtube não é molezinha. A gente tem que aprender e estudar muito. Todas essas informações e mais um monte estão na internet e gratuitamente. Eu acho que as pessoas estão perdendo um baita tempo na vida quando elas ficam vendo uma serie atrás da outra. Quando você assiste uma serie ou filme, você fica olhando para a televisão ou computador e a sua cabeça fica pensando ou naquilo, ou em outras coisas, mas você não dialoga com ninguém. Não tem troca alguma. Não tem nenhum desafio e o seu cérebro vai ficando mais embotado.

Outro dia eu ouvi um executivo dizendo que acha que as pessoas estão emburrecendo, porque estão ficando em casa. Elas podem estar emburrecendo porque o cérebro está sendo menos usado, menos desafiado e as pessoas não estão aprendendo nada. Nada faz com que você raciocine mais.

Como a pessoa pode fazer esse processo de replanejar a vida?

É um processo que tem etapas. A gente vai começar a publicar isso agora. A fase de preparação nós já estamos fazendo com essas e muitas outras informações a respeito do cotidiano da vida da gente. Os próximos passos a gente vai dando daqui para frente.

Eu acho que a primeira coisa é a pessoa entender como está a vida dela, sem escutar ninguém, se responsabilizando pela vida que tem. Se a pessoa tomou aquele caminho ou outro – que é bom ou é ruim -, foi ela quem tomou. Pouca gente é obrigada a fazer coisas na vida. Quando você tem uma ordem, você aceita se você quiser. Até a nossa constituição diz que a gente tem liberdade, mas as pessoas vão entregando a liberdade delas na mão de outros. O outro cuida da vida dele, e leva essa pessoa de bagagem. Se depois ficar ruim, a pessoa tem que admitir isso.

Existem vários outros pontos que vamos colocando a partir de agosto.

É preciso que a pessoa faça algum exercício, que ela cuide de todas as dimensões na vida dela: a física, a mental, a social, a espiritual, a econômica... A pessoa tem que replanejar cada uma dessas áreas.

Tudo que eu falo eu não invento, é resultado do que eu aprendo. Uma das últimas pesquisas mostram que você ter menos do que três amigos ou pessoas próximas – próximas mesmo – faz tanto mal quanto você fumar a vida inteira para o seu cérebro. Então é fundamental que a pessoa olhe como está o relacionamento social dela. Senão, vai ficar gagá e vai ter problemas no cérebro sim. Nós somos seres sociais. São muitos outros passos que dizem respeito as nossas dimensões de ser humano.

Então seria interessante que a pessoa que está conhecendo isso agora, e que gostaria de pensar melhor , fizesse uma autoanálise, visse as coisas que ela gostaria de mudar, que ela viu que não está satisfatória naquele momento e precisa ser alterado, e fizesse um planejamento para cada área da vida dela?

De uma maneira geral, seria isso. Eu estou fazendo os podcasts e canal de Youtube justamente para ir colocando essas coisas todas. É gratuito, qualquer um pode se inscrever, porque, às vezes, é difícil a pessoa sozinha pensar nisso. É um processo que a pessoa vai fazer. Embora a gente possa dar um encaminhamento, é a pessoa que vai fazer. Não adianta dizer que alguém vai ser seu ‘personal life redesigner’. As orientações vão sendo dadas, mas é a pessoa que vai se decidir a tomar esse caminho.

Tem muita gente com muita dificuldade de entender os próprios problemas, a própria vida e a própria situação. Felizmente, por causa da pandemia, os psicólogos estão atendendo online. Um monte de gente está com valores muito mais acessíveis e a pessoa pode fazer o seu acompanhamento de um jeito muito mais fácil e até mais barato do que era antes. Às vezes, a pessoa fala: “Não vou no consultório, não acredito, não quero me expor”. Dentro da sua casa você pode contratar alguém para te auxiliar se você chega em um ponto que você não quer andar sozinho. Mas eu acho que a pessoa pode muito bem caminhar sozinha.

Gostaria de falar mais alguma coisa antes do fim da nossa conversa?

Você se lembra do dia em que pediu para nascer? Não lembra. Você ganhou a vida de presente. Você vai jogar esse presente fora? Vai tratar esse presente de qualquer jeito? Pensa que o melhor presente que você tem é a sua vida. Então cuida dela com mais carinho do que você cuida da coisa mais preciosa que você acha que tem, porque, na verdade, é a vida. E tem muita gente levando a vida de qualquer jeito, empurrando com a barriga. Aproveite agora e repense isso. Talvez seja a hora de replanejar como as coisas vão ser agora e daqui pra frente. Se você não tiver uma doença ou acidente, você vai viver muito mais do que você imaginava. Espero que a sua vida tenha muito mais alegria e satisfação e fique muito mais leve do que tem estado.

OUÇA O PODCAST:

Folha de Londrina · ENTREVISTA | Passos para redesenhar a vida, bem-estar e pandemia