Nos últimos anos, o termo bolsonarismo ganhou espaço não apenas na mídia, mas também no meio acadêmico, instigando pesquisadores das mais variadas disciplinas, numa tentativa de explicar uma onda de nacionalismo exacerbado que nem mesmo a derrota nas urnas nas últimas eleições parece enfraquecer.

Imagem ilustrativa da imagem Movimentos de extrema direita são tema de livro
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Alguns apoiadores do atual presidente continuam a negar o resultado das eleições e a vontade das urnas, marchando insatisfeitos, batendo o pé e fazendo continência na frente dos quartéis, com exigências que ferem a Constituição e são antidemocráticas.

O Brasil não está sozinho quando o assunto é o avanço de líderes, partidos e movimentos de direita que flertam com o extremismo e o fato, também chama a atenção de pesquisadores do exterior. Essa é a temática do livro “Extremismos Políticos e Direitas: Bolsonaro, Trump e a crise das ‘democracias’” (Editora Cultura Acadêmica Unesp), organizado por Jefferson Rodrigues Barbosa, professor de Teoria Política do Departamento de Ciências Políticas e Econômicas e do Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual Paulista (UNESP/FFC) e por Oscar Piñera Hernández, professor de História Contemporânea na Universidad de Matanzas, cidade cubana do mesmo nome.

O livro será lançado neste domingo (11), às 11 horas, na Livraria Olga, em Londrina, seguido de um bate-papo com Barbosa que também assina um dos capítulos do livro. “Os neoconservadores, os saudosos de ditaduras militares ou apoiadores de ideias de caráter fascista conseguem atuar nos debates públicos sob prerrogativas do apelo à tradição, ordem e autoridade. Essas manifestações do extremismo de direita apresentam um elemento em comum: são formas de expressão política que tentam legitimar valores antidemocráticos”, comenta.

Em entrevista à FOLHA, Barbosa fala sobre a obra que reúne artigos de estudiosos dos movimentos de extrema-direita e que apresenta um panorama amplo do extremismo político de direita na América Latina, Estados Unidos e Europa e suas implicações em variados tema como política externa, direitos humanos, fundamentalismo religioso e questões ambientais. Para os autores, mesmo apresentando diferenças em suas particularidades e com singularidades políticas e ideológicas, os objetos de estudo são uma manifestação histórica da conjuntura de crise à direita, no contexto brasileiro e internacional.

O que os movimentos de extrema-direita têm em comum?

Importante pensar a extrema direita a partir de critérios de análise conceitual e dentro das diversas extremas direitas que coexistem no cenário nacional e internacional. É importante analisar a heterogeneidade desses grupos, a diversidade e as suas matrizes comuns. Entre elas, o discurso aparentemente nacionalista e radicalizado que chamamos de chauvinismo. Um nacionalismo quase fanático, muitos vezes propensos a práticas violentas. Todo nacionalismo, respeito e defesa do próprio país de origem, é um elemento importante e positivo a ser cultivado e discutido. O que compromete o discurso desses grupos é que a retórica aparentemente patriótica, na verdade, escamoteia interesses particulares, a manutenção de privilégios e a exclusão do debate de políticas públicas para populações menos favorecidas. O estudo desses fenômenos políticos serve para a identificação de ações e concepções que justificam princípios de violência, xenofobia, revisionismo histórico e políticas antidemocráticas da parte daqueles que propagam formas de nacionalismo de matriz chauvinista.

Podemos falar de uma direita que não seja antidemocrática?

Certamente. Imagine que existe, entre a direita e a esquerda, uma série de variações entre esses dois pontos. Depois, chegamos nos extremos. Didaticamente, num ano eleitoral e de Copa do Mundo, podemos fazer outra comparação: a escolha de representantes, as eleições, um programa de governo não podem ser entendidos como se tudo fosse um jogo de futebol, onde as torcidas são a favor ou contra. Há um sentindo na oposição. O erro é entender que o debate termina com “isso é de direita”, “isso é de esquerda”. Seria muito maniqueísta. São vários critérios a serem analisados, não se trata de uma escolha baseada nas emoções ou na força, autoridade ou questões de ordem.

Como o sr. interpreta as manifestações de apoiadores do atual governo na frente de quartéis e Tiros de Guerra?

São, antes de mais nada, uma expressão de caráter antidemocrático da política de extrema direita. Cientistas políticos e pesquisadores apontam que existe uma base de apoio e organização, de tendência política antidemocrática, que está mais articulada e que representa, infelizmente, uma parte da população brasileira que não tem comprometimento com a democracia, com a Constituição e com os valores de um Estado Democrático de Direito e muito menos, com uma democracia de caráter popular.

O culto à força, à violência e a negação da democracia são heranças que remetem a momentos trágicos da história contemporânea, como aquela do Brasil da década de 60 e 70, sob a ditadura. Nós que crescemos nos anos da redemocratização olhamos isso com muita tristeza, com uma parte da população com pouca bagagem e conhecimento histórico acerca das consequências trágicas de períodos ditatoriais no Brasil. Isso demonstra uma imaturidade política que alimenta discursos de ódio e promove ataques aos direitos garantidos pela Constituição. Vivemos um momento importante da história brasileira que exige engajamento e esclarecimento.

Só assim poderemos buscar uma rota que nos leve a uma ampliação dos espaços participativos, democráticos e de um contexto onde políticas públicas consigam elevar o Brasil a uma condição de país respeitado e que respeita o seu povo. Os índices eleitorais comprovam que no cenário brasileiro, há uma parte expressiva da população que defende um Brasil para todos e democrático, onde há o respeito às diferenças e a perspectiva de um futuro melhor, abandonando a política regressiva. Existe uma cidade de Londrina e um Brasil democrático e antibolsonarista.

Como esses movimentos têm se fortalecido e encontrando cada vez mais aderência entre os mais variados extratos da sociedade?

Os temas tratados no livro mostram que neste cenário de crise das democracias representativas, a descrença no sistema por parte do eleitorado permite a ascensão de líderes, movimentos e partidos que, de forma retórica, se colocam como anti-establishment e de forma oportunista, se projetam nas disputas políticas defendendo valores e ideias muitas vezes contrárias aos pressupostos constitucionais do Estado de Direito. Temos então, pessoas que se radicalizam no espectro político à direita defendendo posições, muitas vezes, indefensáveis. Por exemplo, a banalização da posse de armas. Me vem à mente as cenas da chacina na escola do Espírito Santo, por um adolescente motivado por ideais neonazistas. Um exemplo dos riscos e perigos da extrema direita. Mesmo não indo para o extremo da ideologia racista do nacional socialismo defendido pelos nazistas, o aparente cidadão de bem que defende a pátria, nação e as tradição parte para uma posição antidemocrática, ferindo elementos constitucionais e, muitas vezes, utilizando da força para a defesa das suas próprias ideias.

O ofício do cientista político não é fazer especulações e sim, trabalhar dados objetivos acerca da realidade e com fundamentação em teorias e conceitos. O tempo vai dizer se realmente está acontecendo o fortalecimento desses movimentos. Independente dos posicionamentos políticos partidários individuais, para nós brasileiros, é importante a defesa de um Estado democrático de Direito e de políticas públicas em um âmbito popular, capazes de fortalecer as condições de acesso de recursos para a melhoria das condições de vida dos brasileiros.

O resultado eleitoral mostrou que essa agenda regressiva e antidemocrática não representa a opinião de boa parte do eleitorado brasileiro: mais da metade da população brasileira tem um posicionamento progressista em defesa da democracia. Isso não significa que a reconstrução das instituições democráticas e a popularização dos valores democráticos seja uma consequência natural do resultado eleitoral. É necessário um desenvolvimento importante em áreas estratégicas como acesso à cultura, educação e a própria melhoria da infraestrutura da população para que cesse essa brutalidade e insatisfação que se expressam numa opção por ideias extremistas no campo da política. Melhorar as condições de toda a população é um caminho para a construção de um Brasil melhor.

Serviço

Lançamento do livro “Extremismos Políticos e Direitas: Bolsonaro, Trump e a crise das ‘democracias’”, de Jefferson Rodrigues Barbosa e Oscar A. Piñera Hernández (Organizadores).

Coedição: Editora Cultura Acadêmica Unesp

Dia 11 de dezembro, às 11h, na Livraria Olga (Rua Pio XII, 313 – Londrina)