Mesmo em um ano atípico e com o futebol sendo diretamente afetado pela pandemia do novo coronavírus, 2020 termina como uma temporada especial para o árbitro londrinense Héber Roberto Lopes. Aos 48 anos, Lopes se tornou o árbitro com mais partidas pela série A do Campeonato Brasileiro na história ao superar Arnaldo Cezar Coelho, que trabalhou em 350 jogos da elite do futebol nacional.

O londrinense já trabalhou em mais de 350 jogos da elite do futebol nacional
O londrinense já trabalhou em mais de 350 jogos da elite do futebol nacional | Foto: Marlon Costa/Futura Press/Folhapress

Héber fechou o ano com 353 partidas na série A e 507 escalas em competições organizadas pela CBF, também um recorde no País. O currículo do londrinense traz ainda 103 partidas em competições realizadas pela Conmebol e Fifa.

Radicado em Santa Catarina - em 2013 trocou a Federação Paranaense pela Catarinense -, Héber Roberto Lopes revela em entrevista à FOLHA que nunca foi um objetivo na carreira alcançar estes números, mas que pela quantidade de jogos que passou a apitar por temporada os recordes começaram a se tornar palpáveis.

"Na nossa época não tinha tamanha exposição.Então, talvez os equívocos ficavam um pouco mais velados, não tinha tanta aparência. Hoje ficaria um pouco mais difícil. Mas a chegada do VAR também vem amenizar esta situação", comentou.

Héber Roberto Lopes começou a apitar nos campos amadores da Vila Recreio de Londrina, em 1985. Em 1994 começou a carreira profissional na Federação Paranaense de Futebol. No ano seguinte chegou à CBF e foi árbitro Fifa entre 2002 e 2017.

Apesar das exigências físicas às quais os árbitros são submetidos atualmente, Lopes ainda quer estender a carreira nos gramados e afirma que é preciso mais treinamento e aperfeiçoamento da arbitragem brasileira para aproveitar todo o potencial do VAR (árbitro de vídeo) e diminuir as polêmicas em torno das decisões amparadas pela tecnologia.

Como é para você atingir estes recordes na arbitragem do futebol brasileiro?

No começo da minha trajetória na CBF eu jamais imaginava atingir a marca de árbitros renomados como Romualdo Arppi Filho, Arnaldo Cezar Coelho, o próprio (Carlos Eugênio) Simon. Realmente eu não pensava nisso. Mas a partir da quantidade de jogos que eu comecei a apitar por ano, cheguei a apitar 32 jogos da série A em um mesmo ano, eu fui aumentando a minha meta e de repente me vi com 100 jogos, 200 jogos, foi indo e quando chegou próximo de 300 e vi que tinha a possibilidade pelo fator da idade. Eu pensava sempre jogo a jogo para poder fazer uma marca boa, mas nunca para alcançar recordes.

Eu fui muito bem aproveitado pelo Armando Marques (o ex-árbitro comandou a Comissão Nacional de Arbitragem da CBF entre 1997 e 2005 e faleceu em 2014). Quando ele me convidou para compor o quadro de arbitragem da CBF, ele nos usou de uma forma bem repetida e, por isso, sou muito grato a ele. Mas não foi um objetivo principal quando eu entrei.

Qual o segredo desta longevidade no apito para alcançar estes números?

Eu imagino que hoje, com todos os recursos tecnológicos que nós temos, o lado negativo para a arbitragem se não tivéssemos o VAR (árbitro de vídeo). Certamente os árbitros não conseguiriam ter um número tão grande de escalas porque com certeza teriam erros, equívocos e, consequentemente, vetos. Com o VAR estes erros podem ser corrigidos porque o recurso eletrônico é muito grande e evita erros claros. Na nossa época, pegamos o início de uma era tecnológica com bandeira eletrônica, dos canais de TV fechada com muitas transmissões. Então a exposição é muita alta e na nossa época não tinha tamanha exposição. Então, talvez os equívocos ficavam um pouco mais velados, não tinha tanta aparência. Hoje ficaria um pouco mais difícil. Mas a chegada do VAR também vem amenizar esta situação.

Tem também a dedicação. Eu sempre gostei muito de treinar, de acompanhar as novas regras e normas e sempre, nos dias dos jogos, tive uma disposição e um respeito por aquele jogo, independentemente da categoria ou de qual jogo fosse. Mesmo o árbitro de futebol não sendo profissional eu pude fazer da arbitragem a minha atividade principal. Porque é muito difícil você atuar em três frentes, na Fifa, Conmebol e CBF, e ter uma atividade paralela. Sempre consegui fazer da arbitragem o meu carro-chefe. Outra coisa muito importante é que eu não tive lesões graves, necessidade de cirurgias. Foram, no máximo, lesões musculares. Com 10, 15 dias, já estava pronto. Estes fatores pesaram.

E tem também a questão de sempre trabalhar com bons assistentes. Desde a época do Paraná sempre tive grandes nomes ao meu lado, assim como em Santa Catarina. Equipe coesa e unida. Consegui trabalhar em duas grandes federações com pessoas maravilhosas. É uma soma de todos estes fatores para chegarmos a estas marcas.

Você entende que a decisão de mudar para Santa Catarina em 2013 também foi importante para alcançar estes números?

Na época em que eu estava na Federação Paranaense nós sempre também tivemos um bom relacionamento de arbitragem com a CBF. Os presidentes das nossas comissões tinham um respeito grande e acredito que se ficasse na Paranaense também atingiria grandes números porque o relacionamento era muito bom. É uma federação muito forte também.

O fato de ter me mudado para Santa Catarina foi uma questão profissional porque eu tive uma proposta do doutor Delfim (Delfim de Pádua Peixoto Filho foi presidente da Federação Catarinense de Futebol de 1985 atá 2016, quando faleceu na tragédia do voo da Chapecoense na Colômbia), que na época era vice-presidente da CBF. Então ficou bom politicamente também. A mudança foi apenas uma escolha profissional em que eu tive um grande apoio da Federação Catarinense em todos os aspectos, financeiro e de tratamento dentro da CBF, Conmebol. Sai de uma federação forte e vim para outra também muito bem respeitada.

A arbitragem passa por um grande processo de modernização com o advento do VAR. O uso da tecnologia no futebol gera muita repercussão com opiniões favoráveis e contrárias. Como você vê o estágio da utilização do VAR no Brasil?

Vejo com bons olhos e sou totalmente a favor. Dificilmente você vai ver lances como antigamente, com erros claros e que não seriam validados se houvesse o VAR. Por isso, sou totalmente a favor. Agora é óbvio que, principalmente na parte operacional, precisamos evoluir mais. Um pouco mais de celeridade. Isso não significa que precisamos apressar nossas decisões, mas ter um pouco mais de prática no manuseio da máquina. As pessoas se esquecem que no VAR a equipe tem três árbitros e dois elementos que são os operadores do sistema. Os operadores também precisam ter esta evolução. Porque nós que somos árbitros temos uma visão de determinado lance, mais rápido na avaliação. Na mesma jogada pode ter um possível impedimento, um possível pênalti e um possível gol com a mão. Então você tem que avaliar três situações no mesmo lance e se o operador não tiver um bom alinhamento ali com o VAR, dificulta este entendimento.

E isso requer um pouco mais de tempo. A parte operacional precisamos evoluir, mas não teremos muito tempo agora por causa do calendário. Mas tenho certeza que a CBF vai convocar e tem condições de colocar os árbitros juntos para fazer o nosso trabalho de evolução. Temos um equipamento muito bom, mas precisamos de mais treinamentos. Pegamos uma Ferrari e estamos andando a 70 quilômetros por hora, não dá para aceitar. Temos um instrumento muito bom e precisamos evoluir. Dois anos ainda é muito pouco tempo, mas eu tenho certeza que nos próximos anos a CBF vai investir e vai fazer um treinamento mais extenso, com mais tempo, com equipes profissionais. Hoje treinamos com equipes sub-14, sub-15 e neste caso há uma diferença muito grande para partidas profissionais.

E estamos falando de jogadores brasileiros, que muitas vezes se utilizam de algumas situações que desfavorecem a arbitragem. Mas a equipe de árbitros que está em campo precisa tomar mais decisões. Nós árbitros precisamos tomar a decisão no campo de jogo e não ficar apitando com a bengala do VAR. Os árbitros precisam voltar às origens. Não tínhamos a bandeira eletrônica, não tínhamos o rádio e tocávamos o jogo de maneira harmônica com decisões muito difíceis. Um pouco mais de prática com as máquinas, um pouco mais de treinamento, trabalho mais específico na cabine do VAR e vamos evoluir. Os números mostram que há uma evolução, mas claro que os erros repercutem mais. Temos números expressivos e precisamos de um pouco de paciência para que a gente melhore o uso VAR.

E sobre o futuro. Vai continuar apitando em campo, trabalhar apenas com o VAR ou vai se aposentar dos gramados?

Eu já projetei tanta coisa. Conclui o curso de Educação Física em Londrina e aqui em Santa Catarina estou terminando o curso de Jornalismo. Na última semana, fomos comunicados pelo Gaciba (o ex-árbitro Leonardo Gaciba é o atual chefe de Arbitragem da CBF) que os árbitros da CBF poderão atuar, como na Inglaterra e em outros países, até os 55 anos. Eu estou com 48, então, praticamente tenho mais sete anos dentro do campo, porque antes 55 era o limite como árbitro de vídeo. Eu estava me especializando nisso. Mas agora eu prefiro continuar fazendo aquilo que eu fiz a vida toda, desde de 1985. Você sabe o amor que a gente tem para entrar em campo e trabalhar e de repente você sair para aventurar em uma outra atividade? Por isso, no momento, defini por continuar, desde que eu consiga ser aprovado nas provas físicas e técnicas, porque com 48 anos você sabe que a forma física não é a mesma de 10, 15 anos atrás.

Penso em continuar no campo, sendo bem aproveitado em jogos importantes como tem acontecido e continuar elevando o número de jogos. Vai continuar no campo e também no VAR como uma alternativa para dar um descanso entre um jogo e outro.