O mercado editoral brasileiro fechou 2019 com saldo positivo e alcançou um faturamento total de R$ 5,67 bilhões, 10,7% a mais que em 2018. Foram produzidos no ano passado 395 milhões de exemplares e editados mais de 50 mil títulos, dos quais 13,6 mil correspondem a novos trabalhos. No entanto, as livrarias, que estão na ponta do setor, têm enfrentado dificuldades financeiras mesmo com um aumento pontual nas vendas no último mês.

Imagem ilustrativa da imagem Livros aliviam a alma em época de pandemia
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Pesquisa da empresa Nielsen em parceria com o Sindicato Nacional dos Editores de Livros mostra que, no período de 18 de maio a 14 de junho, o setor livreiro teve faturamento de R$ 109 milhões. Os efeitos da pandemia da Covid-19, no entanto, ainda são notórios. Na comparação com o mesmo período do ano passado, houve uma queda de 3,16% no valor total das vendas.

A quarentena e o isolamento social obrigatórios nos últimos meses fizeram com que as pessoas procurassem mais os livros, mas o aumento do interesse não se reverteu em vendas muito também porque as lojas físicas permaneceram fechadas por várias semanas. "O mercado livreiro pós-pandemia, assim como o mercado de turismo, de aviação, teve uma queda brusca", afirma o presidente da CBL (Câmara Brasileira do Livro), Vitor Tavares.

Fundada em 1946, a CBL tem como missão defender e difundir o livro por meio da democratização do acesso e da promoção de ações para difundir e estimular a leitura. A entidade é responsável pela organização do Jabuti, maior prêmio literário brasileiro, e de várias feiras literárias, como a Bienal de São Paulo.

Em entrevista a FOLHA, Tavares falou da mudança no mercado editorial do País, com a chegada das novas tecnologias, e das medidas que a Câmara Brasileira está colocando em prática para auxiliar as livrarias neste momento de recessão econômica.

O presidente da CBL cobrou políticas públicas para o incentivo da leitura, única forma de reverter a baixa média de livros lidos por ano entre os brasileiros e incentivar o surgimento de novos escritores. "Os livros são importantes, são alimento para a alma, para a cultura. As pessoas têm que ter prazer pela leitura, não obrigação. Isso acontece muito quando você tem o incentivo da escola. O maior incentivador da leitura é o professor, depois a família."

A quarentena e o isolamento social obrigatório no Brasil nos últimos meses mudaram, de alguma forma, o perfil do leitor brasileiro?

O livro foi um grande amigo das pessoas e neste momento de pandemia ele ajudou muito, como sempre ajuda no momento do isolamento social, de ficar em casa. A literatura abraça as pessoas, faz com que as famílias fiquem mais unidas. E encontrar nos livros respostas para muitas indignações nossas e muitas vezes encontrar respostas para a gente poder viver unidos.

O livro está sendo um grande fator de ajuda neste momento difícil. Livros de literatura têm vendido mais, de qualidade de vida, de psicologia, nas áreas de política, empoderamento feminino, questão racial, que está entre os mais vendidos nas pesquisas semanais. Você compra um livro e ele pode ser lido por uma pessoa da família, por todos da família, por infinitas pessoas. O livro está ajudando sim e vai ajudar muito e vai ser o companheiro de todos os momentos.

E essa procura por respostas nos livros representou aumento nas vendas do setor?

Não. O mercado livreiro pós-pandemia, assim como o mercado de turismo, de aviação, teve uma queda brusca. Somente nos meses de março e abril foi algo assustador. Por quê? O livro ainda é aquele produto que você busca quando você tem uma necessidade ou quando ele é indicado ou quando você precisa para algum trabalho, estudo ou pesquisa. Com as livrarias fechadas, muitas ficaram fechadas por mais de 60 dias, a gente teve uma queda brusca. As livrarias praticamente não faturaram nada. Faturaram aquelas que rapidamente começaram a vender por delivery por aplicativo de mensagens para clientes fiéis ou então por e-commerce.

Mas nem todas as livrarias tinham uma plataforma de venda. As que tinham conseguiram vender alguma coisa, as que não tinham correram para poder começar a vender pela internet. No primeiro mês a queda foi muito forte, com faturamento em torno de 30%, no segundo mês ,40%, e neste mês de junho tivemos um número bastante interessante, muitas vendas acontecendo pela internet, pelos sites. Conseguiu-se 50%, 60% do faturamento editorial, mas não do canal livraria física. Este ainda está sofrendo muito porque a queda foi grande. Então, as dificuldades são tremendas, os custos de aluguel, funcionários, [os custos] fixos continuam. Por mais que você negocie uma hora a conta vai chegar. Em muitas cidades as livrarias abriram depois tiveram que fechar de novo, então na venda da livraria física não passamos de 30%, 40% do faturamento.

Em muitos lugares você tem só quatro horas de atendimento, loja que ficava aberta nove, dez horas, a venda vai cair mesmo. E a população, de fato ainda, está se resguardando, respeitando os protocolos, não saindo muito nas ruas, aquele volume que tínhamos antes.

A livraria física para o livro é tão importante que o livro é vendido pela curiosidade, pelo impacto, por você passear pelas gôndolas da livraria, pelo que vê na vitrine e aí você vai conhecendo outros livros. É uma venda por impacto, além da consultoria do livreiro, que é fundamental.

Nos últimos anos tivemos o fechamento de várias livrarias de grandes redes no Brasil. Como o setor lida com esta tendência?

A gente lida com muita tristeza. Estamos vendo redes de livrarias tradicionais que fecharam. Laselva, Siciliano que foi incorporada. Nos grandes aeroportos você chegava e quando tinha tempo já procurava uma livraria e comprava um livro. Não tem mais. As livrarias Cultura, Saraiva, ainda estão abertas, mas fecharam juntas mais de 60 lojas. Estamos passando por um período de mudanças e no modelo de negócio também. Para ser rentável tem que fechar no azul, não pode fechar no azul só por um período do ano e depois totalmente no vermelho, porque aí você vai precisar de financiamento e nem sempre consegue pagar. Uma loja física tem um custo operacional muito alto e o livro não te responde.

Se começou a vender pelo mais barato, com descontos fora do limite, e isso compromete a margem de lucro e automaticamente o seu projeto acaba ficando deficitário. Temos feito muitas ações. Uma que a CBL lançou é a retomada das livrarias, ao lado de livreiros e editoras, criamos uma ação para doação voluntária na conta da CBL. Já estamos selecionando 50 livrarias que podem se cadastrar neste portal (www.projetoretomada.org.br), de qualquer parte do Brasil, independentes, que tenha no seu mix pelo menos 50% de livros, de uma filial só e com dificuldades. A CBL vai ajudar com um valor entre R$ 3 mil e R$ 5 mil. Vamos selecionar entre 20 e 50 livrarias, dependendo do total arrecadado. O projeto já está no ar há dez dias e um bom valor já foi arrecadado.

Mais do que isso precisamos resgatar a cultura da leitura, ler mais. A nossa população ainda lê pouco, por volta de 2,4 livros lidos por ano por pessoa. Temos que melhorar este índice de leitura e ter mais oferta porque aí a demanda vai aumentar e construir este hábito de frequentar livrarias como a gente vai ao supermercado, à padaria, sejam elas grandes, médias, pequenas, do seu bairro, temáticas.

Criar o hábito da leitura, de ter o contato com os livros, com a literatura, um hábito dos adultos e que eles levem para as crianças para termos mais leitores no futuro. Para ter primeiro o prazer com o livro, depois com a literatura e só assim a gente vai resgatar. Por isso precisamos criar políticas públicas que defendam as livrarias porque uma cidade, um país sem livraria para mim e como se fosse eternamente uma quarentena, falta alguma coisa, falta alegria. O prazer de estar em um ambiente sadio onde as pessoas se atraem pelo mesmo pensamento, que é o pensamento do saber por meio do livro.

Os e-books já representam um valor significativo nas vendas ou o livro físico ainda é o preferido e responsável pela maior parte do faturamento?

A CBL tem várias ações. Organizamos o grande prêmio literário brasileiro que é o Prêmio Jabuti, que este ano vai acontecer provavelmente em novembro e de forma virtual. Nós organizamos as grandes feiras, como a Bienal de São Paulo, que foi adiada para 2022, em razão da pandemia. E temos o centro de pesquisas, onde são feitas pesquisas de tendência de leitura, que é um retrato da leitura no Brasil junto com o Instituto Pró-Livro, pesquisas de produção e venda editorial brasileira, onde conseguimos detectar o que as editoras estão produzindo e em quais canais estão sendo vendidos. E este ano vamos soltar uma pesquisa sobre o livro virtual. O que vende, qual a produção, o volume. Vamos ter melhor estes números.

Existe sim um crescimento, mas o livro físico jamais vai deixar de existir. Teremos o eletrônico, assim como o audiolivro, que está surgindo. São várias plataformas de leituras que são importantes para que se tornem opções para os leitores. E para nós o mais importante é que esta literatura chegue às mãos dos leitores e faça com que o Brasil tenha mais leitores.

As livrarias vão estar sempre presentes. Acredito que assim como perdemos livrarias das grandes redes, vamos ter a abertura de livrarias independentes em cidades menores, com um livreiro que conhece o seu público. Até então tínhamos dados empíricos sobre os e-books e esta pesquisa vai nos apresentar dados mais consistentes e vai criar uma série histórica sobre esta plataforma.

A pouca leitura em média do brasileiro impacta também na produção literária, na formação de novos escritores?

Lógico que impacta. Se pegarmos os livros lidos na sua totalidade você tem 2,4 livros lidos e isso equivale na produção de 400 milhões, 420 milhões de exemplares colocados no mercado para as pessoas comprarem. Se tivéssemos uma política para aumentar esta média, de formação de novos leitores e autores, novas produções literárias, divulgação destas obras porque o interesse por parte do leitor existe. Temos também uma dificuldade tremenda de distribuição no Brasil e acredito que a internet pode conseguir suprir este falha.

Temos poucas livrarias, poucas bibliotecas. Se você não tem uma boa biblioteca, com bom acervo, ela não é frequentada. Muitas vezes ela está fechada, não tem acesso do público, da escola. Tudo é questão de uma cultura, de uma política para fazer as pessoas estarem envolvidas com os livros. Os livros são importantes, são alimento para a alma, para a cultura. As pessoas têm que ter prazer pela leitura, não obrigação. Isso acontece muito quando você tem o incentivo da escola. O maior incentivador da leitura é o professor, depois a família.

O aumento do índice de leitura se dá por várias ações. As compras governamentais são importantes tanto na esfera federal, quanto estadual e municipal. O hábito da leitura dentro da biblioteca, o horário da leitura, a presença de contadores de histórias, fazer com que as pessoas tenham acesso e contato com os livros, acesso a livrarias e bibliotecas atualizadas.

Em 2019, foram produzidos 395 milhões de exemplares e foram vendidos 420 milhões. Foram vendidos um pouco mais do que a produção. Deste total, quase 50% foram livros comprados por programas governamentais. Tudo isso interfere na produção literária, na criação. O autor quando vê que os livros estão sendo vendidos, entrando nos programas de compra do governo, que os seus livros estão nas prateleiras das livrarias e das bibliotecas, eles se sentem estimulados em produzir mais e melhor.

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Folha de Londrina · ENTREVISTA | A literatura antes e após a pandemia