No último ano, os prejuízos relacionados à falsificação e ao contrabando no Brasil ultrapassam R$ 260 bilhões em perdas de arrecadação tributária e perdas de faturamento das indústrias legalmente estabelecidas. Se somado, o prejuízo dos últimos quatro anos atingiu a cifra de R$ 670 bilhões. De janeiro de 2020 a janeiro de 2021 foram realizadas 896 operações das polícias Civil, Federal e Rodoviária Federal e da Receita Federal, contando com o apoio ou denúncias da ABCF (Associação Brasileira de Combate à Falsificação).

O advogado Rodolpho Ramazzini, especializado no combate a fraudes, falsificações, contrabando e concorrência desleal e diretor da ABCF, relata que, em 2020, houve crescimento no prejuízo relacionado à falsificação, contrabando, pirataria e mercado ilegal, na ordem de 20%.

Rodolpho Ramazzini, advogado especializado no combate a fraudes, falsificações, contrabando e concorrência desleal e diretor da ABCF,  relatou que, em 2020, houve crescimento no prejuízo relacionado à falsificação, contrabando, pirataria e mercado ilegal, na ordem de 20%.
Rodolpho Ramazzini, advogado especializado no combate a fraudes, falsificações, contrabando e concorrência desleal e diretor da ABCF, relatou que, em 2020, houve crescimento no prejuízo relacionado à falsificação, contrabando, pirataria e mercado ilegal, na ordem de 20%. | Foto: Divulgação/ABCF

Em dólares, no ano anterior, as perdas somavam R$ 40 bilhões, e hoje somam cerca de R$ 50 bilhões ao ano - houve um aumento de 20% no prejuízo total, levando em conta também a desvalorização cambial do real frente ao dólar no período. O prejuízo subiu de US$ 40 bilhões para US$ 50 bilhões ao ano mesmo com a pandemia do novo coronavírus. Mas, como a Receita Federal está trabalhando em regime de plantão, os bandidos estão à vontade. E o fato de estar havendo crise econômica e perda de poder aquisitivo por parte da população, além do desemprego, faz com que muita gente vá para a informalidade.

Imagem ilustrativa da imagem Falsificação e contrabando geram prejuízos de R$260 bilhões em um ano
| Foto: Eduardo Knapp/Folhapress

O apelo do produto falsificado também aumenta junto ao consumidor. As quadrilhas de falsificadores e de contrabandistas migraram para as plataformas de compras on-line durante a pandemia. Isso fez com que o total de mercadorias comercializadas na rede virtual nesse período aumentasse de 10% do volume total para 30% do volume total.

Como é a divulgação que os contrabandistas fazem dos produtos trazidos para o país de forma irregular?

Eles colocam anúncio em market places renomados. Quando a gente localiza o link de produtos falsos de alguma empresa licenciada nossa a gente avisa e a plataforma faz o take down (derrubada) do anúncio. Só que o bandido faz um novo cadastro e põe o produto lá de novo. Então a coisa continua e, na maioria dos casos, o bandido vende o produto falsificado como se fosse original e por preço como se fosse original ou um pouquinho mais baixo. O consumidor compra gato por lebre mesmo. Fora isso teve um aumento também do que entra pelas nossas fronteiras. A Receita Federal até disse que aprendeu mais no período, mas apreendeu menos. Ela está fazendo menos operações, porque tem menos gente trabalhando. A fiscalização é feita ou por amostragem ou quando há alguma suspeita. Imagine agora que estão indo trabalhar de vez em quando, o que deve estar passando de mercadoria que entra com declaração falsa de DI (Declaração de importação). O sujeito coloca na DI dele que está importando parafuso de dois centavos de dólar, mas se a Receita abre o contêiner tem 200 mil lâmpadas automotivas com DI falsificada.

Qual a consequência disso?

Está entrando muito mais porcaria aqui dentro pela fronteira e pelo porto. A informalidade fez com que muita gente migrasse o consumo para o produto ilegal e também houve um aumento nas fontes internas domésticas de falsificação. E eu não estou falando de coisa pequena. O perfil da ABCF está lotado de operações. A gente trabalha muito para coibir isso, mas infelizmente está aumentando.

Como combater isso?

Eu acho que o único meio de conseguir coisas de uma maneira mais efetiva, além de todo mundo voltar a trabalhar à vera, é desenvolver mecanismos de rastreabilidade na produção do Brasil em conjunto com a Receita e com uma empresa multinacional em segurança.

Com chips?

O Brasil hoje já controla a produção de cigarro nas fábricas legais com um sistema chamado Scorpios (Sistema de Controle e Rastreamento da Produção de Cigarros- Selos de cigarros). E controlava a produção de bebidas com o Sicobe ( Sistema de Controle de Produção de Bebidas), que inibia a sonegação fiscal e a fraude no setor de cerveja e refrigerante.

Mas teve aquele ADE (Ato Declaratório Executivo) nº 75/2016, que suspendeu a obrigatoriedade do Sicobe?

É. Fizeram aquele cambalacho no governo [Michel] Temer para desligar o Sicobe, porque não deixava as indústrias de cervejas sonegarem. Agora a nossa ideia é que isso, além de ser retomado no setor de bebidas, possa ser expandido para outros setores que sofrem com a falsificação, com o mercado ilegal e com a concorrência desleal, como ocorre no setor de autopeças, setor de medicamentos e tudo mais. Eu vou te dar um exemplo. Vamos supor que o maço de cigarros, além do código de barras, venha com um Código QR. Você vai em uma padaria na avenida Higienópolis comprar um cigarro e com o próprio celular vai ver se ele foi feito em uma fábrica de cigarros em Uberlândia e em qual dia. Se você comprar um cigarro dessa marca renomada e o código apontar que ele é falso, além do consumidor conseguir ver no momento que aquilo é falso, ele vai poder listar o estabelecimento que vendeu o produto falsificado no próprio aplicativo. Essas informações vão criar um banco de dados tanto para as polícias como para a Receita, e para a ABCF, para poder combater de maneira mais efetiva.

Esse é o caminho?

O caminho do futuro é a rastreabilidade segura, que é ter a rastreabilidade da produção do que é legal e do que é doméstico e do que é importado legalmente. Porque aí, tudo o que não tiver rastreado ou é produto falso ou produto contrabandeado. Havendo esses mecanismos , a gente consegue transformar o consumidor em um partícipe dessa ferramenta de fiscalização. Eu acho que o futuro passa por esse investimento em tecnologia, para que a gente possa aliar esforços entre a iniciativa privada, poder público e consumidores.

Mas como convencer o consumidor a baixar esse aplicativo?

Se o consumidor souber que tem um aplicativo gratuito da Receita Federal através do qual ele vai poder garantir o que ele está comprando, eu acho que a maioria dos consumidores vai acabar baixando isso. É o caminho futuro, além, é claro, da necessidade de aumentar agentes e de mais investimento no combate. Algumas marcas de indústrias, que não gastam neste combate e que não fazem trabalho em cima disso, também precisam começar a fazer esse investimento. Tem empresa que não dá para o problema o tratamento que ele merece.

Pode exemplificar?

O sujeito que vai ao Camelódromo de Londrina comprar uma camisa de uma marca famosa a R$ 60 em vez de ir ao shopping e comprar um original a R$ 300 sabe que essa camisa vai desbotar antes da hora, mas não vai criar nenhum problema para a saúde nem para a segurança dele, correto? Mas quando o consumidor compra qualquer outro produto falsificado, seja ele produto de higiene e limpeza, medicamento, motopeças, cigarros, bebida, material elétrico ou uma ferramenta, o consumidor sempre vai estar lesando a sua saúde ou a sua segurança ou ambas. Então a nossa briga principal é mostrar para o consumidor que não é porque o negócio é barato que é bom. Muito pelo contrário. Esse produto nunca vai deixar de lesar a segurança ao consumidor, porque não existe produto falsificado que seja feito com matéria-prima de boa qualidade ou que siga especificações técnicas. Uma vela “fria” faz o carro pegar fogo. Com o rolamento falso em uma roda, se você passa no buracão pode capotar com a sua família. Então não é brincadeira. A minha briga principal, além de defender as indústrias, é defender o país, defender os consumidores e mostrar que ao adquirir uma mercadoria como essa ele não está lesando uma marca, mas uma indústria que investiu anos em pesquisa e desenvolvimento; o país, que não está arrecadando imposto; e, principalmente, a própria família, em termos de saúde e segurança.

O sr. mencionou o risco à saúde e na pandemia muitos produtos médicos estão sendo contrabandeados, não? Há inclusive falsificação de máscaras.

Quer cair sentado? Lâmina de artroscopia para cirurgia de joelho, cateteres, stents, suturas, lentes de contato, EPIs [Equipamentos de Proteção Individual], máscaras, luvas e seringas. Não está fácil. Está vindo porcaria da China a rodo e entrando tudo com declaração falsa de DI. Não é de importação legal que eu estou falando. É porcaria mesmo. É um produto que se você mandar para o Inmetro ou para um laboratório não passa nem nos primeiros 20 testes que têm que passar. Isso está entrando porque houve um desabastecimento do mercado com a pandemia. Tem muita gente que pega uma máscara chinesa e mete uma marca renomada na frente ou se pega uma luva chinesa e coloca outra marca famosa. E está acontecendo tanto nas compras públicas como nas compras da rede privada de clínicas e hospitais. O número de denúncias desde um ano e meio atrás, quando começou essa pandemia, no mínimo quadruplicaram. Essas denúncias foram todas encaminhadas à Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária], às polícias, ao MPF [Ministério Público Federal] e MPE [Ministério Público Estadual]. A gente vem tomando medidas em conjunto para coibir isso.

Essa perda não é uma perda só de evasão fiscal. É o prejuízo total. O Brasil hoje perde R$ 260 bilhões por ano com o contrabando e a falsificação de produtos industrializados. Essas perdas se dão tanto em arrecadação tributária a nível federal e estadual como em perdas de faturamento das indústrias legalmente estabelecidas. Então a perda é tanto de imposto e de quanto a indústria está deixando de produzir de riqueza e arrecadar. A ABCF faz uma compilação de todos esses dados em todos os setores da indústria que estão conosco e cruza com os dados do governo em arrecadação.

Como é feito o combate?

Eu vou te dar um exemplo. Estão falsificando camisinha e ela aparece em Santa Catarina, Paraná e São Paulo. A gente apreende na farmácia e encontra o distribuidor que está importando. Aí descobre que a fábrica fica lá em Hernandarias, no Paraguai, e a gente vai lá com a polícia paraguaia e apreende tudo. Ao fechar a fábrica, zerou. Ou se está vindo da China a gente breca a entrada disso por Santos, Paranaguá e Itajaí. E se começar a importar do Uruguai a gente pega lá e breca e toda vez que chega tem retenção.

É o que fazem com o cigarro?

No caso do cigarro paraguaio quando falsificavam as marcas brasileiras, além de poder aprender do lado de cá, a gente podia aprender lá no Paraguai, porque estava infringindo marcas da Souza Cruz. Mas a partir do momento que as indústrias do Paraguai fizeram um trabalho de branding, ou seja, adotaram marcas próprias, a gente não pode aprender esse produto antes de entrar no Brasil. Aí em Londrina inundaram com essas marcas paraguaias. Lá dentro do Paraguai elas são perfeitamente legais. A gente só consegue cercar quando entra no Brasil. É um trabalho de enxugar gelo, mas é importantíssimo.

Tem a questão dos defensivos agrícolas e sementes que também são falsificados? Como é que o sr. analisa isso?

É um problema crescente, mas ainda tem um agravante aqui no Brasil. O nosso cinturão verde principal fica nos Estados do Paraná, Mato Grosso, Santa Catarina e Rio Grande do Sul e eles estão logo aí, na fronteira com o Paraguai. O fato de o mercado consumidor desses produtos estar praticamente ao lado da fronteira só dificulta nosso trabalho e facilita a rota de escoamento desse tipo de produto para o consumidor final nas lavouras. A gente vem realizando trabalho em conjunto com o setor, mas é uma briga inglória, porque além do problema da semente que vem via porto, aqui dentro beneficiam sementes que são vendidas como se fosse da empresa A ou B, mas que não são. Tem ainda os defensivos agrícolas que vêm do Paraguai e de algumas fontes clandestinas aqui de dentro. Esse setor perde demais e isso é gravíssimo. Agora é muito difícil combater isso de maneira efetiva. No que diz respeito aos defensivos agrícolas falsificados se aplica mais ou menos o mesmo princípio do problema do cigarro. É difícil combater esse problema do agrotóxico por causa do Paraguai. E para fazer a fiscalização são só 28 pontos de controle em 16 mil quilômetros de fronteira seca, a maioria estrada rural. Ali passa tudo.

Mas isso ocorre porque há um mercado para tudo isso, não?

A gente briga para o consumidor acordar em relação a isso, a não comprar muamba. A gente sabe que os impostos no Brasil são altos e que isso deveria ser revisto para baixo para que se possa concorrer com mais lealdade e competitividade frente aos produtos ilegais. Se o preço de um produto é muito baixo, desconfie porque mágica não existe. Ou é produto falso ou é produto roubado. Se você pega um produto na mão, que você compra todo dia, mas a letra da embalagem está diferente, entre em contato com o SAC da indústria e faça a denúncia. Tomando esses cuidados a chance de ser ludibriado diminui consideravelmente.