Wajngarten ouve ameaça de prisão na CPI da Covid e admite paralisia do governo em oferta de vacina
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quarta-feira, 12 de maio de 2021
Julia Chaib e Renato Machado - Folhapress
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Em depoimento à CPI da Covid, o ex-secretário Fabio Wajngarten (Comunicação da Presidência) se esquivou de perguntas, irritou senadores, ouviu ameaça de prisão e admitiu que a carta em que a Pfizer oferecia negociar doses de vacina ao Brasil ficou parada por ao menos dois meses no governo federal.
O clima ao longo do depoimento ficou tão tenso que o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), ameaçou pedir a prisão de Wajngarten caso ficasse comprovado que esse mentiu a respeito de declarações que deu à revista Veja no mês passado.
Durante a sessão da CPI, Renan afirmou ainda que o ex-secretário incrimina Jair Bolsonaro, ao confirmar a existência de um ministério paralelo, de aconselhamento ao presidente durante a pandemia, fora da estrutura do Ministério da Saúde.
"Ele disse desconhecer a existência [de um ministério paralelo], mas é o contrário: vossa excelência é a prova da existência dessa consultoria, é a primeira pessoa que incrimina o presidente da República, porque iniciou uma negociação em nome do Ministério da Saúde, como Secretário de Comunicação e se dizendo em nome do presidente; é a prova da existência disso", disse o senador.
"Eu queria dizer que vou cobrar a revista Veja: se ele não mentiu, que ela se retrate a ele; e, se ele mentiu à revista Veja e a esta comissão, eu vou requerer, na forma da legislação processual, a prisão do depoente, apenas para dizer isso e para não dizerem que nós não estamos tratando a coisa com a seriedade que essa investigação requer", completou Renan, relator da CPI.
Nesta quarta-feira, Renan substituiu a placa com o seu nome escrito na mesa da comissão pelo número 425.711, em referência ao número de mortes até aqui em decorrência da Covid no Brasil.
Na CPI, Calheiros centrou boa parte das questões que fez em elementos levantados pelo próprio Wajngarten em entrevista à Veja.
À revista o ex-auxiliar de Bolsonaro afirmou que entrou em contato com a Pfizer após saber que o laboratório havia enviado carta ao governo para abrir negociação e ficado sem resposta.
O ex-secretário também atribuiu a "incompetência e ineficiência" o fracasso na assinatura do contrato àquela época, em setembro do ano passado. Questionado pela revista se estava se referindo ao ex-ministro Eduardo Pazuello, Wajngarten disse: "Estou me referindo à equipe que gerenciava o Ministério da Saúde nesse período".
Wajngarten trabalhou como secretário de comunicação no governo até março deste ano. Nesta quarta, ele negou que tenha negociado com a Pfizer, dizendo que apenas "construiu atalhos" para isso e se esquivou de responder a diversas perguntas a respeito da gestão de Pazuello e da conduta do presidente.
O ex-secretário afirmou que uma carta enviada pela empresa Pfizer permaneceu dois meses sem resposta do governo federal. Ele afirmou que a carta foi enviada em 12 de setembro de 2020. O ex-secretário afirmou que não houve resposta até 9 de novembro do mesmo ano.
A carta teria sido enviada ao presidente Bolsonaro, ao seu gabinete, ao vice-presidente Hamilton Mourão, ao ministro Paulo Guedes (Economia), ao então ministro da Casa Civil Walter Braga Netto e ao então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.
Ciente da ausência de resposta, Wajngarten disse que a levou a Bolsonaro e então respondeu a carta em novembro e disse ter recebido no mesmo dia um telefonema do então presidente da Pfizer, Carlos Murillo.
"A minha atitude foi republicana e no intuito de ajudar...busquei o presidente Bolsonaro na busca de uma solução rápida", disse aos senadores.
O ex-secretário afirmou que entrou nas discussões a respeito da aquisição de vacinas, a pedido do dono de um veículo de comunicação. No entanto, posteriormente, Wajngarten afirmou que nunca participou das discussões.
Ele disse que a proposta inicial da empresa abordava inicialmente "irrisórias" 500 mil doses de vacinas. Uma carta da Pfizer mencionada no depoimento por Wajngarten afirma que as imunizações poderiam "proteger milhões de brasileiros", mas ressalta que não obteve resposta.
O documento é assinado pelo CEO da Pfizer mundial, Albert Bourla. O dirigente da empresa afirma que se reuniu com representantes do Ministério da Saúde e da Economia, além de representantes da embaixada do Brasil nos Estados Unidos.
"Apresentamos uma proposta ao ministério da Saúde do Brasil para fornecer nossa potencial vacina que poderia proteger milhões de brasileiros, mas até o momento não recebemos respostas".
Nesta terça-feira, houve tensão na comissão em diversos momentos da sessão.
Em um deles, o relator perguntou a Wajngarten qual teria sido o impacto das declarações negacionistas de Bolsonaro na população e o depoente respondeu: "Pergunte a ele". Senadores protestaram e chamaram de desrespeitosa a fala.
Em outra ocasião, mais tensa, Calheiros perguntou se ele considerava o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello incompetente. Ele tergiversou e então Renan disse que ele havia feito a afirmação à revista Veja. "Não chamei. A revista não diz isso e eu não chamei. Basta levar a revista", respondeu Wajngarten.
O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), irritado com a postura do ex-secretário rebateu. "Vossa Excelência está confiando em quê, meu amigo? A gente se sente protegido quando tem um poder por trás da gente, depois a gente fica abandonado. Estou dando um conselho. Seja objetivo", afirmou Aziz.
A sessão chegou a ser suspensa e, depois de reiniciada, Aziz ameaçou dispensar o depoente da comissão na condicão de testemunha e então reconvocá-lo na condição de investigado.
"Com todo o respeito que o senhor merece aqui na comissão, se vossa excelência não for objetivo nas suas respostas, nós iremos dispensá-lo desta comissão, pediremos à revista Veja que mande a degravação e o convocaremos de novo, mas já não mais como testemunha e sim como investigado", disse Aziz.
"Caso eu veja que vossa excelência está tangenciando com relação às perguntas, eu irei dispensá-lo do seu depoimento aqui", completou.
Os membros da CPI afirmam que o ex-secretário não está sendo objetivo quando questionado sobre suas declarações à revista Veja, quando afirmou que a vacina da Pfizer não foi comprada por incompetência do Ministério da Saúde e afirmou que participou das tratativas.
O presidente da comissão e o relator Renan chegaram a chamar o ex-secretário de mentiroso.
"Por favor, não menospreze a nossa inteligência. Ninguém é imbecil aqui. Não faça isso com a gente. Todo mundo aqui está aqui por uma qualidade, a única qualidade que não chega aqui é menosprezar minha inteligência, pelo menos, nas suas respostas. Então, o Senador Renan está demorando demais porque vossa excelência não está respondendo. O senhor está mentindo aqui para todos nós", disse Aziz.
Renan afirmou que Wajngarten "exagerou na mentira, hoje, aqui, no depoimento. Citou uma fala da campanha com Otávio Mesquita como modelo de esclarecimento, mas mentiu para a CPI", disse.
O ex-secretário afirmou ainda que é equivocada a impressão de que o governo ainda não efetuou comunicação durante a pandemia e atribui essa sensação à evolução da comunicação. Por outro lado, reconheceu que grande parte dessas campanhas foram relativas a questões econômicas.
"A impressão que se tem é uma impressão equivocada em dizer que o governo não comunicou. Com muita técnica, isenção e profissionalismo, a gente fez campanha todos os meses."
Wajngarten diz não ter certeza de autoria de campanha contra o isolamento produzida pela Secom.
O ex-secretário também disse que não tem certeza se foi "de autoria, de assinatura da Secom a campanha lançada em março do ano passado intitulada "O Brasil não pode parar", que pregava contra o isolamento social.
"De fato eu me recordo de um vídeo circulando, 'O Brasil não pode parar, eu não tenho certeza se ele é de autoria, de assinatura da Secom. Eu não sei se ele foi feito dentro da estrutura ou por algum... Circulou de forma orgânica, eu não tenho essa certeza, posso confirmar para o senhor. O que eu tenho absoluta convicção, pelo meu controle aqui na planilha, em março", afirmou o depoente em resposta ao senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).
Em seguida o senador Humberto Costa (PT-PE) repetiu a pergunta e lembrou que no dia seguinte à divulgação de um dos vídeos nas redes sociais a própria Secretaria de Comunicação da Presidência, chefiada à época por Wajngarten, emitiu nota dizendo que era uma "campanha experimental".
"Portanto, assumiu a responsabilidade por aquela campanha negativista, negacionista, defensora da imunidade de rebanho, que já nos causou aí 425 mil mortes", disse Costa.
Wajngarten disse que todo o fluxo de publicação das peças digitais precisavam de aprovação da AGU (Advocacia Geral da União) e nem todas passavam pela Secom.
Costa insistiu na pergunta e o ex-secretário tentou se esquivar ao "frisar" que estava fora da Secom porque estava recuperando-se da Covid-19. "Eu acho que ou o seu secretário executivo, o seu segundo, trabalhava contra o senhor ou há uma Secom clandestina", rebateu Costa.
O vídeo da campanha foi divulgado em redes e depois proibido por ordem do ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal).