A Câmara Municipal de Apucarana, na região centro-norte do Paraná, vai avaliar se instala uma comissão para investigar a conduta do vereador Antonio Garcia (União Brasil), que disse em sessão realizada na última segunda-feira (14) que “no Nordeste o pessoal não gosta muito de trabalhar”. O pedido de criação da comissão foi feito na terça (15) pelo vereador Moisés Tavares (Cidadania) e será analisado na sessão da próxima segunda-feira (21). São necessários cinco votos favoráveis entre os 11 vereadores do município.

Garcia fez a declaração durante a votação de um projeto de incentivo à Associação dos Municípios do Vale do Ivaí Turismo. “Vou votar favorável. Parabenizo o vereador (Luciano) Molina pelo projeto. Um projeto tão importante, o pessoal sai daqui e vai para o Nordeste. No Nordeste o pessoal não gosta muito de trabalhar, uma parte lá, não todos. Não vamos abranger todos não”.

Durante a sessão, Moisés Tavares e outro vereador, Rodrigo Recife (União Brasil), repudiaram a fala. Ao ver que sua declaração teve uma repercussão negativa, Garcia pediu a palavra e disse que não era sua intenção de atacar todos os nordestinos. “A gente fala de um jeito e as pessoas interpretam de outro. Para quem sabe ler, um pingo é letra. Eu não desfiz das pessoas do Nordeste, eu só dei um exemplo”.

Moisés Tavares lembrou que esse tipo de caso vem se repetindo. “Há uma frequência infeliz de falas como essa. Não podemos naturalizar esse tipo de situação, não só em ambientes públicos e políticos, mas também em ambientes esportivos, culturais e empresariais”, disse Tavares. “São exemplos que precisam ser coibidos, senão perderemos o controle. Líderes acabam formando a opinião de outras pessoas”. A comissão, se instalada, poderá recomendar a cassação do mandato ou outra punição prevista no Regimento da Câmara.

Pedido de desculpas

A reportagem da Folha tentou contato ontem com Antonio Garcia, mas ele não respondeu às mensagens. O vereador divulgou uma nota na terça-feira, em que pediu desculpas pela fala. Na nota, ele afirmou que repudia “qualquer ato de discriminação, seja por raça, gênero, orientação sexual, religião, ideologia, origem étnica ou qualquer diversidade”.

Garcia afirmou ainda que reconhece “como trabalhadores e produtores de riqueza ao país, todos aqueles oriundos da citada região brasileira”. “Reafirmo que minha intenção e propósito jamais foi ofender ou mesmo manifestar qualquer sentimento de discórdia, bem como não foi minha intenção ou desejo provocar qualquer forma de preconceito ou falta de respeito”, finalizou o vereador, que também pediu desculpas aos colegas da Câmara.

STF decidiu que preconceito com nordestinos é racismo

Desde janeiro deste ano o preconceito contra nordestinos é considerado racismo. A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STF) equiparou a discriminação contra pessoas nascidas no Nordeste ou moradores da região ao crime previsto no artigo 20 da Lei 7.716, de 1989, com pena de prisão de um a três anos, além de multa, para quem “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.

“Desde essa última visão do STJ, é considerado racismo quando há algum tipo de ofensa, alguma proibição ou alegação para forçar que pessoas deixem de contratar, ou impedir as pessoas de irem para outros estados”, explicou o advogado Frederico Brusamolin, especialista em Direito Penal, Internacional e Europeu.

Segundo Brusamolin, a imunidade parlamentar não abarca falas xenofóbicas. “A imunidade parlamentar não pode ser considerada uma garantia absoluta de liberdade de expressão. Não quer dizer que quem possui imunidade pode difundir discursos de ódio, porque isso confronta com a ideia de administração pública, que é norteada pelos princípios da moralidade e da impessoalidade. A imunidade não livra a pessoa da uma responsabilidade”.

Pessoas ou entidades que se sintam ofendidas devem procurar a Polícia Civil. “Isso pode ser formalizado por meio de uma associação de pessoas que se sentiram ofendidas ou por uma só pessoa, que deve levar essa informação a uma Delegacia de Polícia”, afirmou o advogado. A partir daí, a autoridade policial poderá indiciar o suspeito e encaminhar o caso ao Ministério Público, que decidirá se oferece ou não denúncia à Justiça. Vereadores não possuem foro privilegiado e respondem a processos na primeira instância da Justiça.

Governador de MG foi criticado por falas que sugeriam "separatismo" entre Sudeste e Nordeste

O registro de falas xenofóbicas e de ataques a nordestinos cresceu no país após a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de outubro do ano passado. A região deu 69,34% de votos a Lula, como reação às falas preconceituosas do então presidente Jair Bolsonaro (PL). Depois disso, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), deu duas declarações preconceituosas contra moradores do Nordeste. Na última, chegou a dizer que existem “vaquinhas que produzem pouco” e “as que estão produzindo muito.” Ele foi acusado de pregar o separatismo ao dender uma união entre os governadores das regiões Sudeste e Sul.

Em março, o vereador Sandro Fantinel, de Caxias do Sul (RS), disse em uma sessão da Cãmara que produtores rurais do sul do país não deveriam mais contratar nordestinos. A fala foi feita após a operação do Ministério Público do Trabalho (MPT) que resgatou 207 trabalhadores em situação análoga à escravidão em três vinícolas de Bento Gonçalves (RS).

“Temos que botar ele (o trabalhador) no hotel cinco estrelas para não termos problemas com o Ministério do Trabalho?”, questionou Fantinel. “Vou dar um conselho: não contratem mais aquela gente lá de cima”. O vereador disse que os produtores gaúchos devem contratar trabalhadores argentinos, que segundo ele “são limpos e corretos”, insinuando que nordestinos são “sujos”. A Câmara de Caxias do Sul manteve o mandato do vereador. Ele foi expulso de seu partido, o Patriotas, mas foi acolhido peno PL de Bolsonaro. Fantinel foi denunciado à Justiça pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul.