Vale-alimentação para vereadores se espalha por cidades do Paraná
Para especialistas, medidas são regulares, mas podem ser alvos de questionamentos legais
PUBLICAÇÃO
segunda-feira, 16 de junho de 2025
Para especialistas, medidas são regulares, mas podem ser alvos de questionamentos legais
Douglas Kuspiosz

Enquanto o governo do Estado e algumas prefeituras - como a de Londrina - vêm determinando contingenciamento de gastos neste ano, frente ao cenário de dificuldade econômica, algumas Câmaras do Paraná estão indo na contramão, criando novas despesas com auxílio-alimentação para os vereadores. Na semana passada, a FOLHA mostrou que os vereadores de Santo Antônio da Platina (Norte Pioneiro) terão direito de receber auxílio-alimentação de R$ 770 após a aprovação de um projeto de lei, matéria que ainda aguarda sanção do prefeito Gil Martins (Republicanos). Mas há outros exemplos.
É o caso dos vereadores de Barbosa Ferraz, cidade do Centro-Oeste com cerca de 10,6 mil habitantes. Está em vigor a lei 2.754/2025 que fixa em R$ 1 mil o auxílio para os nove parlamentares do município. Em Agudos do Sul (Região Metropolitana de Curitiba), onde moram pouco mais de 10 mil pessoas, também já valendo a lei 1.288/2025, que garante o benefício de R$ 918,47 para os nove vereadores.
Outra cidade a pautar o benefício foi Jaguariaíva (Campos Gerais), mas o texto pode subir no telhado. A Câmara chegou a aprovar em primeiro turno na última quinta-feira (12) o PL para criar um auxílio de R$ 1,2 mil para os 13 vereadores, mas a proposição deve ser retirada de pauta após pressão popular.
O prefeito Juca Sloboda (PL) foi às redes sociais e classificou como "inadequado" o projeto. "Fiz um pedido em nome de toda a população para que eles retirassem de pauta esse projeto do vale-alimentação, que é uma coisa inoportuna e inadequada para este momento. E eles acataram", disse o chefe do Executivo.
INDENIZAÇÃO
O que os benefícios têm em comum é que se tratam de verbas indenizatórias, o que encontra respaldo na Constituição. Mas são matérias com profunda rejeição popular. Em Santo Antônio da Platina e Jaguariaíva, por exemplo, as votações foram marcadas por protestos nas galerias do Legislativo.
Frente a esse cenário, especialistas veem o movimento nos Legislativos municipais como reflexo de decisões tomadas no Congresso Nacional, que não mede esforços para criar benefícios para os legisladores.
“As verbas de alimentação são consideradas indenizatórias pelos TCEs [Tribunais de Contas dos Estados] e STF [Supremo Tribunal Federal], portanto, permitindo a criação durante o mandato. Fugindo do princípio da anterioridade, quando verbas remuneratórias, obrigatoriamente, precisam ser criadas antes do início da legislatura”, explica o advogado e professor Nilso Paulo da Silva, que entende que, como não há impeditivo, muitos Legislativos “têm criado o benefício, possivelmente, para fugir do aumento direto nos subsídios”.
Mesmo sendo legal, um dos questionamentos feitos é se há real necessidade de indenizar os valores para os parlamentares. O Ibam (Instituto Brasileiro de Administração Municipal) já se manifestou contra a concessão do auxílio-alimentação, entendendo que a legitimidade do benefício está “intrinsecamente relacionada com a presunção de que o agente está sujeito a jornada de trabalho diária, contínua e superior a seis horas com intervalo para alimentação, o que não ocorre no caso dos vereadores”.
O advogado Ronan Botelho ressalta que, apesar de serem respaldados pela Constituição, esses valores precisam ser devidamente justificados, considerando a realidade econômica de cada cidade e os valores recebidos pelos parlamentares.
“Quanto mais a Câmara economiza, mais o município vai ter dinheiro para fazer gastos essenciais”, frisa Botelho.
Tomando Londrina como exemplo, ele destaca que não haveria necessidade de auxílio-alimentação devido ao valor recebido pelos parlamentares, fixado em R$ 14,1 mil para a atual legislatura. "Não posso avaliar outras cidades, mas, em Londrina, a proposta seria, sem dúvida, manifestamente inconstitucional."
Em Londrina, inclusive, não há nenhum projeto de lei com esse intuito tramitando. A FOLHA questionou a CML (Câmara Municipal de Londrina) sobre o assunto, que reforçou que o tema não está em pauta e que, por prática institucional, “a Presidência da Casa não costuma se manifestar sobre temas que não estejam formalizados por meio de proposições legislativas em andamento”.


