Professores, alunos e funcionários da UEL (Universidade Estadual de Londrina) participaram, nesta quinta-feira (11), de dois atos para leitura da Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito. O documento, elaborado no dia 26 de julho por juristas da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo), foi uma reação aos constantes ataques feitos por diversos grupos ao sistema eleitoral brasileiro e que têm como seu principal porta-voz o presidente Jair Bolsonaro (PL).

Imagem ilustrativa da imagem UEL realiza atos para leitura de carta em defesa da democracia
| Foto: Guilherme Marconi

A leitura aconteceu simultaneamente na Faculdade do Largo de São Francisco, em São Paulo, e em mais de 20 universidades do país. Em 26 estados e no Distrito Federal ainda foram organizados atos em defesa da democracia ao longo do dia. Na UEL, a manifestação ocorreu na praça do Ceca (Centro de Educação, Comunicação e Artes), às 10 horas, e terá um segundo ato no CLCH (Centro de Letras e Ciências Humanas), às 21 horas. Uma mobilização pela democracia também será realizada às 17 horas, no Calçadão, no centro de Londrina.

“A UEL e o Conselho Universitário estão respondendo a um chamamento que foi feito pelos colegas do Largo de São Francisco e da Faculdade de Direito da USP e toda a comunidade científica nacional está se mobilizando nesse momento para relembrar que nós vivemos em um país democrático, que nós temos uma constituição e que agora, em outubro, durante as eleições, quem irá para as urnas será a Constituição da República Federativa do Brasil”, ressaltou o ex-reitor e professor do Departamento de Economia da UEL Sérgio Carlos de Carvalho, lembrando que o compromisso democrático da universidade faz parte do estatuto da instituição.

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LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Mais de três décadas depois do processo de redemocratização pelo qual passou o país após o regime da Ditadura Militar, era de se esperar que a democracia tivesse avançado a um patamar que não demandasse, em 2022, a necessidade de se reforçar a importância do respeito ao processo eleitoral, disse a professora do Departamento de Serviço Social, Andréa Pires Rocha. “Mas, infelizmente, a história do Brasil é uma história de autoritarismo, então a democracia vem e existem forças que se levantam contra ela”, analisou. “A mobilização da população brasileira em torno da defesa do Estado Democrático de Direito, independentemente da posição política de qualquer pessoa, é essencial porque não existe liberdade se não tiver democracia. A liberdade de expressão, de opção política, de ir e vir, de ser quem se quiser ser, dependem de um Estado Democrático de Direito.”

Professor do Departamento de Comunicação, Reginaldo Moreira observou que a leitura da carta é um ato político mais ampliado, de alcance nacional, mas que a construção da democracia acontece no dia a dia, nos atos cotidianos da população. “Em cada ação micropolítica a gente tem a necessidade de reafirmar a democracia em nosso país. Nas micro relações, nas relações pessoais, nas micro políticas. Mas esse ato de hoje é necessário para marcar que as nossas conquistas não podem ser ameaçadas de uma hora para outra, questionando-se processos que já foram legitimados pela Justiça Eleitoral, que é a quem cabe isso.”

No dia 11 de agosto é comemorada a criação das duas primeiras faculdades de direito no país, em São Paulo e em Olinda (PE), em 1827. Em 11 de agosto de 1977, durante a celebração dos 150 anos dos cursos jurídicos no Brasil, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, do curso de direito do Largo de São Francisco, fez a leitura da Carta aos Brasileiros, denunciando a ilegitimidade do governo militar em vigor na época e do estado de exceção. No documento, o professor reivindicava o restabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.

Na data de celebração dos 195 anos dos cursos de direito no país e 45 anos depois da leitura do documento pelo professor Telles Junior, novamente os juristas da Faculdade de Direito da USP vêm a público para a leitura da Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito, documento que reforça a eficiência do processo eletrônico de apuração de votos, lembra que o Brasil passou por alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo e que as urnas revelaram-se “seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral”.

No momento em que o país se aproxima das eleições para escolha de representantes para o Executivo e o Legislativo, destaca a carta, o que se vê é um “momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições”. “Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o estado democrático de direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional”, afirma o documento, que até a manhã desta quinta-feira, reunia cerca de 850 mil assinaturas.

A carta teve a adesão de políticos de todas as vertentes, empresários, banqueiros, representantes de entidades sindicais, artistas e atletas. O presidente Jair Bolsonaro criticou a iniciativa, anunciou que não assinaria o documento e, no último dia 2, chamou os signatários de “caras de pau” e “sem caráter”, durante entrevista a uma rádio gaúcha.

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Leia o documento na íntegra

Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito!

Em agosto de 1977, em meio às comemorações do sesquicentenário de fundação dos Cursos Jurídicos no País, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no território livre do Largo de São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em que vivíamos. Conclamava também o restabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.

A semente plantada rendeu frutos. O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o estado democrático de direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais.

Temos os poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal.

Sob o manto da Constituição Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, passamos por eleições livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para país sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular.

A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral.

Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em país de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável. O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude.

Nos próximos dias, em meio a estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais. Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos.

Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições.

Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o estado democrático de direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional.

Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão.

Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.

Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos as brasileiras e brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições.

No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições.

Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona:

Estado Democrático de Direito Sempre!!!!

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