Curitiba - Ao apurar o caso do suposto telefonema do juiz Eduardo Appio ao filho do ex-relator da Lava Jato Marcelo Malucelli, o corregedor regional da Justiça Federal da 4ª Região, Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, indicou que o magistrado de primeira instância pode ter violado ao menos seis normas previstas no Código de Ética da Magistratura e na lei que regula a atuação dos juízes.

O corregedor lembrou que os fatos ainda serão apurados por meio de processo administrativo disciplinar, com defesa e prévia manifestação do juiz, mas antecipa que foi possível identificar algumas violações.

Segundo Leal Júnior, ao fazer ligação utilizando identificador bloqueado e se passando por terceira pessoa (um servidor que não existe, da área da saúde da Justiça), o juiz Appio, responsável pela Lava Jato no Paraná, estaria violando trecho da lei no qual o magistrado tem o dever de "manter conduta irrepreensível na vida pública e particular".

A ordem de afastamento provisório contra Appio foi expedida pelo TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) na segunda-feira (22), em meio a uma investigação iniciada a partir da gravação de um telefonema para o filho de Marcelo Malucelli. O material foi enviado à Polícia Federal, que já informou que laudo pericial "corrobora fortemente a hipótese" de que a voz é do juiz Appio. A juíza Gabriela Hardt, que já foi titular da Lava Jato após a saída de Sergio Moro, assume provisoriamente a 13ª Vara Federal em Curitiba.

No telefonema gravado, ocorrido em abril, o interlocutor aparentemente tenta confirmar o vínculo do filho com Marcelo Malucelli. Também questiona ao fim: "O senhor tem certeza que não tem aprontado nada?", no que foi interpretado como possível ameaça.

CÓDIGO DE ÉTICA

As supostas condutas do juiz Appio também violariam os artigos 16 e 10 do Código de Ética da Magistratura, segundo a apuração preliminar do tribunal. O primeiro diz que o magistrado "deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função". Já o artigo 10 diz que "a atuação do magistrado deve ser transparente".

Ainda dentro do Código de Ética da Magistratura Nacional, o corregedor também indica violação ao artigo 37, que não permite "procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções", e ao artigo 4º, que exige do magistrado um comportamento "eticamente independente", que "não interfira, de qualquer modo, na atuação jurisdicional de outro colega".

Por fim, ao questionar outra pessoa sobre a possibilidade de "ter aprontado", o magistrado pode ter ofendido o "dever de urbanidade", previsto em outro trecho do artigo 35 da Lei Orgânica da Magistratura.

Leal Júnior afirma que a norma "não se dirige, de modo estrito, apenas, aos outros personagens do processo, mas alcança a todos aqueles que atuam no processo e com quem o magistrado se relaciona - fora e dentro do processo (no que se inclui, aliás, o desembargador-relator de correição parcial, cabendo observar, de toda sorte, que o filho do desembargador é advogado)".

LAÇOS

O ex-relator Marcelo Malucelli deixou os casos da Lava Jato em abril após ser criticado por vínculo do filho dele com o hoje senador Sergio Moro (União Brasil-PR).

O filho de Malucelli, o advogado João Eduardo Barreto Malucelli, é sócio do senador e da deputada federal Rosangela Moro (União Brasil-SP) no escritório Wolff Moro Sociedade de Advocacia.

Além disso, João Eduardo é namorado da filha do casal de parlamentares.

A apuração sobre Appio tramitou sob sigilo. O caso só se tornou público a partir desta segunda, quando o corregedor levou o assunto para os membros da corte especial administrativa, que decidiram pelo afastamento provisório.

Em seu voto, o corregedor narra que, em 13 de abril, o juiz Appio acessou um processo no qual era possível ver os dados do advogado João Eduardo Barreto Malucelli, como o número de celular.

Minutos depois do acesso, Appio teria ligado para o celular do João Eduardo, fingindo ser um funcionário do TRF-4. João Eduardo desconfiou do contato, colocou a ligação em "viva-voz", e outra pessoa começou a gravar o diálogo. O vídeo com a conversa foi entregue à Polícia Federal, que fez uma perícia e concluiu que a voz era mesmo do magistrado, segundo o corregedor.

Durante a ligação telefônica, o magistrado não se apresentou como tal e disse que era um servidor da área da saúde do tribunal, que havia encontrado valores a devolver ao desembargador relativos a despesas médicas inseridas no Imposto de Renda, mas que não queria incomodar o juiz de segundo grau, daí o contato que estava fazendo com o filho.

Segundo o corregedor, a frase final, sugerindo que o advogado estivesse "aprontando", pode reforçar a interpretação de que o juiz Appio tentou fazer "algum tipo de intimidação, constrangimento ou ameaça" ao magistrado de segundo grau ou ao seu filho.

Moro diz que ajudou a enviar ao TRF-4 gravação contra juiz da Lava Jato

Curitiba - O senador Sergio Moro (União Brasil-PR) e o deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR) usaram suas redes sociais nesta terça-feira (23) para comentar o afastamento do juiz Eduardo Appio, da 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pelos processos da Operação Lava Jato no Paraná.

"Nunca tinha ouvido falar, na história judiciária brasileira, de um caso no qual o juiz de um processo teria ligado ao filho de um desembargador, que revisava suas sentenças, fingindo ser uma terceira pessoa para colher dados pessoais e fazer ameaças veladas. Realmente", escreveu Moro, que foi o juiz responsável pela Lava Jato até 2018.

Em entrevista à GloboNews durante a tarde, Moro disse que já sabia da gravação e que ajudou no envio do caso ao tribunal para investigação. A filha de Moro é namorada do filho de Marcelo Malucelli, o advogado João Eduardo Barreto Malucelli.

"Eu fiquei a par desta gravação, quando a ligação foi feita, na época. Fiquei sabendo. Fiquei perplexo, recolhemos o material e entregamos ao tribunal, que fez toda a apuração. Nós nos distanciamos completamente, até para evitar qualquer tipo de questionamento", disse Moro.

Segundo o senador, o intuito do telefonema "era colher dados pessoais para talvez usar contra o pai, de alguma forma".

Moro afirmou que o episódio mostrou que o juiz Appio é "emocionalmente desequilibrado" e que "insistiu na tese de revanchismo e meteu os pés pelas mãos".

Em rede social, Deltan compartilhou o vídeo da gravação do telefonema atribuído ao juiz afastado e comentou que "essa é a nova Lava Jato do governo da vingança de Lula". "Não lutam mais para combater a corrupção, mas para se vingar de quem a combate", escreveu Deltan.