Medidas excepcionais são necessárias para enfrentar fatos inesperados. Essa é a síntese do que os administradores públicos precisaram confrontar com o início da pandemia da Covid-19 há um ano. Uma série de medidas foram tomadas, como compras emergenciais e contratação de profissionais para a linha de frente da saúde, com a celeridade incomum a que processos burocráticos do poder público dispõe. Não à toa, o governo federal sancionou uma medida provisória, transformada na lei 14.065/2020, para flexibilizar as regras de licitação durante o estado de calamidade pública. Diante do volume de gastos e das novas normas, foi determinado que os portais de transparência expusessem separadamente as operações para que os organismos interessados possam avaliar a lisura dos processos.

Imagem ilustrativa da imagem Transparência de gastos com a Covid-19 ainda precisa melhorar
| Foto: Mauro Pimentel/AFP

Apesar de o regramento valer para todos os municípios e estados, a forma e conteúdo dos sites com as informações são muito diferentes. Cada administração conta com ferramentas próprias para o trabalho, o que torna gigantesco o desafio para entidades e cidadãos que queiram acompanhar o uso dos recursos públicos. Este é o alerta do OSB (Observatório Social Brasileiro) – instituição formada por voluntários que se dedicam na análise da transparência dos gastos governamentais. “Já evoluímos muito, com compras em pregões eletrônicos, mas há uma grande divergência quando aplicamos a metodologia da transparência internacional. Há, essencialmente, a falta da disponibilização de documentos. Em grande parte das vezes, temos acesso ao edital, os números publicados, mas falta o processo completo”, explica Ney Ribas, presidente do OSB Curitiba. Ele avalia que os municípios paranaenses, numa escala de zero a dez, estão entre cinco e seis no que diz respeito à transparência.

FORÇA-TAREFA

Com o objetivo de atuar exclusivamente na fiscalização dos recursos destinados ao combate da Covid-19, a OSB formou um grupo de trabalho chamado de Força-Tarefa Cidadã, coordenado por Ribas. A atividade da equipe consiste num conjunto de ações de monitoramento dos portais de transparência, realizado por voluntários e técnicos que participam de vários observatórios locais. O trabalho é feito em conjunto com as chamadas redes de controle da gestão pública, compostas por entes como os Tribunais de Contas da União e dos Estados, a CGU (Controladoria Geral da União), os Ministérios Públicos Federal e Estadual. “Encontramos o que está irregular, pegamos essas evidências e fizemos um documento que apontamos às prefeituras e mandamos para os órgãos de controle. Eles conversam entre si e veem quem tem competência para atuar. A ideia é que seja uma ação integrada: fazemos o trabalho de campo e disponibilizamos em rede os resultados”, detalha Ribas.

De forma geral, o principal problema encontrado nos portais de transparência é o detalhamento dos processos internos dos municípios. Uma compra pública tem inúmeros ritos para que seja feita. Há primeiro uma requisição, com a devida justificativa. Ainda é preciso que seja apresentado um estudo técnico prévio, com orçamento, com levantamento do quanto foi consumido. Só assim que o pregoeiro consegue formular o edital. O processo mal-executado, muitas vezes, faz com que as licitações deem desertas ou custem mais do que deveriam. “Ocorre que nem nas prefeituras existem pessoas que entendam esse choque cultural de transparência. O controlador diz que os números estão todos disponíveis, mas a lei determina que os documentos têm que estar disponibilizados. Isso é o problema do esconde-esconde, que os torna meros portais de aparência”, critica Ribas.

O OSB está prestes a conseguir um apoio, que, segundo a organização, irá dar um salto na qualidade da avaliação dos gastos públicos. Tudo a partir dos recursos utilizados para o combate ao coronavírus. Isso porque o TCU (Tribunal de Contas da União) está designando uma equipe de auditores para capacitar um grupo de avaliadores especialistas, para que a instituição possa cobrir todo o território, a partir das 117 cidades que contam com observatórios. Essa equipe de analistas vai aplicar os questionários nas cidades com mais de 50 mil habitantes, quando a prefeitura não estiver cumprindo a regularidade vai ser notificada. Aqueles que não tomarem ciência serão encaminhados para os órgãos de controle para que sejam responsabilizados até fevereiro de 2022. “Algumas cidades se sobressaem, mas não passam de 60 pontos. Em Curitiba, por exemplo, mais de 70% dos processos não têm os documentos no portal. Existem as informações e, se precisar dos documentos, eles não estão lá. É preciso pedir para que sejam apresentados”, detalha Ribas.

MELHORIAS

A dificuldade para melhorar a prestação de contas é uma realidade enfrentada frontalmente por alguns municípios. Em Ponta Grossa (Campos Gerais), o secretário de Fazenda, Cláudio Grokoviski, afirma que a gestão se esforça para se adequar, mas o processo ainda requer muito trabalho. “Tenho a consciência de que o nosso portal de transparência não é dos melhores. Nos rankings, já estivemos pior classificados”, analisa o gestor financeiro da cidade. Ele relata que o MPPR (Ministério Público do Paraná), depois do surgimento da Covid-19, encaminhou novas orientações a serem seguidas, como a criação da comissão interna com servidores para o acompanhamento dos processos. “Creio que a população queira ter acesso aos dados de forma que possam compreender o que está sendo feito. A linguagem que deve ser apresentada também precisa passar por revisão. Tenho a avaliação de que apenas 73,5% das informações estão disponíveis e a nossa orientação é que esse número aumente”, diz Grokoviski.

Um dos caminhos facilitadores para as cidades seria uma padronização proposta por órgãos federais. Atualmente, cada município tem sua própria equipe de Tecnologia da Informação e empresas que geram os sistemas para a elaboração dos sites. O resultado são os mais diferentes sites, com informações muito técnicas que não permitem que os interessados compreendam os números. “Precisamos de um resultado mais palpável, fácil de acessar. As pessoas precisam entender o quanto de recursos virou remédio, merenda, quantos pacientes foram atendidos e alunos alimentados”, detalha o secretário de Ponta Grossa, que ainda vê a capacitação dos servidores como um desafio. “Não temos um plano de cargos que incentive o servidor a ter uma formação continuada. Cada dia tem uma lei nova e precisamos incentivar os funcionários a fazerem os cursos, mesmo que gratuitos. Sou servidor de carreira, sei que muitas vezes as pessoas acabam o período probatório e se acomodam”, critica.

LONDRINA

Londrina é bem avaliada em relação à sua transparência. Recentemente, foi divulgada a segunda edição do EBT (Escala Brasil Transparente) - Avaliação 360, um levantamento da CGU que acompanha a disponibilidade de informações à população por Estados e municípios. O município está entre as sete melhores cidades avaliadas, em primeiro lugar, sendo o único da região Sul que atingiu a nota dez. O acompanhamento local é feito pelo OGPL (Observatório de Gestão Pública de Londrina), que é independente da OSB. Ao longo da pandemia, o órgão fez 11 requerimentos de informações à prefeitura sobre ações específicas sobre o combate à Covid-19, incluindo o uso dos valores repassados pelo Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus. Apesar de o OGPL não emitir opiniões, a avaliação de todas as ações monitoradas foram atendidas. “Tivemos, inclusive, reuniões com o secretário municipal de Saúde e outros servidores. As respostas sempre foram adequadas e rápidas. Ocorreram alterações de condutas após nossa intervenção, como por exemplo alteração do portal Covid-19 e no portal de transparência. O que facilitou a compreensão e visualização dos cidadãos londrinenses sobre a situação”, conclui Roger Trigueiros, presidente do OGPL.