TCU: militares gastaram verba da Covid com carnes nobres ilegalmente
Além de filé mignon e picanha, consta nos gastos consumo de salgadinhos de coquetéis e refrigerantes
PUBLICAÇÃO
segunda-feira, 03 de abril de 2023
Além de filé mignon e picanha, consta nos gastos consumo de salgadinhos de coquetéis e refrigerantes
Constança Rezende/Folhapress
O TCU (Tribunal de Contas da União) detectou que o Ministério da Defesa e as Forças Armadas gastaram irregularmente recursos destinados ao enfrentamento da pandemia da Covid-19. A informação consta em auditoria do tribunal votada na última quarta-feira (29).
A conclusão teve como base a análise de R$ 15,6 milhões de despesas executadas por Defesa e Forças Armadas com recursos enviados pelo Ministério da Saúde a título de ressarcimento ao apoio logístico prestado em ações na pandemia em 2020 e 2021.
Entre as irregularidades, o tribunal citou R$ 256 mil de gastos do Exército com salgados típicos para serem servidos em coquetel, sorvetes e refrigerantes. Foram usadas nesses casos verbas de ressarcimento da Covid.
Os auditores destacaram que, em razão de seu baixo valor nutritivo e sua finalidade habitual, os alimentos "muito provavelmente não teriam sido utilizadas para o reforço alimentar da tropa empregada na Operação Covid-19".
Além disso, houve compra de 12 mil quilos de cortes nobres de carne bovina (filé mignon e picanha) por R$ 447 mil, feitas por apenas duas organizações militares.
O gasto, segundo o documento, representa 22% do total despendido por todas as unidades do Exército com carne bovina em geral, que foi de R$ 2 milhões adquiridos por 45 organizações militares.
A auditoria foi solicitada pela Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara e executada pela secretaria-geral de Controle Externo e pela estrutura que cuida de Defesa Nacional e Segurança Pública do TCU.
O tribunal lembrou que uma normativa interna do Exército autoriza a compra de cortes bovinos nobres. Porém disse que a atuação da administração pública, além de observar o princípio da legalidade, deve atentar para os princípios da razoabilidade e do interesse público.
"Nesse sentido, entende-se que violou tais princípios a utilização de recursos tão caros à sociedade, oriundos de endividamentos da União que agravaram ainda mais a crise econômica e social vivenciada pelo Brasil, para a aquisição de artigos de luxo, quando disponíveis alternativas mais baratas e que igualmente cumpriam a finalidade pretendida", diz o documento.
Os auditores também constataram que cerca de 50% das despesas com gastos alimentícios do Exército beneficiaram organizações que não possuíam tropa e que, por essa condição, não são habitualmente empregadas em ações de campo.
"Se confirmado, afastaria o argumento de maior gasto calórico por desgaste físico em operações militares para justificar as aquisições dos gêneros alimentícios questionados", diz o TCU.
O TCU também identificou que organizações militares aplicaram recursos provenientes de crédito extraordinário para enfrentamento à pandemia em despesas de manutenção de bens imóveis que não preenchiam requisitos de imprevisibilidade e urgência.
Ao todo, foi gasto R$ 1,8 milhão com recursos da Covid para esses fins, excluindo os hospitais militares.
Foram feitas obras de reforma de grande vulto em várias unidades, como adaptação de instalações para construção de alojamentos e salas de instrução, e troca de pisos e telhado em unidades militares que se encontravam em uso.
Uma unidade apresentou o gasto de R$ 48 mil com a troca de persianas, sem que ficasse comprovado que era uma condição imprescindível para possibilitar a realização dos trabalhos de enfrentamento à pandemia.
O tribunal ressaltou que há ações orçamentárias específicas para essas finalidades, previstas no orçamento ordinário dos órgãos.
Por parte da Marinha, o TCU identificou que créditos ressarcidos pela Saúde foram utilizados para o funcionamento de estruturas que não seriam voltadas para a prestação de serviços de saúde.
Entre elas, despesas com fornecimento de sobressalentes de navios e embarcações, bem como manutenção de bens móveis de diversas naturezas.
O TCU ponderou ser inquestionável que as Forças Armadas prestaram apoio essencial e imprescindível na pandemia, sem o qual o número de vítimas poderia ser ainda mais expressivo.
Porém constatou a "ausência de integral comprovação físico/financeira da execução dos serviços objeto das descentralizações de recursos e ausência de discriminação dos bens e serviços contratados objeto dos pedidos de repasse financeiro, o que impossibilitou análise de sua compatibilidade com o apoio logístico realizado."
"Verificou-se que tal risco foi comprovado, não sendo uma mera abstração teórica, em razão de o Ministério da Defesa ter detectado em planilhas de custo apresentadas pela Aeronáutica e pela Marinha a presença de despesas não correlacionadas com os apoios logísticos por elas prestados no contexto do apoio à crise sanitária da Região Norte e ao Programa Nacional de Imunização, respectivamente", afirmou.
Por conta disso, os auditores disseram ser necessária a abertura de um novo processo para aprofundar as apurações.
A reportagem procurou as assessorias de imprensa da Defesa e das Forças Armadas para falar sobre o assunto. Apenas o centro de comunicação social do Exército respondeu.
O órgão disse que pauta sua atuação pelo respeito à legalidade, lisura e transparência na gestão de bens e recursos públicos, bem como pela estreita colaboração com o Controle Externo de seus atos de gestão.
"Diante disso, a Força tem envidado todos os esforços para atender plenamente às demandas e às orientações recebidas do TCU e vem trabalhando, por meio de seu Sistema de Controle Interno, para promover a transparência e a correta aplicação dos recursos públicos", disse.