Parte fundamental dos processos de transparência do uso do dinheiro público, a prestação de contas municipais é determinante para acompanhar não só a correção de uma administração, como também a destinação dos recursos para atender a necessidades básicas como saúde e educação. Esse é um dever constitucional dos que utilizam, arrecadam, guardam, gerenciam ou administram dinheiros, bens e valores públicos.

A fiscalização das cidades e do estado, por sua vez, cabe ao TC (Tribunal de Contas do Estado do Paraná), que, em levantamento recente, apontou que apenas 169 câmaras municipais estão em dia, ou seja, julgaram todas as contas enviadas pelo tribunal administrativo. Isso significa que 230 municípios ainda precisam apreciar o balanço financeiro das administrações públicas, que juntos somam um total de 642 pareceres.

Entre os grandes estão a capital Curitiba, Cascavel e Ponta Grossa. “O Tribunal de Contas apresenta um parecer prévio com uma análise, apontando aprovação, integral ou parcial, ou reprovação. Ao fim, cabe aos vereadores chegarem à conclusão final”, explica Rafael Ayres, coordenador geral de fiscalização do Tribunal de Contas do Estado.

Uraí é um dos nove municípios em que a Câmara ainda não julgou qualquer parecer do TC
Uraí é um dos nove municípios em que a Câmara ainda não julgou qualquer parecer do TC

Entre todos os municípios paranaenses, nove ainda não julgaram nenhum parecer emitido pelo órgão estadual. Este é o caso de Uraí (Região Metropolitana de Londrina), que ainda precisa avaliar contas de oito anos já encaminhadas para a Câmara local.

O principal problema da cidade localizada a 54 quilômetros de Londrina é formal. Não havia previsão das regras na lei orgânica local para que o processo fosse realizado. Atualmente, há um projeto de lei que busca regulamentar o processo de votação das contas. Serão definidos os prazos para os ritos, como a manifestação dos responsáveis pela execução orçamentária.

A previsão do legislativo uraiense é que as normas estejam aprovadas ainda em outubro. “As contas que chegaram permanecem no nosso setor contábil e depois serão encaminhadas para o jurídico, nossa ideia é regularizar a situação o quanto antes”, avalia à FOLHA o vereador Reginaldo Castelar (PSC), presidente da Câmara de Uraí.

Em Londrina, a situação de julgamento de contas é considerada normal, tanto pelo TC quanto pela Câmara Municipal. Os anos de 2013, 2016 e 2018 seguem em trâmite interno no Tribunal, e o relatório de 2015 aguarda julgamento pela Câmara. Historicamente, três anos foram considerados regulares e cinco regulares com reservas.

Nos trâmites locais, os processos têm prazo máximo de 120 dias, incluindo o período em que a gestão da época tem para se manifestar. “Entre as nossas funções, uma das mais fundamentais é a de fiscalizar. Buscamos manter um controle extremo baseado no auxílio dos relatórios do Tribunal de Contas. A nossa Câmara conta com um departamento de Controladoria. Temos um time técnico com advogados para guiar tecnicamente os vereadores”, explica o vereador Ailton Nantes (PP), presidente da Câmara de Londrina.

RAZÕES

São incontáveis as razões para a não execução da avaliação dos resultados financeiros das administrações municipais. Em alguns casos, o atraso é bem-vindo para ganhos políticos, por exemplo. E os cenários sobre a regularidade dos relatórios também são diversos.

Nos últimos 10 anos, o TC apreciou 3.590 contas e as encaminhou aos legislativos locais, sendo que 82% destes relatórios foram julgados. Neste período, 2.490 relatórios foram considerados irregulares. A divulgação dos relatórios que revelam a falta de avaliação dos resultados vem demonstrando efetividade. Em 2016, 41,48% dos pareceres prévios não haviam sido julgados. Em julho deste ano, a marca era de 29,08%, e a taxa foi ainda mais reduzida em setembro, quando passou para 17,08%.

“Esse trabalho de revelar quais cidades não cumpriram com suas obrigações tem tido um caráter educativo, o que é muito bom. Os poderes executivo e legislativo têm uma série de regras a cumprir, como parcelas mínimas de gasto com determinadas áreas e limite para o pagamento da folha de servidores”, detalha Ayres à FOLHA.

Imagem ilustrativa da imagem Relatório do TC aponta que 230 cidades devem julgamento de contas no PR

Apesar de o tema parecer árido e distante da compreensão de quem não tem conhecimento técnico sobre a área, os problemas atingem diretamente a vida dos cidadãos. É preciso lembrar que a razão do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) foi baseado em irregularidades fiscais. As chamadas “pedaladas” são uma prática do Tesouro Nacional de atrasar de forma proposital o repasse de dinheiro para bancos e autarquias para melhorar artificialmente as contas federais.

No intuito de simplificar a compreensão, o TC prepara uma série de critérios em que os municípios passarão a ser avaliados como um sistema de notas. A ideia é implantar a partir do ano que vem. “Isso irá permitir que as pessoas avaliem melhor a gestão de sua cidade. Os testes começam no próximo ano, para as contas de 2019, e a ideia é que já esteja totalmente em funcionamento em 2021”, adianta Ayres. As notas deverão ser semelhantes às adotadas em alguns sistemas educacionais como letras.

ACOMPANHAMENTO

Outro trabalho que auxilia num julgamento mais eficaz por parte dos vereadores é a oferta de capacitação oferecida pelo próprio Tribunal de Contas do Paraná. Há diversos eventos ao longo do ano, mas segundo informações do próprio órgão a participação dos vereadores é baixa.

Para o empresário Ney Ribas, presidente do conselho de administração do OSB (Observatório Social do Brasil) – órgão civil, livre de orientação político-partidária, tem como objetivo o aumento na transparência e a melhora da qualidade na aplicação dos recursos públicos –, é função do próprio TC denunciar ao Ministério Público a falta de julgamento por parte das Câmaras.

“Os vereadores devem cumprir à risca a cartilha oferecida pela CGU (Controladoria Geral da União) em que estão estabelecidas todas as obrigações”, opina Ribas, que acredita no papel da participação popular. “Cabe ainda à sociedade e às entidades organizadas cobrar dos vereadores a qualidade de seus mandatos e que trabalhem para evitar desperdício. Vereador não é profissão, é posto de serviço público”, conclui.

ATUALIZAÇÃO: Segundo a assessoria da Câmara Municipal de Londrina, o Legislativo ainda não recebeu as contas de 2015 para julgamento. Não existe nada pendente. A FOLHA recebeu documento do Tribunal de Contas do Estado do Paraná que informa que as contas de 2015 tiveram trânsito em julgado no dia 28 de junho de 2019.