Quatro anos é pouco? Já seis é tempo demais? Questionamentos norteiam a compreensão sobre qual é a duração ideal para a administração de um governo. Tanto que em 1997 uma emenda à Constituição aprovada no Congresso Nacional passou a permitir a possibilidade apenas uma vez para um mandato subsequente e sem restrição para um pleito não-consecutivo. O então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) – primeiro presidente eleito a encerrar sua gestão no País desde Juscelino Kubitschek – se fez valer da nova regra. Se candidatou, foi eleito e passou oito anos no poder. Sociólogo de formação, ele resolveu apresentar uma revisão sobre o que pensa a respeito do tema.

Imagem ilustrativa da imagem Reeleição: uma conta política que ainda não foi fechada
| Foto: Jardiel Carvalho/Folhapress

Em artigo para “O Estado de São Paulo”, do último dia 5, FHC fez um “mea culpa” e afirmou que é ingenuidade imaginar que os presidentes não farão o impossível para se reelegerem. No texto intitulado “Reeleição e crises”, o ex-presidente lembrou que, na ocasião, a situação financeira impunha ao País a necessidade de apoio do FMI (Fundo Monetário Internacional). Cardoso ainda avaliou que a decisão foi equivocada. “Devo reconhecer que historicamente foi um erro: se quatro anos são insuficientes e seis parecem ser muito tempo, em vez de pedir que no quarto ano o eleitorado dê um voto de tipo “plebiscitário”, seria preferível termos um mandato de cinco anos e ponto final”, escreveu.

A ideia de se acabar com a possibilidade da reeleição para os níveis do Executivo – visto que no Legislativo não há limites para se tentar a permanência no posto – vem sendo tema daqueles que defendem uma reforma política mais ampla no País. Sob esse ponto de vista, um aliado histórico do PSDB, o DEM, já tocou no espinhoso assunto. Em uma reunião de bancada do partido em dezembro de 2018, o presidente da legenda, Antônio Carlos Magalhães Neto, prefeito de Salvador (BA), defendeu que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) mudasse a regra. “O modelo que defendo como ideal é a não reeleição com mandato de cinco anos, mas podemos também acabar com a reeleição com quatro anos de mandato”, declarou, segundo a revista “Veja”. A FOLHA procurou ACM Neto para comentar sua posição, mas não teve resposta até o fechamento desta edição.

Beneficiado duas vezes na presidência da República com a reeleição, o PT não demonstra interesse em debater o tema e considera a possibilidade da reeleição como positiva. Questionada sobre o assunto, a presidente do partido, a deputada federal paranaense Gleisi Hoffmann, questionou a reflexão de FHC. “O instituto da reeleição não é ilegítimo. O problema original é que ela foi comprada com o suborno de parlamentares e beneficiava o então presidente FHC. Essa autocrítica ele não tem coragem de fazer”, disse à FOLHA. No artigo ao Estadão, o ex-presidente já se defendia das críticas. Sobre o caso disse: “De pouco vale desmentir e dizer que a maioria da população e do Congresso era favorável à minha reeleição: temiam a vitória... do Lula”, afirmou no texto.

ANÁLISE

Fora do debate partidário – tão típico do jogo político -, quem estuda o assunto aponta que a reeleição é o claro indício de que o personalismo é dominante na estrutura do poder. “Há uma ambiguidade nesta opção de dar mais quatro anos a quem está governando. Isso tem um significado importante: o nome é mais forte do que as ideias de um partido”, aponta o cientista político Elve Cenci, professor de Ética e Filosofia Política na UEL (Universidade Estadual de Londrina). As legendas acabam sendo um reflexo direto de quem está no poder. “Isso revela a fragilidade dos partidos que não têm projeto de longo prazo. A democracia não pode ser cheque em branco ou personalista”, critica.

Outro fato observado é que há diferentes comportamentos dos políticos no primeiro mandato, criando um ambiente ideal para conquistar mais quatro anos. “O horizonte da próxima eleição está sempre à vista e os presidentes não querem deixar de ser presidente nunca. Lula tentou o seu terceiro mandato e pensa em se recandidatar. Já Bolsonaro ficou 30 anos no Congresso e fez da política a profissão”, lembra Cenci. Ele ainda analisa a mudança de postura do presidente de sua agenda econômica, com um nítido interesse eleitoral. “Bolsonaro se vendeu como um liberal e agora flerta com políticas sociais. Ele renomeia programas, reinaugura projetos do Lula. De certa forma, ele está afastando a ideia de estado mínimo e buscando construir projetos que são fundamentais para a reeleição”, conclui o professor.

REPÚBLICA

A partir do ponto de vista jurídico, o advogado e professor de Direito Constitucional Flavio Pierobon lembra que segundo a Constituição qualquer alteração que mude o cenário político só pode ocorrer em eleições caso marcadas para daqui a um ano. “Tivemos um caso semelhante com a Lei da Ficha Limpa e não valeu para a eleição subsequente. Se votassem pelo fim da reeleição hoje, só valeria para 2022”, explica. Há ainda uma limitação quanto ao parentesco. Segundo a regra, qualquer parente de até segundo grau na mesma jurisdição, que exerceu o mesmo cargo do executivo, não pode disputar o pleito. Tal fato, por exemplo, impõe ao presidente Bolsonaro que nenhum de seus filhos, que também estão na carreira política, possam sucedê-lo em 2026, caso se reeleja.

Em conclusão, Pierobon faz um questionamento sobre os limites e a maturidade da República brasileira. Em sua opinião, apenas uma reforma política profunda e séria seria capaz de ampliar a participação de novos nomes na política e o estabelecimento de defesa de ideias para um projeto de País. “A perspectiva infinita de reeleição no Legislativo e, depois, a possibilidade de assumirem algum posto Executivo tocam num ponto importante no senso de republicanismo. Não faz bem ao ordenamento político e algumas pessoas se perpetuam no poder”, aponta. Ele conclui que falta autocrítica. “Precisamos de um legislativo capaz de olhar para dentro da própria instituição. As mudanças mais sérias que ocorrem normalmente vêm de alguma proposta de iniciativa popular. Temos uma excelente Constituição, uma boa República, falta maturidade política”.

Reeleição interna aquece o clima no Congresso

Enquanto a ideia da reeleição para o Executivo é criticada, dentro do próprio Congresso o desejo é de levar a regra para a chefia tanto da Câmara dos Deputados como do Senado. É público o interesse do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), enquanto o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) afirma não ser candidato. A possibilidade divide a opinião dos próprios parlamentares. O senador Alvaro Dias (PR), líder do Podemos, na sessão remota do dia 3 fez uma manifestação oficial do partido, contrária à chance dos atuais mandatários concorrerem novamente em 2021. “A reeleição indefinida apequena as Casas do Congresso, como instituições, e desvaloriza os seus membros, como se não fossem todos pares e não fossem capazes e preparados para a direção das Casas”, disse Dias.

Na quarta-feira (9), a senadora Rose de Freitas (PODE-ES) apresentou a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 33/2020, que permite a reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado dentro da mesma legislatura. Atualmente, a Constituição não permite a recondução dos membros das Mesas Diretoras da Câmara e do Senado. As eleições das Mesas Diretoras acontecem a cada dois anos. Para apresentação de uma PEC no Senado, são necessárias 27 assinaturas. A PEC 33 conseguiu 30, incluindo nomes ligados ao governo, como o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), o líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO), e de parlamentares ligados ao centrão.

Segundo a autora do projeto, a reeleição “já se incorporou à nossa cultura política, tendo, nesse período, assegurado, ao mesmo tempo, a continuidade administrativa, a soberania do eleitor, bem como se apresentado como anteparo consistente para qualquer tentativa de perpetuação no poder”. A atitude de Freitas provocou um enorme problema dentro de seu partido. Tanto que o Podemos anunciou a suspensão da filiação da senadora por 60 dias, período em que responderá processo ético-disciplinar dentro do partido. (Com agências).