A propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão começa na próxima sexta-feira (26), sem gerar a expectativa de eleições anteriores. Se até 2014 os candidatos apostavam suas principais fichas no horário eleitoral, desde 2018 a prioridade passou a ser a internet, que possibilita uma comunicação direta com o eleitor, sem limite de tempo e com uma linguagem adequada às redes sociais. As propagandas serão exibidas até o dia 29 de setembro. Em caso de segundo turno, irão ao ar de 7 a 28 de outubro.

A eleição de Jair Bolsonaro em 2018 foi o maior exemplo da nova era da propaganda eleitoral: na televisão, o horário do então presidenciável do PSL repetiu por vários dias a mesma imagem do candidato no ato em Juiz de Fora (MG), momentos antes da facada desferida por Adélio Bispo. Enquanto isso, sua campanha se espalhava pelo Brasil por meio do aplicativo WhatsApp ou do Facebook — muitas vezes sem cumprir as regras da justiça eleitoral, que não tinha ferramentas para fiscalizar os meios não tradicionais.

Um estudo da doutora em Ciência Política Karolina Mattos Roeder, de Curitiba, mapeou as formas de propaganda utilizadas pelas campanhas brasileiras e apontou a eleição de 2018 como o ponto de mudança na comunicação entre candidatos e eleitores. Com base em um estudo anterior, ela classificou as estratégias em “tradicionais” (corpo a corpo, trabalho voluntário, distribuição de santinhos etc) e “modernas” (comunicação de massa, contratação de profissionais especializados em marketing político, relações públicas, publicidade etc).

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Um exemplo de “comunicação moderna”, segundo a professora, foi a campanha presidencial do PT em 2002, com a contratação do publicitário Duda Mendonça. “A comunicação com o eleitor passa a ser diferente, as campanhas eleitorais passam a ficar cada vez mais caras. Nos últimos 10 a 15 anos podemos dizer que entramos em uma fase pós-moderna, em que há novos meios e canais de comunicação, na internet, e com possibilidade de interação”, afirma Karolina Roeder.

A pesquisa apresentada no fim de julho no Centro Universitário Uninter, em Curitiba, analisa os investimentos feitos pelos partidos na eleição geral de 2018 e unifica as estratégias “modernas” e “pós-modernas”. O levantamento mostra que os 32 partidos que disputaram a eleição investiram R$ 157.614.611,25 em estratégias modernas em todo o país, ou 61,8% do total aplicado em comunicação. Já as formas tradicionais tiveram um investimento de R$ 97.553.420,64, ou 38,2%. Os recursos são obtidos por meio do Fundo Partidário, do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas e de doações.

PRODUÇÃO DE CONTEÚDO

Karolina Roeder avalia que as formas tradicionais tendem a alimentar as estratégias modernas de comunicação. “Em 2018 nós tivemos uma evidente diminuição da importância da propaganda no rádio e na televisão. A propaganda na televisão tem menos peso hoje, quando comparamos com o passado, na década de 1990, 2000. Contudo, ela pode e é utilizada hoje para produzir conteúdo para as redes sociais, mais do que para as pessoas verem ao vivo. Os partidos e candidatos fazem recortes de debates e produções audiovisuais para disseminar nas redes sociais digitais”.

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O aumento da importância das redes sociais coincidiu com a queda na audiência na TV aberta, o que pode afastar ainda mais as pessoas do horário eleitoral gratuito. “Houve uma diminuição importante na proporção de pessoas que assistem à TV aberta, e entre os que assistem, o programa eleitoral não é necessariamente algo que atrai”, diz Karolina Roeder. “Com a utilização em massa dos smartphones, a atenção do eleitor é dividida com o aparelho e as redes sociais, caso fique entediado assistindo algo na televisão. Os partidos podem reaproveitar esse conteúdo audiovisual para as redes, buscando amplificá-lo”.

plataformas

O aumento da quantidade de informação disponível, em vários veículos, obriga partidos e candidatos a estarem presentes em várias plataformas. “É muito mais difícil chegar e convencer um eleitor hoje, com a quantidade imensa de informações que ele tem à disposição, do que na década de 1990. Os partidos precisam estar presentes em todas as mídias possíveis”, afirma a cientista política.

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Essa busca por atingir nichos leva a uma especialização ainda maior. “Há públicos específicos em cada mídia e devem ser levados em conta a faixa etária, a renda e o gênero, para a escolha da estratégia. Há perfis diferentes e hoje os partidos podem adotar propagandas que atendam os diferentes nichos. Quem assiste ao Jornal Nacional não necessariamente acessa o Twitter, que também tem um perfil diferente de quem utiliza o TikTok”.

A pesquisa mostra que, em 2018, os partidos com menos recursos disponíveis apostaram mais em estratégias modernas. PT e MDB, duas das legendas com mais recursos há quatro anos, tiveram gastos equilibrados. Dos 32 partidos, só três gastaram mais em estratégias tradicionais: Avante, Pros e Patriota. Dos 29 que gastaram mais em estratégias modernas, 14 gastaram mais de um terço do total dos recursos (incluindo os valores destinados a gastos gerais, administrativos, com pessoal, formação, etc).

A tendência deverá se repetir neste ano: partidos menores tendem a concentrar suas ações na internet. “Os partidos que possuem mais recursos podem se dar ao luxo de adotar estratégias distintas, mais pulverizadas, atendendo a vários tipos de perfis de eleitores”, avalia Karolina Roeder. “Já os que têm estrutura fraca acabam por focar em estratégias na internet e mídias sociais por elas poderem ser feitas de qualquer computador. Nem sempre haverá recursos para o candidato a deputado viajar para todo o estado, e aí entra a campanha pela internet”.

A FOLHA tentou falar com a coordenação de campanha das coligações dos principais candidatos ao governo do Estado para falar sobre as estratégias para a propaganda eleitoral em rádio e TV, mas não obteve retorno.

Propaganda em TV e rádio pode inibir fake news, diz especialista

Advogado, doutor em Filosofia e especialista em Direito Eleitoral e Processo Eleitoral, Clodomiro Bannwart avalia que a propaganda via rádio e televisão pode ser mais confiável do que materiais disseminados pela internet. “Esse formato da TV e do rádio obriga o candidato a condensar melhor suas propostas. Ele vai ter que se valer do modelo tradicional, o que afasta de certa maneira essa presença massiva das fake news. Nesse aspecto, é um elemento positivo”.

Para Bannwart, a justiça eleitoral está mais preparada neste ano para enfrentar a desinformação do que em 2018. “Nós temos uma regulação mais densa da legislação eleitoral no que compete a propaganda eleitoral no rádio e na televisão. A justiça eleitoral foi tomada de assalto na eleição de 2018 porque não tinha instrumentos necessários para combater algo que era completamente novo. As próprias resoluções do Tribunal Superior Eleitoral já dão um olhar mais atento para isso, alguma jurisprudência vai ajudar a coibir esse tipo de ação. Mas creio que ainda vamos ter muitas fake news e distorções da verdade”.

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História

A primeira regulamentação de propagandas eleitorais em meios eletrônicos no Brasil foi feita em 1950, quando as campanhas eram feitas pelo rádio. As emissoras privadas reservaram duas horas para a propaganda, nos 90 dias que antecediam as eleições, mas os candidatos com mais recursos tinham mais espaço. O Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral foi criado em 1962, para que todos os candidatos tivessem o mesmo espaço no rádio e na televisão, por meio de um rodízio.

Em 1976, já durante a ditadura militar, o então ministro da Justiça, Armando Falcão, elaborou uma mudança na legislação, para tentar conter o avanço da oposição, na época concentrada no MDB. Conhecida como Lei Falcão, a regra determinou que os partidos só podiam divulgar o currículo, a foto e o número dos candidatos. A Lei Falcão foi revogada em 1985, com a redemocratização do país. As regras sofreram várias mudanças desde então. Atualmente, o tempo é calculado conforme a representatividade dos partidos políticos ou federações na Câmara dos Deputados. (J.M.L.)

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