PF investiga se Abin atuou por interesses de filhos de Bolsonaro
Agência teria sido usada para dar informações sobre investigações em andamento para Jair e Flávio Bolsonaro
PUBLICAÇÃO
quinta-feira, 25 de janeiro de 2024
Agência teria sido usada para dar informações sobre investigações em andamento para Jair e Flávio Bolsonaro
Bruno Boghossian, Fabio Serapião e Julia Chaib Folhapress
Brasília - A investigação da Polícia Federal sobre a atuação da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) encontrou indícios de que a agência atuou para fornecer informações sobre investigações em andamento para Jair Renan e Flávio Bolsonaro, filhos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Irregularidades na Abin, entre elas o uso do software espião FirstMile, estão na mira da operação Vigilância Aproximada, que investiga uma "organização criminosa que se instalou na Abin com o intuito de monitorar ilegalmente autoridades públicas e outras pessoas, utilizando-se de ferramentas de geolocalização de dispositivos móveis sem a devida autorização judicial".
No caso de Jair Renan, a Abin teria atuado para ajudar o filho do presidente que era alvo de investigação pela PF sobre as relações com empresas que mantinham e tinham interesse em contratos com o governo federal.
Agentes da Abin tentaram atrapalhar a investigação e coletar informações com o objetivo evitar "riscos à imagem" de Bolsonaro.
Um policial federal lotado na Abin chegou a seguir um dos alvos da investigação, que desconfiado acionou a Polícia Militar.
O policial foi ouvido pela PF e confirmou que trabalhava diretamente com o então diretor da Abin Alexandre Ramagem (PL-RJ) e que recebeu a missão de levantar informações sobre o caso investigado.
Flávio Bolsonaro, por sua vez, teria sido beneficiado com a atuação da Abin para levantar informações contra auditores da Receita Federal.
O filho de Bolsonaro à época era investigado no caso da rachadinha da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) e tentou apontar para irregularidades na Receita como forma de anular a apuração.
Após uma reunião das advogadas de Flávio com Bolsonaro, agentes da Abin teriam produzido relatórios sobre com o senador deveria atuar para se livrar das investigações.
"Defender FB no caso ALERJ demonstrando a nulidade processual resultante de acessos imotivados aos dados fiscais de FB", trazia no título um dos relatórios produzido por integrantes da Abin.
No documento, encaminhado para a defesa de Flávio Bolsonaro por mensagem de aplicativo, eram apontados caminhos a serem seguido pelo senador para desmontar as acusações que pesavam contra ele.
A operação desta quinta (25) é a segunda fase da Última Milha, deflagrada em outubro de 2023 para apurar o uso do software espião FirstMile.
Com base em documentos apreendido na primeira fase e nas quebras de sigilo, a PF investiga se a Abin durante o governo Bolsonaro utilizou o software espião FirstMile e produziu relatórios sobre ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e políticos adversários do ex-presidente da República.
Entre alvos estariam os ministros do STF, Gilmar Mendes, e políticos como o atual ministro da Educação Camilo Santana (PT), então governador do Ceará. As autoridades teriam sido alvos de uma estrutura paralela dentro da Abin, integrada por policiais federais e oficiais de inteligência próximos ao então diretor da agência, Alexandre Ramagem.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, documentos em posse da Polícia Federal indicam que funcionários da Abin lotados no CIN utilizaram o software espião FirstMile durante o governo Bolsonaro --a ferramenta invadia a rede de telefonia nacional.
O CIN tem origem em um decreto de Bolsonaro, assinado em julho de 2020, que criou novas estruturas dentro do organograma da Abin, à época chefiada por Ramagem.
A justificativa para criação do CIN foi planejar e executar "atividades de inteligência" destinadas "ao enfrentamento de ameaças à segurança e à estabilidade do Estado" e assessorar órgãos competentes sobre "atividades e políticas de segurança pública e à identificação de ameaças decorrentes de atividades criminosa".
O centro foi desmontado pela reestruturação promovida pela atual direção da Abin, já no governo Lula (PT), após a operação da PF que mirou o software espião.

CASO MARIELE
Na decisão em que autorizou buscas e apreensão contra o ex-diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) Alexandre Ramagem, o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirma ter havido monitoramento ilegal da procuradora responsável pela apuração do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes.
"Ficou patente a instrumentalização da Abin para monitoramento da promotora de de Justiça do Rio de Janeiro e coordenadora da força-tarefa sobre os homicídios qualificados perpetrados em desfavor da vereadora Marielle Franco e o motorista que lhe acompanhava, Anderson Gomes", escreveu Moraes em sua decisão.
"Os documentos elaborados sobre a autoridade pública teriam a mesma identidade visual dos apócrifos elaborados pela estrutura paralela da Abin, conforme destacado pela Polícia Federal", prosseguiu Moraes.
Não é citado na decisão o nome da promotora. As promotoras Simone Sibilio e Letícia Petriz integraram a força-tarefa de 2018 a julho de 2021.
De acordo com o relato da Polícia Federal transcrito por Moraes, a estrutura paralela infiltrada na gestão Ramagem "estava a serviço, em verdade, do extrato político nacional".
"A CGU [Controladoria-Geral da União] identificou no servidor de impressão resumo do currículo da promotora de Justiça do Rio de Janeiro coordenadora da força-tarefa sobre os homicídios" de Mareille e Anderson.
O deputado federal é um dos alvos da operação Vigilância Aproximada, deflagrada pela PF nesta quinta (25) sob autorização do ministro Alexandre de Moraes (STF) e que investiga uma "organização criminosa que se instalou na Abin com o intuito de monitorar ilegalmente autoridades públicas e outras pessoas, utilizando-se de ferramentas de geolocalização de dispositivos móveis sem a devida autorização judicial".
A ação desta quinta-feira é um desdobramento da operação Última Milha, deflagrada em outubro de 2023 para investigar o uso do FirstMile. Nessa nova fase, o foco principal são policiais que atuavam na Abin, em especial no CIN (Centro de Inteligência Nacional), estrutura ligada ao gabinete de Ramagem na agência durante o governo Bolsonaro.
Ao todo, sete policiais federais são alvos da ação e foram afastados dos cargos públicos.
Foram colocados em cargos de chefia no CIN servidores da agência e policiais federais próximos a Ramagem e da família Bolsonaro, o que fez com que ele fosse apelidado de "Abin paralela".
O ex-diretor da Abin teria sido corrompido por dois oficiais da Abin que ameaçaram divulgar o uso do software espião após a agência cogitar demiti-los em um processo administrativo interno por participação em uma fraude licitatória do Exército.
Segundo a PF, as provas coletadas na primeira fase da operação mostram que "o grupo criminoso criou uma estrutura paralela na Abin e utilizou ferramentas e serviços daquela agência de inteligência do Estado para ações ilícitas, produzindo informações para uso político e midiático, para a obtenção de proveitos pessoais e até mesmo para interferir em investigações da Polícia Federal".

